São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004

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Jogos mambembes

Primeira Olimpíada da Era Moderna foi vexame de organização, qualidade técnica e respeito às regras e teve problemas até para arregimentar atletas

DO PAINEL FC

Atenas-1896 foi um parto, e a criança só veio ao mundo graças à teimosia grega. Por mais de uma vez os esforços de Pierre Frédy, o barão de Coubertin, esbarraram na má vontade do primeiro-ministro Charilaos Trikoupis.
No final de 1894, parecia certo que a idéia, consolidada num congresso em Paris no mesmo ano, havia gorado. Uma carta de um aliado de Trikoupis a Coubertin informava que o país, quebrado economicamente, desistira de abrigar a competição. Por outra missiva, o barão soube que os húngaros estavam prontos para receber a Olimpíada. A Suécia também se pôs à disposição.
Foi a persistência de dois gregos que virou o jogo: Dimitreus Vikelas, membro do país no COI, e o príncipe Constantino. O primeiro descobriu o mecenas Georgios Averoff, que bancou a empreitada. O filho do rei George 1º escanteou Trikoupis do processo e assumiu o ônus dos preparativos.
Um sucesso quanto ao entusiasmo da população local e dos atletas, a primeira Olimpíada da Era Moderna foi um vexame em organização, infra-estrutura, qualidade técnica e respeito às regras.
Algumas competições nem tiveram quórum. Na barra horizontal por equipe, os alemães ganharam por falta de rivais. Só dois americanos se inscreveram no salto com vara -três neófitos gregos foram arregimentados de última hora para viabilizar a prova.
No tênis, o irlandês John Boland, que fora à Grécia como turista e virou competidor por um pedido de um amigo, ganhou os torneios de simples e duplas -neste, compôs com o alemão Fritz Traun, que perdera seu parceiro durante os Jogos.
Não havia uma padronização dos equipamentos. O disco com que o americano Robert Garret venceu era bem mais leve do que aquele que ele costumava arremessar nos EUA. A pista de atletismo era horrível, com um aclive numa reta e curvas muito abertas.
O corporativismo grego campeou. Certas provas foram criadas somente para agradar aos anfitriões. Em outras, deu-se um jeitinho para que os helenos recebessem medalhas -no florete para mestres, venceu o grego Leon Pyrgos, que era profissional e, em tese, não poderia competir.
Foram 43 provas em nove esportes, só com homens -as mulheres só seriam admitidas em Paris-1900. Os campeões ganharam medalhas de prata, e os vice, de bronze -para os terceiros, nada.
A premissa de excelência técnica dos Jogos era, em muitos casos, uma falácia. O campeão da inusitada prova "levantamento de peso - um braço", o inglês Launceston Elliott, foi desmoralizado pelo rei George 1º, que, ao parabenizá-lo, levantou o haltere mais facilmente que o vencedor. No cavalo com alça, 13 dos 15 inscritos não cumpriram as exigências mínimas para ir à final.
A maratona retratou bem a zorra que foi a Olimpíada. O príncipe Constantino invadiu a pista e percorreu os últimos metros ao lado do campeão, o compatriota Spyridon Louis. Outro grego foi desclassificado por ter feito parte do trajeto em uma charrete.
As datas foram uma confusão à parte. Os anfitriões se orientavam pelo calendário juliano, que tinha diferença de 12 dias em relação ao utilizado por alguns participantes. Por causa disso, a delegação americana chegou a Atenas em 5 de abril, véspera da abertura.
E, como fosse pouco, encontrou uma cidade pobre e suja. Depoimento publicado em 29 de março de 1896 no "New York Times" alertou os atletas dos EUA sobre a situação: "O esportista amador americano tem de saber que ir a Atenas significa fazer uma viagem cara a uma capital ordinária, onde não terá notícias do mundo exterior, será devorado por pulgas, sofrerá tormentos psicológicos e, se ganhar prêmios, experimentará uma honra digna de explicações".
Apesar de tudo, os Jogos foram aprovados pelos participantes. Os americanos -campeões em medalhas, mesmo com uma delegação bem menor que a da segunda colocada Grécia, 14 contra 166 atletas- apoiaram a idéia do rei George 1º de fazer de Atenas sede perpétua. O máximo que o país conseguiu foi voltar a realizar uma edição em 1906, não reconhecida pelo COI. (FÁBIO VICTOR)


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