São Paulo, sábado, 10 de julho de 2004

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FUTEBOL

O cotovelo de Pelé

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Às vezes a gente não percebe, mas o futebol é um campo de educação moral, de formação e questionamento de valores.
Não me refiro ao tão comentado (e patrulhado) comportamento dos ídolos fora de campo. Não é nos hábitos noturnos de Vágner Love ou nos comerciais de cerveja de Ronaldo que estou interessado aqui, mas sim na dimensão simbólica que adquirem certos gestos realizados dentro do próprio jogo.
Os leitores talvez se lembrem daquele atacante inglês que confessou ao árbitro não ter sofrido o pênalti marcado por este. A atitude gerou uma acalorada discussão. Para uns, o tal inglês mostrou nobreza de caráter. Para outros (provavelmente a maioria), não passou de um otário.
Pois bem. Um desses gestos paradigmáticos, digno de um capítulo inteiro de um livro sobre ética e vida em sociedade, é a célebre cotovelada que Pelé desferiu num jogador uruguaio na semifinal da Copa do Mundo de 1970.
Cresci ouvindo comentários sobre o lance e aprendi que ele era a demonstração de que "Pelé não tinha nada de bobo", de que "o Rei também sabia dar".
Por extensão, o golpe real era elevado à categoria de símbolo da "malandragem" -ou "malícia"- brasileira.
Revi a jogada agora no filme "Pelé Eterno", no qual ela ganha um destaque maior que a maioria dos gols do jogador. Reitera-se no documentário a valoração positiva da cotovelada. O ex-craque Paulo César Caju chega a dizer: "Aquilo foi lindo", para deleite da platéia.
Talvez seja o peso dos meus 47 anos, mas o fato é que, revista na tela grande, a agressão ao jogador uruguaio me causou um certo incômodo. Comentando o filme comigo, o colega Fábio Victor, da Folha, também chamou a atenção para a ambigüidade do gesto e de seu significado.
Trocando em miúdos, a questão é a seguinte: que tipo de mensagem aquela cotovelada transmite? A de que é bacana usar a força bruta contra um desafeto, desde que se faça isso às escondidas da autoridade constituída?
Claro que sempre se poderá dizer, em defesa de Pelé, que ele havia sido agredido antes pelo uruguaio. Mas será que isso justifica a reação, da maneira solerte como se deu?
Nesse caso, se eu tomo uma fechada de um motorista, posso esperar a oportunidade para lhe dar uma porrada sem que um policial veja. E o que é pior: sem que o agredido possa reagir. (Pois não há dúvida de que, se o uruguaio revidasse, o juiz veria e o puniria.)
Já estou ouvindo alguns leitores me chamando de ingênuo, outros de moralista.
Haverá também os que considerem que o campo de futebol é um mundo à parte, regido por uma moralidade que não tem nada a ver com a da nossa vida de cada dia. Nesse caso, toda a argumentação desta coluna (e de outras que tenho escrito) iria para o lixo.
Em todo caso, pensar não custa nada. Como diz uma canção infantil alemã, "die Gedanken sind frei". Os pensamentos são livres -ou pelo menos deveriam ser.

Desmanche azul
Vários leitores me escreveram para lembrar que não é só de Alex que o Cruzeiro sente falta, mas de um punhado de atletas que deixaram o clube: Aristizábal, Gomes, Maicon, Cris etc. É verdade. Mineiramente, sem alarde, a diretoria desmanchou aquele que, até há poucos meses, era o melhor time do Brasil.

Voltas por cima
O que há em comum entre o líder Palmeiras e os quase lanternas Corinthians e Botafogo? Só uma coisa: na rodada de quarta-feira, os três jogaram com uma autoconfiança que há muito tempo não se via. A recuperação mais empolgante é a botafoguense. Vai ver que seus jogadores ganharam ânimo vendo o emocionante especial da ESPN Brasil sobre os gloriosos cem anos do clube.

E-mail: jgcouto@uol.com.br



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