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ARTIGO
Drama e heroísmo
Eu assisti a sete finais de Copa, e cada uma ofereceu momentos peculiares
HENRY A. KISSINGER
A
ALEMANHA dará início
hoje a um mês de frenesi futebolístico ao disputar, contra a Costa Rica, a
partida de abertura da Copa do
Mundo de 2006.
Bilhões de pessoas em todo o
mundo não despregarão os
olhos de suas TVs, dia e noite;
milhões delas descobrirão maneiras de suspender seu trabalho pelo tempo suficiente de assistir pelo menos a algumas das
64 partidas. O moral nacional
dos vencedores e dos derrotados será afetado.
Eu serei um desses telespectadores, e organizei minha
agenda de modo a acomodar as
necessidades futebolísticas. A
maioria dos torcedores encontraria dificuldade para explicar
o que exatamente os encanta
tanto no futebol. Provavelmente mencionariam a adesão apaixonada ao seu time favorito,
uma paixão que, nos Estados
Unidos, só é compartilhada pelos mais fervorosos entusiastas
de times de futebol americano.
Cresci em Fürth, uma pequena cidade no sul da Alemanha,
onde o futebol era tão importante quanto o futebol americano é em Green Bay, Wisconsin. O time local venceu a Copa
da Alemanha três vezes, quando eu era menino.
Já deixei de viver na Alemanha há muito mais décadas do
que gostaria de admitir, mas
continuo a acompanhar as fortunas da equipe, que na era dos
altos salários se viu relegada à
segunda divisão.
Fürth às vezes parece destinada a voltar à primeira divisão, mas sempre consegue fracassar no momento decisivo, o
que garante a mistura de miséria e esperança que caracteriza
a vida dos viciados em futebol.
As emoções evocadas pelos
times se comparam àquelas
que as seleções nacionais causam da mesma maneira que um
riacho bravio se compara às cataratas de Niágara. Os times jogam pelo menos uma vez por
semana, entre agosto e junho.
As seleções disputam uma fração desse número de partidas a
cada ano, e o maior dos prêmios
só entra em jogo a cada quatro
anos. Não existe margem de erro para adiar a paixão.
Eu assisti a sete finais de Copa do Mundo. Cada uma ofereceu momentos dramáticos
muito peculiares.
Minha primeira experiência
aconteceu em 1970, na Cidade
do México, onde fui apresentado ao estilo exuberante do futebol brasileiro. Liderada pelo incomparável Pelé e composta
por um elenco de virtuoses, a
seleção brasileira massacrou a
Itália por 4 a 1.
Embora o ataque tenha
triunfado em 1970, em 1974
uma alteração inesperada de
ênfase ajudou a reverter a situação na final disputada entre
Holanda e Alemanha. A seleção
holandesa era elegante e pensava no ataque, inspirada por
um dos grandes jogadores da
história, Johan Cruyff.
Um pênalti deu a vantagem
aos holandeses no primeiro minuto. Os alemães, jogando em
casa e comandados por Beckenbauer, passaram a atacar
insistentemente, com o apoio
de uma torcida frenética. Isso
lhes rendeu a virada, 2 a 1, que
sustentaram até o final.
Em 1978, a Holanda se viu
uma vez mais diante de uma
torcida fervorosa, em Buenos
Aires. Os holandeses no último
minuto empataram o jogo contra uma seleção argentina que
jogava com ousadia brasileira e
instinto matador europeu.
Mas, como acontecera quatro anos antes, eles foram derrotados na prorrogação. A vitória propiciou uma pausa na violenta repressão que afligia a Argentina. Por 48 horas, Buenos
Aires celebrou com abandono
descontrolado.
Em 1982, o drama aconteceu
antes da final, quando a Itália
derrotou a mais vistosa de todas as seleções brasileiras,
usando seus mortíferos contra-ataques para explorar a irresponsabilidade dos brasileiros.
Não pude comparecer à final
de 1986. Em 1990, em um jogo
muito tático e defensivo, assisti
a uma vitória da sistemática seleção alemã contra um time argentino que substituiu a habitual destreza de seus futebolistas pelo jogo duro.
Para mim, a final mais decepcionante foi a da Copa de 1994.
Como presidente honorário do
Comitê Organizador, minha esperança era de um jogo de muitos gols, que fizesse pelo futebol nos EUA o que a partida entre Giants e Colts fez em 1958
para despertar o interesse pelo
futebol americano profissional.
Infelizmente, o jogo terminou
decidido nos pênaltis, depois
de 120 minutos de manobras
táticas que resultaram em gol
nenhum.
A final de 1998 apresentou
um mistério. Uma elegante seleção francesa derrotou o Brasil, que, depois de vitória brilhante sobre a Holanda nas semifinais, caiu em inexplicável
letargia na partida decisiva.
No total, das sete finais a que
assisti, vi Brasil, Itália e Alemanha três vezes, e Holanda e Argentina, duas. A posição restante coube à França.
Será que este grupo de elite
será ampliado na Copa da Alemanha? É difícil prever. Os
EUA enfrentarão um difícil
grupo inicial e, para chegar às
oitavas, terão de superar pelo
menos uma potência européia,
Itália ou República Tcheca.
A Inglaterra dispõe de jogadores com qualidade suficiente
para se destacar. Nas eliminatórias, a Argentina venceu mais
jogos do que qualquer outro
país, incluindo o Brasil, mas sua
compostura nem sempre iguala seu talento. A Itália parecia
esmagadora ao derrotar a Alemanha meses atrás e pode
avançar, a não ser que o escândalo de arbitragem que abalou
o futebol do país a prejudique.
O time alemão é um enigma.
O novo técnico é brilhante e inventivo, e o apoio da torcida é
apaixonado. Mas, nos amistosos, a equipe encontrou problemas contra oponentes fortes.
Talvez seja este o ano em que
as seleções africanas emergirão; seu brilhantismo técnico
até agora vem sendo prejudicado pela falta de experiência internacional. Na Copa passada,
duas equipes asiáticas -Coréia
do Sul e Japão- mostraram
grande progresso. O presente
torneio servirá para mostrar
que proporção desse avanço se
deve a terem jogado em casa.
E há sempre o Brasil, que garante diversão e torcedores
exuberantes. Saberemos a resposta em 9 de julho. Enquanto
isso, os 64 jogos em um mês
bastam para saciar a sede dos
mais frenéticos torcedores, entre os quais me incluo.
Tradução de Paulo Migliacci
HENRY A. KISSINGER , 83, foi secretário de
Estado dos EUA entre 1973 e 1977 e ganhou
o Nobel da Paz em 1973
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