São Paulo, domingo, 10 de janeiro de 1999

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FUTEBOL
Jogador que protagonizou uma das maiores "zebras" das Copas, morto pela ditadura, é homenageado em selo
Haiti reconhece, agora, herói da Copa de 50

LUIZ CESAR PIMENTEL
da Reportagem Local

Na década de 40, o futebol fez Joseph Nicolas Gaetjens superar os problemas de ser imigrante nos EUA. Em 50, protagonizou uma das maiores zebras da história do futebol. Virou herói em seu país, o Haiti, onde acabou desaparecendo misteriosamente. Agora, Gaetjens será "reconhecido", com o lançamento de selos do governo local.
Segundo seu irmão, Jean Pierre, a homenagem a Joe, como era conhecido, tem uma conotação diferente: o reconhecimento como merecedor de figurar em estampas oficiais haitianas não veio só pela façanha na Copa, disputada no Brasil, mas como espécie de "confissão" do governo por sua morte.
Em 50, jogando pelos EUA, Joe marcou o gol de uma das maiores "zebras" da história das Copas, a vitória norte-americana sobre a Inglaterra, por 1 a 0. Na repercussão mundial da partida, Joe foi levado de carona.
Cerca de 14 anos depois, já de volta a seu país, foi preso durante o regime de François Duvalier, o "Papa Doc", e, segundo seu irmão, acabou morto em Fort Dimanche, campo de tortura à época.
No final de 98, Jean Pierre conseguiu que imagens daquela partida e da carreira do ex-atleta virassem selo nacional no Haiti.

Linha-dura
De família politizada, Joe era o menos predisposto a sofrer represálias durante a época em que o país foi governado pela família Duvalier, entre 57 e 86.
Em 71, François Duvalier foi sucedido pelo filho Jean-Claude, conhecido como "Baby Doc", e que daria sequência ao regime nos 15 anos seguintes.
"Joe era um herói, mas nossa família era conhecida por suas posições contrárias ao regime", diz Jean Pierre.
A mãe foi uma das fundadoras da "Liga Feminina de Ação Social", em 46. Em 56 e 57, manifestou apoio ao principal rival de Duvalier, Louis Dejoie.
Seu irmão mais velho, Gerard, era um dos advogados de Dejoie.
Joe era figura estranha nesse ambiente.
Em 1960, a família inteira deixou o Haiti. Ficaram apenas Joe e Mathilde, sua irmã mais nova. "Nós não sabemos até hoje as circunstâncias em que ele foi preso."

Fort Dimanche
Jean Pierre só voltou ao país em 86, quando "Baby Doc" foi deposto. Naquele ano, sugeriu à federação de futebol do Haiti que o torneio nacional levasse o nome "Copa Joe Gaetjens".
"Confidenciaram-me que o governo não faria algo que lembrasse ao povo uma pessoa que havia sido morta em Fort Dimanche", afirma.
"Nessa época, falei com um ex-senador que tinha encontrado Joe em Fort Dimanche, quando ambos foram presos. Após alguns dias, ele foi transferido de prisão, e, pouco depois, um dos guardas falou que ele era muito sortudo, pois no dia anterior todos os prisioneiros de Dimanche haviam sido mortos."
Segundo o ex-senador, o fato ocorrera em julho de 64.

Aprovação
No ano passado, Jean Pierre, que atualmente mora no Estado da Georgia, nos EUA, sugeriu ao Correio Haitiano a homenagem ao ex-futebolista. O assunto foi aprovado no final do ano passado pelo ministério que controla o correio.
Jean Pierre escreveu então uma petição para o Senado e outra para a Câmara dos Deputados.
Em maio, recebeu a aprovação do Senado. Cerca de três meses atrás, a Câmara aprovou seis imagens de Joe para figurarem como selos oficiais do governo haitiano.
"Além do reconhecimento oficial, é a única forma de eu manter a imagem de Joe e a desse período na mente do povo haitiano", acredita.
Os selos começarão a ser vendidos no país até março. Três estampas serão para uso local e três para uso internacional.



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