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FUTEBOL
O cotovelo de Pelé
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Às vezes a gente não percebe,
mas o futebol é um campo de
educação moral, de formação e
questionamento de valores.
Não me refiro ao tão comentado (e patrulhado) comportamento dos ídolos fora de campo. Não é
nos hábitos noturnos de Vágner
Love ou nos comerciais de cerveja
de Ronaldo que estou interessado
aqui, mas sim na dimensão simbólica que adquirem certos gestos
realizados dentro do próprio jogo.
Os leitores talvez se lembrem
daquele atacante inglês que confessou ao árbitro não ter sofrido o
pênalti marcado por este. A atitude gerou uma acalorada discussão. Para uns, o tal inglês mostrou
nobreza de caráter. Para outros
(provavelmente a maioria), não
passou de um otário.
Pois bem. Um desses gestos paradigmáticos, digno de um capítulo inteiro de um livro sobre ética e vida em sociedade, é a célebre
cotovelada que Pelé desferiu num
jogador uruguaio na semifinal da
Copa do Mundo de 1970.
Cresci ouvindo comentários sobre o lance e aprendi que ele era a
demonstração de que "Pelé não
tinha nada de bobo", de que "o
Rei também sabia dar".
Por extensão, o golpe real era
elevado à categoria de símbolo da
"malandragem" -ou "malícia"- brasileira.
Revi a jogada agora no filme
"Pelé Eterno", no qual ela ganha
um destaque maior que a maioria dos gols do jogador. Reitera-se
no documentário a valoração positiva da cotovelada. O ex-craque
Paulo César Caju chega a dizer:
"Aquilo foi lindo", para deleite da
platéia.
Talvez seja o peso dos meus 47
anos, mas o fato é que, revista na
tela grande, a agressão ao jogador
uruguaio me causou um certo incômodo. Comentando o filme comigo, o colega Fábio Victor, da
Folha, também chamou a atenção para a ambigüidade do gesto
e de seu significado.
Trocando em miúdos, a questão
é a seguinte: que tipo de mensagem aquela cotovelada transmite? A de que é bacana usar a força
bruta contra um desafeto, desde
que se faça isso às escondidas da
autoridade constituída?
Claro que sempre se poderá dizer, em defesa de Pelé, que ele havia sido agredido antes pelo uruguaio. Mas será que isso justifica a
reação, da maneira solerte como
se deu?
Nesse caso, se eu tomo uma fechada de um motorista, posso esperar a oportunidade para lhe
dar uma porrada sem que um policial veja. E o que é pior: sem que
o agredido possa reagir. (Pois não
há dúvida de que, se o uruguaio
revidasse, o juiz veria e o puniria.)
Já estou ouvindo alguns leitores
me chamando de ingênuo, outros
de moralista.
Haverá também os que considerem que o campo de futebol é um
mundo à parte, regido por uma
moralidade que não tem nada a
ver com a da nossa vida de cada
dia. Nesse caso, toda a argumentação desta coluna (e de outras
que tenho escrito) iria para o lixo.
Em todo caso, pensar não custa
nada. Como diz uma canção infantil alemã, "die Gedanken sind
frei". Os pensamentos são livres
-ou pelo menos deveriam ser.
Desmanche azul
Vários leitores me escreveram
para lembrar que não é só de
Alex que o Cruzeiro sente falta,
mas de um punhado de atletas
que deixaram o clube: Aristizábal, Gomes, Maicon, Cris etc. É
verdade. Mineiramente, sem
alarde, a diretoria desmanchou
aquele que, até há poucos meses, era o melhor time do Brasil.
Voltas por cima
O que há em comum entre o líder Palmeiras e os quase lanternas Corinthians e Botafogo? Só
uma coisa: na rodada de quarta-feira, os três jogaram com
uma autoconfiança que há
muito tempo não se via. A recuperação mais empolgante é a
botafoguense. Vai ver que seus
jogadores ganharam ânimo
vendo o emocionante especial
da ESPN Brasil sobre os gloriosos cem anos do clube.
E-mail: jgcouto@uol.com.br
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