|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FUTEBOL
Tentando sucesso em SP, técnico impõe disciplina aos santistas e dispara críticas a árbitros, imprensa e colegas
Leão busca a redenção entre atritos
RODRIGO BERTOLOTTO
enviado especial a Santos
Emerson Leão, de forma disciplinadora, comanda jogadores, mas
gostaria de fazer o mesmo com jornalistas. "Vamos lá, vamos trabalhar um pouco", anuncia diante de
câmeras e microfones.
Não podendo guiar a imprensa, o
técnico que tenta levar o Santos à
final do Brasileiro-98 não se inibe
em dizer que preferiria uma distância maior. "Eu não falo em treino secreto, falo em treino sem sapo
(repórter). O pior é que não tenho
nem muro alto para esconder."
No jogo de domingo contra o Corinthians, ele demarcou essa separação chutando microfones e empurrando câmeras quando se tentava captar suas já tradicionais reclamações contra a arbitragem.
Em entrevista, as farpas povoam
suas respostas. "A nova geração de
técnicos é mais afoita e mais participativa porque o futebol mudou.
Por exemplo, os atletas ficaram
mais altos. Antes, eram baixinho
como ele", fala, apontando um jornalista de pouca estatura.
Em seguida, diz que pretende ser
técnico por mais dez anos e depois
ter um cargo de dirigente esportivo. "Eu não quero ficar senil sendo
treinador. Pensei nisso durante a
Copa com o Zagallo. Nem ficar
gordo como ele", diz, batendo na
barriga de outro jornalista.
Mas a língua feroz, que lhe rendeu atritos na época de jogador,
também se volta contra ele. "Pensei que era inteligente, depois percebi que não era tanto assim. Dentro de um esporte coletivo, escolhi
a posição mais solitária, a de goleiro. Depois, decidi ser técnico, para
ter preocupações quase infinitas."
Aos 49 anos ("35 com carteira assinada pelo futebol"), Leão tenta a
consagração em seu Estado natal,
São Paulo, depois de vagar principalmente no futebol sulino, mineiro, nordestino e japonês.
O primeiro feito foi a conquista
da Copa Conmebol-98, torneio
sul-americano que ganhou também em 1997, com o Atlético-MG.
"Estou retomando minha posição dentro do meu Estado. Estava
ausente e quero ficar por aqui."
Essa redenção é crucial, pois ele
parece não ter digerido sua saída
do Palmeiras com a eliminação nas
quartas-de-final do Paulista-89,
após uma campanha invicta.
Leia abaixo trechos da entrevista
exclusiva dada ("Como eu vou saber que você é da Folha?") entre
um telefonema e outro para seu celular ("Alô...desse oba-oba estou
fora", fala a um diretor santista).
Folha - Com penalidades como
adiantar os treinos da manhã para
todo o time a cada atraso individual, você habituou os santistas à
pontualidade. Como você convive
com a fama de duro?
Emerson Leão - Sou exigente no
trabalho como todo chefe tem de
ser. Olha, jogador brasileiro gosta
de ter uma pessoa que oriente e
mande. Do contrário, ele vai reclamar que está fora de forma e culpar
a falta de treinamento.
Há clubes que dão multa individual pelo atraso. Isso é desagradável porque você avilta o salário de
um profissional, prejudicando um
parente que precisa do dinheiro
por um erro daquele cidadão.
Eu dou um corretivo, não uma
penalidade. Apesar do erro ser individual, você pode dar uma pena
coletiva para o efeito ser maior
(ontem, Leão e a diretoria santista
determinaram multa para o meia
Narciso pela expulsão contra o Corinthians -leia texto ao lado).
Folha - Com os jogadores, não
funciona ser um técnico bonzinho?
Leão - Ser bonzinho funciona
por 24 horas. O técnico tem de ser
honesto e ter bom senso para criar
critérios de comando. Sou a mesma pessoa dentro e fora do futebol.
Eu trabalho. E trabalho sério.
