São Paulo, terça-feira, 08 de novembro de 2011

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ENTREVISTA ZAGALLO

Estamos atrasados para a Copa, temos que fixar uma base

LONGE DOS CAMPOS HÁ 5 ANOS, EX-TREINADOR AFIRMA ESTAR 'OBSERVANDO TUDO' E QUE FASE DE TESTES NA SELEÇÃO JÁ DEVERIA TER ACABADO

Rafael Andrade/Folhapress
Zagallo, que esteve com a seleção pela última vez em 2006, ementrevista no Rio

LUÍS CURRO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

"Estamos atrasados."
Mario Jorge Lobo Zagallo, 80, respondeu assim ao questionamento da Folha a respeito da sua expectativa para a Copa do Mundo de 2014.
O maior vencedor da história das Copas (duas vezes como jogador, uma como técnico e uma como auxiliar técnico) ignorou o lado organizacional e partiu para a bola.
Segundo ele, três adversários de primeira linha estão com seus times formados (Espanha, Alemanha e Holanda), enquanto Mano Menezes tem modificado a equipe convocação após convocação.
"Acho que tínhamos que fixar uma base. Toda hora estar mudando não é uma boa."
Para Zagallo, o fato de Mano ter pela frente, além da Copa, o desafio de conquistar a inédita medalha de ouro olímpica para o Brasil, em Londres-2012, não justifica tantos testes, pois deveria haver prioridade clara. "Temos que olhar para 2014. A Olimpíada não tem a importância de uma Copa do Mundo."
Na entrevista concedida em um salão social no condomínio em que mora, na Barra da Tijuca, Zagallo também defendeu a escalação de Ronaldinho no ataque (não na armação), teceu elogios a Hernanes, enalteceu Vanderlei Luxemburgo e avisou que, se a seleção precisar, larga a aposentadoria para ajudar.

 

Folha - Para a Copa-2014, qual a sua expectativa?
Zagallo - Eu estou acompanhando todos os jogos da seleção. Onde a seleção está, eu estou, pela televisão, observando, tendo os meus pontos de vista. E eu acho que nós estamos atrasados para a Copa do Mundo de 2014. Por que eu digo isso? Porque Espanha, Alemanha e Holanda já estão prontas, três candidatos estão prontos. Nós já convocamos 78 jogadores. Acho que nós tínhamos que fixar uma base na seleção. Pinga aqui, pinga acolá, não tem problema, mas a toda hora estar mudando eu acho que não é uma boa. Nós temos que olhar para a Copa de 2014. Quanto mais cedo você definir a seleção, é melhor para a seleção brasileira.

Ainda mais no Brasil...
Ainda mais aqui, que a responsabilidade é muito maior e nós temos que vencer. A palavra é essa: nós temos que vencer! Queiram ou não. Nós já perdemos uma aqui [em 1950, com derrota na final para o Uruguai], da segunda vez vai ter que ganhar.

Já era possível a seleção ter uma base formada?
Tempo nós já tivemos, mesmo que troque ali A por B. Por exemplo, o Marcelo [lateral do Real Madrid].
Para mim, deveria estar jogando desde a última Copa do Mundo. Mas cada cabeça é uma sentença. O Lúcio [zagueiro da Inter de Milão] estará com 37 [anos em 2014]. Vai trazer alguma coisa de útil com 37 anos [na verdade, 36] numa Copa do Mundo? Não. Tem que começar a botar os garotos pra começarem a pegar tarimba. Se vai ganhar ou perder, esse é o grande problema. Com medo de perder, [o técnico] começa a colocar jogadores que não vão participar da Copa. Está perdendo tempo.

