São Paulo, quarta-feira, 09 de janeiro de 2008

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TOSTÃO

Fábrica de jogadores


A produção de atletas em série no Brasil é cada vez maior, mais lucrativa e com mais pessoas envolvidas


NO PASSADO , os meninos aprendiam a jogar nas ruas, brincando, sem regras e sem professores. Começavam com uma bola de meia, passavam para uma de borracha e, por fim, a sonhada bola de couro. Aos poucos, adquiriam intimidade e descobriam os segredos da bola.
Segundo estudos científicos, essa é a melhor época para a descoberta da criatividade.
Depois, os meninos formavam times uniformizados, calçavam chuteiras, passavam a jogar em campos do tamanho ou próximo do oficial, escolhiam as posições e conheciam a alegria de uma vitória e a tristeza de uma derrota.
Mais ou menos aos 14 anos, os que se destacavam eram indicados para fazer testes nas categorias de base dos clubes profissionais. Os aprovados aprendiam a importância da preparação física, do futebol coletivo e da técnica.
Para esse aprendizado, é essencial dar uma boa orientação. Não basta treinar bastante. É preciso ensinar. Poucos sabem.
Com o passar do tempo, aconteceu uma evolução científica nos treinamentos, na preparação física e em muitas outras coisas. Mas houve também uma inversão negativa no aprendizado. Os meninos vão para as escolinhas muito cedo, aprendem as regras, a tática e a executar os fundamentos técnicos antes de desenvolver a habilidade e a criatividade e de terem uma boa coordenação motora.
A habilidade e a criatividade podem ser aprimoradas, mas não se aprendem na vida adulta. Esse é talvez um dos motivos de haver hoje menor número de craques e mais jogadores técnicos que habilidosos e criativos.
Como o Brasil se tornou um grande exportador e é mais fácil aprender a técnica, desenvolveu-se no país uma grande indústria de produção em massa de atletas.
Cada dia mais empresários investem nesse negócio. Eles e milhares de desempregados, que passaram a trabalhar nas escolinhas ou como intermediários dos investidores. Formou-se uma cadeia de produção que exporta jogadores para os grandes clubes da Europa e para times da terceira divisão da Ucrânia.
O Brasil exporta cada vez mais pela enorme expansão da produção, e não pelo aumento da qualidade técnica. Além disso, por causa do câmbio e da euforia pelo consumo, aumentou a importação de jogadores dos países sul-americanos e de brasileiros que estavam no exterior. O negócio futebol só cresce.
Em algumas escolinhas pobres e desestruturadas, muitos garotos deixam de estudar, ficam longe de suas famílias, não têm lições de cidadania e passam a morar em lugares desumanos, como mostrou uma ótima reportagem do Sportv.
Os treinadores, influenciados pelos dirigentes e empresários, são integrantes importantes desse negócio. Para aumentar a produção é muito mais fácil fabricar jogadores altos, fortes e disciplinados. O futuro disso é cada vez mais um futebol burocrático e sombrio.
O sonho de muitos investidores é produzir jogadores como se faz em uma fábrica de parafusos. Ainda bem que existem os inconformados, os transgressores e os craques, que fogem dessa produção em série e jogam um futebol bonito, imprevisível e eficiente.


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