São Paulo, terça, 8 de dezembro de 1998

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FUTEBOL
Tentando sucesso em SP, técnico impõe disciplina aos santistas e dispara críticas a árbitros, imprensa e colegas
Leão busca a redenção entre atritos

RODRIGO BERTOLOTTO
enviado especial a Santos

Emerson Leão, de forma disciplinadora, comanda jogadores, mas gostaria de fazer o mesmo com jornalistas. "Vamos lá, vamos trabalhar um pouco", anuncia diante de câmeras e microfones.
Não podendo guiar a imprensa, o técnico que tenta levar o Santos à final do Brasileiro-98 não se inibe em dizer que preferiria uma distância maior. "Eu não falo em treino secreto, falo em treino sem sapo (repórter). O pior é que não tenho nem muro alto para esconder."
No jogo de domingo contra o Corinthians, ele demarcou essa separação chutando microfones e empurrando câmeras quando se tentava captar suas já tradicionais reclamações contra a arbitragem.
Em entrevista, as farpas povoam suas respostas. "A nova geração de técnicos é mais afoita e mais participativa porque o futebol mudou. Por exemplo, os atletas ficaram mais altos. Antes, eram baixinho como ele", fala, apontando um jornalista de pouca estatura.
Em seguida, diz que pretende ser técnico por mais dez anos e depois ter um cargo de dirigente esportivo. "Eu não quero ficar senil sendo treinador. Pensei nisso durante a Copa com o Zagallo. Nem ficar gordo como ele", diz, batendo na barriga de outro jornalista.
Mas a língua feroz, que lhe rendeu atritos na época de jogador, também se volta contra ele. "Pensei que era inteligente, depois percebi que não era tanto assim. Dentro de um esporte coletivo, escolhi a posição mais solitária, a de goleiro. Depois, decidi ser técnico, para ter preocupações quase infinitas."
Aos 49 anos ("35 com carteira assinada pelo futebol"), Leão tenta a consagração em seu Estado natal, São Paulo, depois de vagar principalmente no futebol sulino, mineiro, nordestino e japonês.
O primeiro feito foi a conquista da Copa Conmebol-98, torneio sul-americano que ganhou também em 1997, com o Atlético-MG.
"Estou retomando minha posição dentro do meu Estado. Estava ausente e quero ficar por aqui."
Essa redenção é crucial, pois ele parece não ter digerido sua saída do Palmeiras com a eliminação nas quartas-de-final do Paulista-89, após uma campanha invicta.
Leia abaixo trechos da entrevista exclusiva dada ("Como eu vou saber que você é da Folha?") entre um telefonema e outro para seu celular ("Alô...desse oba-oba estou fora", fala a um diretor santista).
Folha - Com penalidades como adiantar os treinos da manhã para todo o time a cada atraso individual, você habituou os santistas à pontualidade. Como você convive com a fama de duro?
Emerson Leão -
Sou exigente no trabalho como todo chefe tem de ser. Olha, jogador brasileiro gosta de ter uma pessoa que oriente e mande. Do contrário, ele vai reclamar que está fora de forma e culpar a falta de treinamento.
Há clubes que dão multa individual pelo atraso. Isso é desagradável porque você avilta o salário de um profissional, prejudicando um parente que precisa do dinheiro por um erro daquele cidadão.
Eu dou um corretivo, não uma penalidade. Apesar do erro ser individual, você pode dar uma pena coletiva para o efeito ser maior (ontem, Leão e a diretoria santista determinaram multa para o meia Narciso pela expulsão contra o Corinthians -leia texto ao lado).
Folha - Com os jogadores, não funciona ser um técnico bonzinho?
Leão -
Ser bonzinho funciona por 24 horas. O técnico tem de ser honesto e ter bom senso para criar critérios de comando. Sou a mesma pessoa dentro e fora do futebol. Eu trabalho. E trabalho sério.