Do jeito que está, é possível ter um temor em relação ao que vai acontecer?
É uma questão de modo de pensar. Por exemplo, o problema do Ronaldinho. Ele é um jogador que, no meu entender, só pode jogar na frente. Nesse último jogo [amistoso contra o México], jogou no meio-campo.
Digo e repito: ele não é jogador para jogar no meio-campo porque não tem as condições orgânicas para fazer a função do vaivém. Ele é um jogador de 30 metros, como ele jogou no Barcelona e como joga no Flamengo. Ali na frente, solto. Começou mal e agora está bem, nessa posição. Jogar por jogar no meio de campo é uma coisa. Para fazer a função de homem de meio de campo, precisa gás, não é só técnica e habilidade. Por que nós temos no atletismo atletas que correm 100 m, que correm 200 m? Bota eles para correr 1.500 m, 5.000 m, vamos ver aonde chegam. A lugar nenhum. O [Usain] Bolt, por exemplo. É recordista mundial dos 200 m e dos 100 m.
Manda ele correr 1.500 m para ver aonde vai chegar. Não tem capacidade. Tem poder de força, arranque, mas não é para correr uma maratona.
É a mesma coisa o jogador de futebol. O cara que joga no meio tem que fazer o vaivém, tem que jogar os 100 metros. Por isso que eu falo que o Ronaldinho não é jogador de meio de campo. Nós vamos perder se isso acontecer.

Há atualmente uma opção para fazer essa função de armar o time, com fôlego?
Esse é um problema do Mano Menezes. O Hernanes [da Lazio] é um jogador de meio-campo que joga fácil ali. Eu gosto dele. Ele vai e vem. Mas é a minha cabeça. Não quero dar nomes. Eu torço para o Mano, mas tenho meu ponto de vista. Se ele escuta, aí é um problema dele, ele é que é o técnico [da seleção]. Eu posso estar até errado, mas eu acho que nosso meio de campo não é o ideal ainda.

Quem são os melhores técnicos brasileiros em atividade?
Eu gosto mais do Vanderlei Luxemburgo. Ele se impõe mais. Não foi campeão do mundo, mas tem um currículo muito bom, a postura dele dentro de campo é veemente, sabe o que faz. E tem o Muricy [Ramalho], que não quis a seleção, não sei o porquê, teve o lado particular.

E os jogadores?
O Neymar, um jogador que tem muita coisa ainda para aprender, mas é o melhor jogador. Vou citar também o Marcelo, o lateral esquerdo, mais nenhum. Nós não temos ainda alguém nesta seleção para dizer "é ele", o Pelé, o Ronaldo Fenômeno. Estamos em formação.

Você gostaria de estar mais engajado na preparação da Copa no Brasil, nessa campanha brasileira?
Nunca me ofereci nem vou me oferecer. Quando eu fui para a seleção, eu fui chamado. Para exercer qualquer cargo, você tem que ser chamado. Ninguém me chamou, então não posso ser nada. Fico de fora, torcendo pela seleção brasileira, vendo todos os jogos, estou a par de tudo. Problema de saúde eu tive em 2005, hoje não tenho problema maior. Se quiserem, sou o Zagallo com a experiência que todo mundo sabe, não preciso falar mais nada.

Seu último time como treinador foi o Flamengo, em 2001. Não sente falta?
Eu tenho todas as condições. Tudo bem, estou com 80 anos. Para exercer a função no dia a dia, eu já não tenho mais vontade, porque a minha vida já foi muito sacrificada. Agora, a única coisa... Eu não quero me expor a nada, mas a responsabilidade de uma seleção é muito grande, e eu não tenho medo de responsabilidade, já foi mais do que demonstrado. Para que eu exerça alguma função dentro do campo, só com a seleção brasileira. Vão dizer: "Ele está se candidatando?". Não estou. Mas, pela "amarelinha", eu tenho condições de chegar e trabalhar.

Como treinador?
Como coordenador, funcionando junto com o treinador. Convocação, troca de ideias, o que eu fiz com o [Carlos Alberto] Parreira [para as Copas de 1994 e de 2006].
Eu estou no meu lugar, observando tudo. Eu saí em 2006 e não voltei mais. Mas, se eu tivesse que ficar nessa função, com a experiência que eu tenho, de sete Copas do Mundo, quatro vezes campeão do mundo, eu já estaria dentro desse barco que está rumando para a Copa de 2014.


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