São Paulo, domingo, 9 de novembro de 1997.



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Cama esconde troféu de Hitler

da Reportagem Local

A Copa do Mundo volta em 1998 à França após 60 anos. Da primeira vez, em 1938, a competição aconteceu na Europa convulsionada das vésperas da Segunda Guerra Mundial.
Quando o conflito começou, a primeira preocupação da Fifa foi proteger das pretensões de Adolf Hitler, líder nazista da Alemanha, de levar a Taça Fifa e a entidade máxima do futebol para Berlim.
O então presidente da Fifa, Jules Rimet, determinou a mudança de Paris (a capital francesa logo seria invadida por Hitler) para Zurique, na Suíça, nação neutra no conflito.
A taça ficou nas mãos de Ottorino Barassi, vice-presidente da Fifa e dirigente da federação da Itália, país que havia sido o último campeão mundial, em 1938.
Num primeiro momento, Barassi pôs a taça em um cofre de banco, mas, achando-o pouco seguro, levou para casa o troféu que seria definitivamente ganho pelo Brasil em 1970 com o tricampeonato.
Então, ele guardou a taça em uma caixa de sapato que escondia embaixo de seu leito.
A fixação do governo nazista pelos esportes não resistiu aos fracassos do futebol germânico nas Copas de 1934, 1938 e na Olimpíada de 1936 e acabou relegando a modalidade para um segundo plano.
Na Copa de 38, os alemães receberam o reforço dos jogadores da Áustria, país recém-anexado, mas, mesmo assim, saíram derrotados.
É justamente austríaco o caso mais trágico da relação entre futebol e guerra. O atacante Mathias Sindelar, considerado o melhor jogador austríaco de todos os tempos, se suicidou em 1939 desgostoso com a situação política do país.
Durante seu funeral, mais de 20 mil pessoas choraram e ventilaram o rumor que Sindelar teria morrido em um campo de concentração.
Por seu lado, a Inglaterra, berço do futebol moderno, sofreu para manter o esporte. Pelo menos 75 jogadores britânicos morreram em combate ou em decorrência de ferimentos sofridos no front.
"Em geral, os jogadores eram alistados como professores de educação física, por causa de seu bom preparo. Mas alguns foram para o front", diz Jack Rollin, 62, autor de "Soccer at War" ("Futebol na Guerra"), livro que consumiu dez anos de pesquisa.
Com falta de atletas e necessidade de divertir o povo, jogadores do Arsenal jogavam pelo Tottenham (dois rivais de Londres) e vice-versa para completar os times. "A possibilidade de trocas salvou o futebol inglês", afirma Rollin.
As duas equipes também chegaram a usar o mesmo estádio como refúgio dos que sofriam com a guerra. O do Arsenal foi usado como centro de defesa civil.
Outros foram destruídos por bombas alemãs, como o Old Trafford, a sede do Manchester United, que só reabriu em 1948, três anos após o fim da guerra.
Os soldados ingleses recrutavam os prisioneiros de guerra para serem seus rivais em partidas. Já os brasileiros, mais de 25 mil estiveram na Itália, costumavam disputar amistosos com equipes civis de cidades como Alessandria (norte).
Alguns jogos tinham cobertura de esquadrilhas de aviões, que não podiam se aproximar dos estádios. "Tínhamos de evitar qualquer aproximação dos aviões alemães. Mas o barulho de nossos bombardeiros poderia criar pânico no público, já que, de longe, poderiam pensar que era um avião inimigo."
A frase é do aviador brasileiro Alberto Martins Torres, 77, que cumpriu essa missão na guerra.



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