São Paulo, sexta-feira, 09 de junho de 2000


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A jornada do herói

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Li há pouco tempo um livro chamado "A Jornada do Escritor" (de Christopher Vogler, editora Ampersand) que fala da estrutura dos contos populares. Segundo Vogler, as narrativas passam obrigatoriamente por certas etapas, seja esta narrativa um clássico da literatura ou um filme de entretenimento.
Porém, depois de ver o duelo entre Corinthians e Palmeiras, acho que essas etapas não se aplicam só ao cinema e à literatura, mas também ao futebol. Passo a passo, o time alviverde viveu praticamente todas as fases do que o antropólogo Joseph Campbell chamou de a jornada do herói.
Vejamos:
1) O mundo comum: toda história começa com a apresentação de um mundo no qual o herói vive em paz e do qual não quer sair. Luke Skywalker, em "Guerra nas Estrelas", vivia numa comunidade perfeita e só sairia dali se algo de muito importante acontecesse. O Palmeiras também: vivia a opulência da era Parmalat; era um time forte e temido. Nada o abalava.
2) Chamado à aventura: mostrada essa tranquilidade, acontece algo que altera a ordem do mundo comum e chama o herói a agir. Em "Titanic", isso ocorre quando Kate Winslet conhece Leonardo DiCaprio: a disciplina de sua vida sofre um choque e ela se vê obrigada a lutar pela felicidade. No Palestra Itália, o chamado à aventura veio após a virtual saída da Parmalat. O time teria que lutar, mas sem os recursos de antes.
3) Encontro com o mentor: inicialmente o herói não quer saber de confusão, mas, no contato com um amigo mais sábio, o mentor percebe que pode ir além do que julgava que fosse capaz. Pensemos em Romeu e Julieta: os dois estão desesperados e sem saber o que fazer, mas o sábio Frei Lourenço elabora um plano e dá sentido, ordem e estratégia para o problema. O mentor alviverde foi, é claro, Felipão. Ele fez um time médio render muito além da sua força e levou-o até onde ninguém acreditava.
4) Travessia do primeiro limiar: o herói então é testado e, com esforço, supera um primeiro obstáculo. No "Grande Sertão", Riobaldo luta para assumir o comando do grupo e prova diante de todo o bando a sua força. O primeiro limiar palestrino foi o Rio-São Paulo, quando o desacreditado Exército de Brancaleone conquistou o título diante do Vasco e mostrou que não iria ser motivo de piada, como alguns diziam.
5) Testes, aliados e inimigos: o herói continua a caminhada e faz contato com pessoas. Em "Central do Brasil", a dupla Dora-Josué trava contato com personagens da estrada e aprende coisas antes de chegar ao seu destino. No caso palestrino, os aliados foram aqueles jogadores que ou assumiram a liderança do time (Júnior, Alex), ou cresceram (Euller), ou superaram traumas (Marcos). Os testes foram os Atlas da vida, e o inimigo, obviamente, o rico e poderoso Corinthians.
6) Aproximação da Caverna Oculta: nesta etapa, o herói sofre golpes e é tentado a desistir. No Novo Testamento é o momento em que Jesus, um dia antes de começar o seu martírio, diz: "Pai, afasta de mim este cálice". Para o Palmeiras, esse mergulho no pesadelo veio após as derrotas nos últimos minutos para o próprio Corinthians e para o Santos. O desânimo tomou conta da torcida, e poucos, bem poucos, acreditaram na sua redenção.
7) Provação Suprema: essa é a fase da luta contra o grande inimigo. Sempre é uma batalha dura e renhida, como a dos robôs no filme "O Exterminador do Futuro 2". Também no jogo, ela só se decidiu no último lance, quando o símbolo maior do inimigo, Marcelinho, foi vencido pelo guardião Marcos.
8) As últimas fases: a Recompensa (o troféu da Libertadores), o Caminho de Volta (o glorioso retorno de Tóquio) e o Retorno com o Elixir (o título sul-americano, que permitirá ao Palmeiras tentar ser campeão mundial) são os passos finais da narrativa. Se tudo der certo, o Palmeiras terá vivido, do princípio ao fim, uma história perfeita. Se não, será como muitos livros ou filmes que começam bem, têm bom desenvolvimento, mas derrapam no final.
Toc, toc, toc.
E-mail torero@uol.com.br


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