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Clóvis Rossi
As cores da França
A PREFEITURA de
Lyon retirou o telão
que colocara em
frente a sua sede para que o
pessoal visse os jogos da
Copa. Motivo: na noite da
partida contra Portugal,
um grupo de torcedores arriou a bandeira da França e
a substituiu pela da Argélia
(país que tem importante
comunidade no país).
É a expressão concreta,
física, de que a França parte para a final de hoje, contra a Itália, sem as ilusões
criadas pelo triunfo de
1998. Ou, mais exatamente,
é o reconhecimento de que
o país tem uma imensa dificuldade para lidar com
suas cores, por mais que a
seleção possa continuar
sendo chamada, como a de
98, de "blanc/black/beur"
(branca, negra e árabe).
Dos lados principais pelos quais se pode analisar,
há coincidência no reconhecimento. Pelo lado dos
que criticam os imigrantes,
o filósofo Alain Finkielkraut diz ao jornal "Le Figaro": "É preciso não confundir a identificação a um
time de futebol com a adesão a uma cultura, a uma
língua e a seus valores".
Posto de outra forma,
uma parte, pelo menos, dos
imigrantes não assimilou a
cultura e a língua francesa.
Na outra, diz à Folha
Frédéric Bolotny, economista do Centro de Direito e de Economia do Esporte: "O esporte deve ser
um exemplo, mas, se não
há política social de inclusão, fica tudo na mesma".
Posto de outra forma, a
culpa é das autoridades,
que não fazem o suficiente para que todas as cores
da França se sintam verdadeiramente em casa.
Tenha razão quem tiver,
o fato é que as comemorações nas cidades francesas
têm tido um caráter agressivo, violento. "Na França
de 2006, não há mais festa
sem quebra-quebra", resume o "Figaro".
O problema é que há
quebra-quebra também
longe dos dias de festa: em
uma noite "normal", são
queimados entre 50 e 60
carros, nos "banlieues"
(subúrbios) mais perigosos. Na noite "anormal"
da festa pela vitória contra
Portugal, foram 135, ou
pouco mais que o dobro.
Por isso, os franceses sabem que toda a festa que
haverá na noite de amanhã, se a França ganhar,
durará horas, mas, no dia
seguinte, o país terá que
continuar a difícil tarefa
de promover a convivência entre suas cores, alcançada nos gramados,
mas não na vida real.
"Não estamos mais no
mito de 1998", resume
Bolotny.
crossi@uol.com.br
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