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Sempre contra a cartilha, atacante caiu ao duvidar da ética de Scolari
Por que Romário está fora da seleção
FÁBIO VICTOR
DA REPORTAGEM LOCAL
Maturada na cabeça de Luiz Felipe Scolari nos últimos sete meses, a decisão de não levar Romário à Copa do Mundo foi sacramentada quando o atacante do
Vasco pôs em dúvida a honestidade do treinador da seleção.
Em outubro do ano passado,
Romário era o destaque do Vasco
e caminhava para ser o artilheiro
do Campeonato Brasileiro, mas
não era chamado para os jogos da
seleção nas eliminatórias.
Irado, e sem o resguardo diplomático que depois veio a adotar, o
atacante afrontou Scolari. Em
uma entrevista à "IstoÉ", disse
que empresários e padrinhos ditavam as convocações da seleção.
"O que me convoca é o que eu
faço. Amanhã poderei falar para o
Romarinho: teu pai foi para a seleção porque era f..., e não por causa
de amizade. Porque tem um
monte aí que tem amigos, padrinhos, empresários", afirmou.
Questionado se havia mesmo
jogador apadrinhado na seleção,
não vacilou: "Claro que sim. Eu
conheço, e um monte. Que jogam
e jogaram. Mas a ética me impede
de dizer o nome".
Foi a gota d'água para o treinador, que já supunha ter motivos
suficientes para colocar Romário
na geladeira, riscá-lo de vez de seu
caderninho da Copa-2002.
Mais tarde, alertado por amigos
das consequências que a sua acusação poderia trazer, o atacante
tentou consertá-la, após vitória de
3 a 2 do Vasco sobre o São Paulo
em janeiro, acompanhada por
Scolari no estádio do Morumbi.
"Eu disse que durante muito
tempo as convocações aconteciam assim, por meio de padrinhos e empresários. E eu sei disso
porque sempre pertenci à seleção.
Agora, com o Felipão no comando, eu sei que isso não acontece
mais", disse Romário, que marcara dois gols naquela tarde.
Mas já não havia o que fazer. Na
cabeça de Scolari, o artilheiro vascaíno resolvera desafiá-lo meses
antes porque apostava em sua
queda. As sofríveis apresentações
da seleção nos primeiros jogos da
gestão do treinador gaúcho, aliadas à pressão popular por Romário, eram a base em que o jogador
se sustentava para confiar que o
técnico seria demitido rapidamente como seu antecessor, Leão.
Pelo menos era essa a certeza de
Scolari. "Apostou no cavalo errado", pensou o técnico quando teve convicção de que o seu lugar na
Copa estava garantido, após a vitória sobre a Venezuela. E repetia
para si mesmo a frase, uma espécie de bordão seu, toda vez que o
fantasma de Romário voltava a
assombrar a seleção.
A aeromoça
A declaração sobre os critérios
de convocação no time brasileiro
foi a pá de cal na pretensão de Romário em ir à Copa, mas sua situação começou a se complicar
bem antes, num Boeing-737 da
Varig, que conduziu a seleção a
Montevidéu para jogo contra o
Uruguai pelas eliminatórias.
Nas últimas fileiras da aeronave,
fretada pela CBF, o centroavante
conheceu a aeromoça. Conversaram sozinhos durante minutos e
depois voltaram a se encontrar no
barzinho do lobby do luxuoso hotel Sheraton, em Punta Carretas,
área nobre de Montevidéu.
A seleção chegou num sábado,
véspera do jogo, e o hotel era uma
algazarra só, com empresários de
futebol e convidados da AmBev
misturados sem cerimônia a jogadores e jornalistas.
Scolari já não gostou da recusa
de Romário em participar da entrevista concedida por todos os
outros atletas num salão do hotel,
mas engoliu sua desculpa, de que
já havia falado bastante em Teresópolis durante a preparação.
Ressabiado, o técnico recomendou que os atletas evitassem ir ao
lobby, principalmente à noite.
Pois foi à noite que Romário e a
aeromoça bateram um longo papo às vistas de todos -mas cuidaram de falar bem baixinho. Ele,
de shorts e camiseta. Ela, de jeans
justíssimo e camiseta.
Ninguém mais viu Romário.
No dia da partida, antes da preleção de Scolari no hotel -que,
como todas, dura 40 minutos e
trata de tática e motivação-, Romário chamou o técnico, disse
que não estava em boas condições
físicas e pediu para ser poupado
em pelo menos parte do jogo.
Scolari consultou preparador físico e médico da seleção, que disseram que o goleador treinara
bem toda a semana e não tinha
problemas. O pedido foi negado,
e o saldo negativo do atacante, aumentado. Mais ainda porque Romário, só de pirraça mantido em
campo nos 90 minutos na derrota
por 1 a 0 para os uruguaios, teve
atuação apagadíssima naquela
tarde/noite no Centenário.
Olho por olho
O buraco aumentou quando
veio a Copa América, em julho. A
guerra civil na Colômbia apavorou vários atletas. Coincidência
ou não, Romário pediu a Scolari
para não ir ao torneio, pois precisava fazer uma cirurgia nos olhos.
Não fez, e ainda foi com o Vasco
para uma excursão no México no
período da Copa América. Mas
não deixou de provocar Scolari:
"Se ele está irritado, certamente
não é comigo. Não estou descumprindo nada. Falei para ele do
meu problema no olho, mas não
marquei a data da cirurgia".
O Brasil foi eliminado por Honduras da Copa América. Scolari se
enfraquecia. Romário ficava cada
vez mais forte. As vitórias sobre
Paraguai, em Porto Alegre, e Chile, em Curitiba, nas eliminatórias,
não bastaram para aliviar a pressão sobre o técnico, pois a elas se
seguiram derrotas para Argentina
e Bolívia, respectivamente.
Ouvido de mercador
Foi quando a comissão técnica
entrou em cena. Numa conversa
em Teresópolis antes do jogo contra a Venezuela, o administrador
Mauro Félix e o coordenador Antônio Lopes sugeriram a Scolari a
convocação de Romário. O treinador, para não entrar em atrito
com profissionais impostos pela
CBF, disse que estudaria, mas já
resolvera não chamar o atacante.
Apesar da resistência de vários
jogadores a Romário, principalmente Roberto Carlos e Emerson,
não houve pacto entre o grupo e
Scolari para excluí-lo do Mundial.
Numa fase crítica das eliminatórias, após a derrota por 3 a 0 para
o Chile, quando o time era treinado por Luxemburgo, alguns atletas, encabeçados por Rivaldo,
chegaram a pedir ao técnico a
convocação de Romário -que
foi chamado no jogo seguinte.
A sugestão de Félix pesou contra ele mesmo, que, por essa e outras razões, foi demitido em fevereiro -mês em que Ricardo Teixeira se reuniu com Romário e
pediu a Scolari que chamasse o
atleta. O técnico de novo ignorou.
A menos que haja uma intervenção da CBF na comissão técnica, o que parece a essa altura impossível, Romário não vai à Copa.
Nem as desculpas públicas da
semana passada adiantaram. Na
convocação de ontem, o treinador comentou o ato: "Ele mostrou
mais uma vez a sua vontade de ir à
Copa do Mundo. Mas a vontade
não é única do Romário. É também de todos que estão fora. Quero dizer ao público que aqui tem
um técnico, que tem uma linha de
raciocínio e de trabalho e que vai
fazer de acordo com o que ele
achar melhor para o Brasil".
E Scolari acha melhor para o
Brasil Romário fora do Mundial.
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