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São Paulo, quinta-feira, 10 de julho de 2003

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FUTEBOL

Alex, Alex e Paulo

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

"E stou mandando este fax para pedir uma ajuda. Eu, Alex, 20 anos e meia-esquerda, o meu xará, Alex, 21 anos e volante, e o Paulo, meia-direita, estamos pedindo uma ajuda para realizarmos o nosso sonho, que é sermos jogadores de futebol. Já fizemos testes no Palmeiras, na Lusa e no Juventus. Por ironia do destino, não conseguimos um clube.
Esperamos ajuda -seja da senhora, seja de quem mais puder nos ajudar-, toda ajuda será bem-vinda com a graça de Deus.
A gente é de família humilde, tudo para nós é mais difícil. Às vezes, por sermos humildes, as pessoas não nos dão atenção nem mesmo uma chance. Então, Soninha, nós estamos pedindo uma ajuda. Se a senhora puder nos ajudar, nos arrumando um time, ou até mesmo uma peneira, a senhora sabe que, no futebol ou em qualquer outro esporte, é difícil para os humildes. Nós pedimos essa ajuda para você, que é do meio futebolístico. Ajude a gente a realizar um sonho e a dar uma vida digna às nossas famílias.
Se pudesse ajudar-nos, nós nem saberíamos como agradecer-lhe."
O quanto eles são humildes não sei. Se tentaram escrever de forma comovente ou se foram sinceros, se deram risada com a própria ousadia ou se precisaram tomar coragem até mandar o fax, isso eu nem imagino. Se são bons de bola? Não duvido. Que fique claro que também não duvido da humildade ou da coragem, só confesso que não sei nada sobre eles.
Mas costumo acreditar nas pessoas. Sou do tipo tido como "otário", que deixa a bolsa aberta sobre a mesa achando que ninguém vai mexer. Estou errada, eu sei. Mas só desconfio de quem dá motivos concretos para isso, como é o caso de parte bem conhecida de nossos dirigentes. Nos meninos, até prova em contrário, acredito.
E sofro com sua esperança. "A leve esperança,/ A aérea esperança/ Aérea, pois não!/ Peso mais pesado/ Não existe não./ Ah! Livrai-me dele,/ Senhor Capitão." ("Rondó do Capitão", Manuel Bandeira). Esperança pesa e dói; quantas vezes vale mesmo a pena que seja ela a última a morrer?
Milhares de meninos querem ser jogadores de futebol. Ganhando muito ou pouco, mas ganhando algo. Sonham com glória diante da torcida, casa para a mãe e carro novo. Às vezes, não conseguem nem fazer uma peneira.
Se alguém puder ajudar, tenho o telefone deles.
 
Tenho ainda o contato de uma moça absolutamente sem renda que tem outro sonho: um curso de operadora auxiliar de aparelho de raios X. Eu nem sabia que se podia sonhar com isso.
 
Já que o assunto degringolou de vez: um conhecido meu foi ao Hospital das Clínicas em maio de 2002. O médico pediu-lhe que se submetesse a um exame de ressonância magnética, que ele conseguiu marcar em outubro para fazer em janeiro e levar para o médico em março. Alguém aí falou em Estatuto-do-Torcedor-Usuário-da-Saúde-Pública? Socorro.

Selva
Semanas atrás, o empresário Wagner Ribeiro foi agredido no Canindé. De acordo com os agressores, ele teria aliciado garotos da Lusa. Digamos que tivesse -agressão também é crime... Mas conheço muita gente que deu risada, divertindo-se com a idéia de que "um empresário tomou um pau". Um torcedor do Palmeiras foi além: comemorou o fato, achando que outras torcidas deveriam fazer a mesma coisa para "salvar o futebol desses elementos inescrupulosos, oportunistas e mafiosos". É muita degeneração: neste país em que somos tão corruptos, alguns se concedem o direito de julgar, condenar e espancar um empresário para "salvar o futebol". Assim vai longe o dia em que seremos salvos.


E-mail
soninha.folha@uol.com.br



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