São Paulo, domingo, 09 de julho de 2006

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Clóvis Rossi

As cores da França

A PREFEITURA de Lyon retirou o telão que colocara em frente a sua sede para que o pessoal visse os jogos da Copa. Motivo: na noite da partida contra Portugal, um grupo de torcedores arriou a bandeira da França e a substituiu pela da Argélia (país que tem importante comunidade no país).
É a expressão concreta, física, de que a França parte para a final de hoje, contra a Itália, sem as ilusões criadas pelo triunfo de 1998. Ou, mais exatamente, é o reconhecimento de que o país tem uma imensa dificuldade para lidar com suas cores, por mais que a seleção possa continuar sendo chamada, como a de 98, de "blanc/black/beur" (branca, negra e árabe).
Dos lados principais pelos quais se pode analisar, há coincidência no reconhecimento. Pelo lado dos que criticam os imigrantes, o filósofo Alain Finkielkraut diz ao jornal "Le Figaro": "É preciso não confundir a identificação a um time de futebol com a adesão a uma cultura, a uma língua e a seus valores".
Posto de outra forma, uma parte, pelo menos, dos imigrantes não assimilou a cultura e a língua francesa.
Na outra, diz à Folha Frédéric Bolotny, economista do Centro de Direito e de Economia do Esporte: "O esporte deve ser um exemplo, mas, se não há política social de inclusão, fica tudo na mesma".
Posto de outra forma, a culpa é das autoridades, que não fazem o suficiente para que todas as cores da França se sintam verdadeiramente em casa.
Tenha razão quem tiver, o fato é que as comemorações nas cidades francesas têm tido um caráter agressivo, violento. "Na França de 2006, não há mais festa sem quebra-quebra", resume o "Figaro".
O problema é que há quebra-quebra também longe dos dias de festa: em uma noite "normal", são queimados entre 50 e 60 carros, nos "banlieues" (subúrbios) mais perigosos. Na noite "anormal" da festa pela vitória contra Portugal, foram 135, ou pouco mais que o dobro.
Por isso, os franceses sabem que toda a festa que haverá na noite de amanhã, se a França ganhar, durará horas, mas, no dia seguinte, o país terá que continuar a difícil tarefa de promover a convivência entre suas cores, alcançada nos gramados, mas não na vida real. "Não estamos mais no mito de 1998", resume Bolotny.


crossi@uol.com.br

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