Existe jogador que tem que ser amassado (no treino anterior à entrevista Leão expulsou por jogo violento o zagueiro Argel -foi a terceira vez que isso aconteceu). Sei que é uma questão de comando, afinal, minha função é administrar condutas.
Folha - Você utiliza muito palavras como comando, liderança...
Leão -
Sim, porque liderança você não compra. Você nasce com ela, você desenvolve, procura usá-la. E todo o líder bate de frente com muita gente. Mas o treinador não pode se imaginar uma estrela, ele sim deve formar estrelas. Eu não compito com meus atletas.
Folha - Além da fama de disciplinador, você recebeu o rótulo de treinador econômico, por se adaptar a clubes com baixo orçamento. Isso facilita sua carreira?
Leão -
Isso é verdade. Gosto do essencial para uma comissão técnica: um preparador físico e um preparador de goleiros. Aprendi isso porque passei por clubes que eram duros de grana. Mas, se um dirigente me oferecer três estrelas, eu vou escolher na hora.
O modelo atual, porém, tem de ser enxuto. O Brasil está assim, o risco do desemprego é para todos. E o esporte está se deteriorando, e ninguém está percebendo. A ilha da fantasia está diminuindo. Entraram muitos coadjuvantes, e há agora dez pessoas em um lugar em que duas resolveriam (Leão substituiu no Santos Wanderley Luxemburgo, agora no Corinthians e na seleção, que é adepto de comissões técnicas grandes).
Folha - O futebol brasileiro, então, estaria inchado?
Leão -
Sim, muito inchado. Isso dá um fluxo financeiro muito perigoso. Os clubes estão gastando dinheiro desnecessário. É melhor não contratar um jogador de nome e manter os salários em dia.
Folha - Por esse motivo, você é contrário à adoção de psicólogos pelos clubes em que passa?
Leão -
Se eu tiver um jogador-problema, ele vai ser tratado clinicamente fora do local de trabalho. Aqui, o condutor sou eu. Dependendo do tamanho do ego, saberei controlar. Se for um ego impossível de dominar, todo mundo vai ter dificuldade.
Folha - Antes, a figura dos técnicos era a de um nervosismo contraído. Agora, eles só faltam entrar no campo. Você, por exemplo, costuma gesticular com veemência ao lado do gramado.
Leão -
A nova geração de técnicos é mais afoita e mais participativa durante as partidas porque o futebol mudou. Acelerou.
Folha - É uma estratégia sua reclamar tanto dos árbitros porque a torcida santista acredita que o time é sempre é prejudicado em decisões nacionais?
Leão -
Não faço nada como estratégia, não são queixas constantes. São observações verdadeiras. Prova disso é que só fui expulso três vezes em 11 anos como técnico. O fato de indicar erros auxilia as pessoas. O problema é que nunca tivemos uma arbitragem tão problemática. Até na Copa do Mundo os juízes foram mal.
Folha - Falando em Copa, já se imaginou no cargo de técnico da seleção? É uma obsessão?
Leão -
Não tenho tesão nenhum de estar na seleção. Não é nem um objetivo quanto menos uma obsessão. Obsessão é doença.
Folha - Como avalia seu passado e seu futuro profissional?
Leão -
Não pedi para ser atleta profissional, aconteceu. Fui feliz e não tenho saudade do que fui. Não pedi para ser treinador, mas hoje me identifico com a função. Eu não quero ficar senil sendo treinador.
Dentro de dez anos, pretendo ser um diretor executivo de um clube, para diminuir os problemas que jogadores e técnicos sofrem. Afinal, tenho experiência de 35 anos de futebol. Só isso.
Folha - Você tem medo de ficar desatualizado como técnico daqui a dez anos? Muita gente acusou Mario Zagallo de senilidade durante a última Copa do Mundo.
Leão -
Sim, pensei no caso do Zagallo, mas pensei também no de Rubens Minelli, que teve consciência da idade e, no final da carreira, preparou seus sucessores.



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