Existe jogador que tem que ser
amassado (no treino anterior à entrevista Leão expulsou por jogo
violento o zagueiro Argel -foi a
terceira vez que isso aconteceu).
Sei que é uma questão de comando, afinal, minha função é administrar condutas.
Folha - Você utiliza muito palavras como comando, liderança...
Leão - Sim, porque liderança você não compra. Você nasce com
ela, você desenvolve, procura usá-la. E todo o líder bate de frente com
muita gente. Mas o treinador não
pode se imaginar uma estrela, ele
sim deve formar estrelas. Eu não
compito com meus atletas.
Folha - Além da fama de disciplinador, você recebeu o rótulo de
treinador econômico, por se adaptar a clubes com baixo orçamento.
Isso facilita sua carreira?
Leão - Isso é verdade. Gosto do
essencial para uma comissão técnica: um preparador físico e um
preparador de goleiros. Aprendi
isso porque passei por clubes que
eram duros de grana. Mas, se um
dirigente me oferecer três estrelas,
eu vou escolher na hora.
O modelo atual, porém, tem de
ser enxuto. O Brasil está assim, o
risco do desemprego é para todos.
E o esporte está se deteriorando, e
ninguém está percebendo. A ilha
da fantasia está diminuindo. Entraram muitos coadjuvantes, e há
agora dez pessoas em um lugar em
que duas resolveriam (Leão substituiu no Santos Wanderley Luxemburgo, agora no Corinthians e na
seleção, que é adepto de comissões
técnicas grandes).
Folha - O futebol brasileiro, então, estaria inchado?
Leão - Sim, muito inchado. Isso
dá um fluxo financeiro muito perigoso. Os clubes estão gastando dinheiro desnecessário. É melhor
não contratar um jogador de nome
e manter os salários em dia.
Folha - Por esse motivo, você é
contrário à adoção de psicólogos
pelos clubes em que passa?
Leão - Se eu tiver um jogador-problema, ele vai ser tratado clinicamente fora do local de trabalho.
Aqui, o condutor sou eu. Dependendo do tamanho do ego, saberei
controlar. Se for um ego impossível de dominar, todo mundo vai
ter dificuldade.
Folha - Antes, a figura dos técnicos era a de um nervosismo contraído. Agora, eles só faltam entrar
no campo. Você, por exemplo, costuma gesticular com veemência ao
lado do gramado.
Leão - A nova geração de técnicos é mais afoita e mais participativa durante as partidas porque o futebol mudou. Acelerou.
Folha - É uma estratégia sua reclamar tanto dos árbitros porque a
torcida santista acredita que o time é sempre é prejudicado em decisões nacionais?
Leão - Não faço nada como estratégia, não são queixas constantes.
São observações verdadeiras. Prova disso é que só fui expulso três
vezes em 11 anos como técnico. O
fato de indicar erros auxilia as pessoas. O problema é que nunca tivemos uma arbitragem tão problemática. Até na Copa do Mundo os
juízes foram mal.
Folha - Falando em Copa, já se
imaginou no cargo de técnico da
seleção? É uma obsessão?
Leão - Não tenho tesão nenhum
de estar na seleção. Não é nem um
objetivo quanto menos uma obsessão. Obsessão é doença.
Folha - Como avalia seu passado
e seu futuro profissional?
Leão - Não pedi para ser atleta
profissional, aconteceu. Fui feliz e
não tenho saudade do que fui. Não
pedi para ser treinador, mas hoje
me identifico com a função. Eu não
quero ficar senil sendo treinador.
Dentro de dez anos, pretendo ser
um diretor executivo de um clube,
para diminuir os problemas que
jogadores e técnicos sofrem. Afinal, tenho experiência de 35 anos
de futebol. Só isso.
Folha - Você tem medo de ficar
desatualizado como técnico daqui
a dez anos? Muita gente acusou
Mario Zagallo de senilidade durante a última Copa do Mundo.
Leão - Sim, pensei no caso do Zagallo, mas pensei também no de
Rubens Minelli, que teve consciência da idade e, no final da carreira,
preparou seus sucessores.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|