São Paulo, sábado, 09 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FUTEBOL

O direito à preguiça

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"Sejamos preguiçosos em tudo, exceto em amar e em beber, exceto em sermos preguiçosos."
A frase do dramaturgo alemão Gotthold Ephraim Lessing, usada como epígrafe por Paul Lafargue em seu "O Direito à Preguiça" (1880), me veio à lembrança quando li que Parreira chamou de preguiçosos os astros do ataque da seleção brasileira.
A tese do socialista Lafargue, político e escritor francês, era a de que a burguesia, depois de "glorificar a carne e suas paixões" no período em que lutava contra a nobreza e o clero católico, passou a sacralizar o trabalho para explorar melhor os assalariados.
Filho de um mulato e uma caribenha, Lafargue era genro de Karl Marx, que, segundo consta, teria lhe dado uma bronca a propósito de "O Direito à Preguiça": "Ora, eu passo a vida quebrando a cabeça e escrevendo sobre o valor do trabalho e você vem me falar de preguiça?".
Mas a idéia de Lafargue fazia sentido -e nem era assim tão diferente das teses do sogro ilustre. Segundo ele, a sociedade socialista deveria caminhar para uma diminuição gradual da jornada de trabalho, permitindo aos indivíduos o uso criativo e prazeroso de um tempo livre cada vez maior.
Mais de um século depois, a situação dos trabalhadores mudou bastante. Com o desemprego sistemático produzido pela nova economia global, ter um trabalho hoje, por pior que ele seja, é considerado quase sempre um privilégio. O direito à preguiça só existe para uma ínfima minoria de felizardos. Entre estes, é forçoso reconhecer, estão os "preguiçosos" de Parreira: Ronaldo, Kaká e Ronaldinho.
Ora, os três estão na lista dos finalistas ao título de melhor futebolista do ano, divulgada nesta semana pela Fifa.
Estão entre os mais famosos e bem pagos esportistas do mundo.
Eles sabem que seu lugar na seleção não está ameaçado. E sabem também que hoje terão pela frente uma equipe muito fraca, que em 15 jogos contra o Brasil perdeu simplesmente todos.
Querer que eles treinassem com afinco no frio de Teresópolis, expondo suas canelas de ouro à sanha dos reservas sedentos de lugar no time, seria querer demais.
Cabe saber se logo mais, à noite, no calor de Maracaibo, eles estarão com mais vontade de jogar e mostrar serviço. Se estiverem, não vai ser a falta de empenho num coletivo de 50 minutos que atrapalhará seus planos. Se a preguiça persistir, será o caso de Parreira lançar mão de Alex, Luis Fabiano e Adriano para conseguir os gols e se impor como comandante.
Simples assim.
 
O Atlético-PR, líder do Brasileirão, foi dois times diversos anteontem em Caxias. No primeiro tempo, soube se defender e usar com perfeição sua melhor arma, o contra-ataque. No segundo, encolheu-se em seu campo e facilitou a bela reação do Juventude. Se souber aprender com os erros, será difícil derrubá-lo do topo.

Em cima do muro
Vou meter meu bedelho na discussão levantada ontem aqui por Mário Magalhães. No confronto Romário x Zico para saber quem foi o maior depois da era Pelé, fico radicalmente... em cima do muro. Não consigo ver um dos dois como superior ao outro. O que considero interessante é observar como os dois começaram com estilos até certo ponto semelhantes, com arrancadas em direção ao gol e um grande instinto finalizador, e depois evoluíram em sentidos opostos. Com o passar do tempo, Zico, mais sério e cerebral, foi recuando para uma posição de armador; já Romário, malandro e intuitivo, fixou-se cada vez mais dentro da área, diminuindo sua mobilidade e apurando seu senso de colocação. É pena que sejam desafetos. São gênios, cada um ao seu jeito.

E-mail jgcouto@uol.com.br


Texto Anterior: Motor - Fábio Seixas: Por Tutatis!
Próximo Texto: Hipismo: Doping de cavalo pode dar ouro a Pessoa
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.