São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004

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Jogos divinos

Na Antiguidade, Olimpíadas eram exaltação à busca do equilíbrio entre corpo e espírito e suspendiam guerras

DA REPORTAGEM LOCAL

No princípio era o mito. Os Jogos da Grécia Antiga têm origem na vontade de seus deuses.
Há relatos que atribuem o surgimento das competições a Hera, a primeira divindade a ter um templo em Olímpia, no século 7 a.C. A deusa da fertilidade era homenageada na época da colheita.
A versão mais difundida relaciona o início dos Jogos a uma corrida de carros entre dois netos de Zeus: o rei Enômaos e Pélops. O primeiro prometera a mão da filha, Hipodâmia, a quem o vencesse numa corrida de carros, cujo perdedor era condenado à morte. Apaixonada pelo rival, Hipodâmia tramou a sabotagem do carro do até então imbatível pai, que morreu durante a disputa.
As competições teriam nascido em homenagem a Pélops.
Registros históricos imputam a origem às cerimônias em honra aos mortos nas guerras. Mítica ou histórica a concepção, eles unificaram a cultura helênica.
Segundo a educação grega, o homem deveria buscar o equilíbrio entre o corpo e o espírito. Os Jogos eram a exaltação máxima dessa busca -conjugavam o aspecto religioso ao competitivo.
Três meses antes do início das provas, as guerras eram suspensas. Emissários percorriam a Grécia anunciando a trégua, e Élis, o território dos Jogos, era declarado inviolável, neutro e sagrado.
Multidões acorriam a Olímpia, acampando nos bosques próximos ao santuário. Cada cidade mandava suas delegações, com tesouros para as divindades.
Apesar da paz formal entre as cidades, nas arenas a disputa era ferrenha, e as modalidades tinham íntima relação com a guerra. A última competição dos Jogos, por exemplo, era a "hoplita", prova em que os atletas corriam com escudos e lanças, simbolizando o final da trégua sagrada.
Os festivais olímpicos aconteciam a cada quatro anos, intervalo chamado "olimpíada". A duração variou nos mais de mil anos de Jogos Antigos e, por volta do século 4 a.C., foi fixada em cinco dias.
No aspecto esportivo, as Olimpíadas antigas lembram as atuais, especialmente no rigor com a técnica e a preparação dos atletas -mesmo nas provas infantis.
O poeta Píndaro registrou que os finalistas da luta infantil de um dos Jogos só conquistaram o direito de decidirem a competição depois de vencerem combates com quatro oponentes cada um.
O "profissionalismo" dos Jogos antigos revela-se ainda na função dos técnicos. A partir do século 4 a.C., os atletas tinham "comissões técnicas", compostas de treinadores com atribuições específicas.
O técnico principal, chamado de "ginasta", era em geral um ex-atleta, que definia o plano de treino e a alimentação do pupilo.
Quem executava o plano eram os "pedótribas", espécie de "personal trainers", que acompanhavam diariamente os competidores, trabalhando na melhora das técnicas. Havia treinadores cuja função era untar os atletas (que competiam nus) com óleo antes das provas: os "ungidores".
A abrangência dos festivais extrapolava, entretanto, o campo esportivo. "Olímpia foi o local de encontro não só dos atletas mais destacados do mundo grego como também de filósofos, retóricos, historiadores e letrados, que encontravam ambiente adequado para a exposição de suas idéias e doutrinas", conta Nelson Schneider Todt, membro da Academia Olímpica Brasileira.
Entre os pensadores, as Olimpíadas não eram unanimidade. Platão e Pitágoras assistiram aos Jogos. Eurípedes criticou a superpreocupação com esportes e declarou: "O pior dos males da Grécia é a raça dos atletas".
Sob o Império Romano, os Jogos perderam muito de seu ideal. Os conquistadores competiam. Há registro de que Nero foi campeão em 65, após obrigar a retirada de seus rivais. (LUÍS FERRARI)


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