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A "masterpiece" romariana
MATINAS SUZUKI JR.
da Equipe de Articulistas
Um pouco ressabiado por estar voltando ao habitat natural
do bordão meus amigos, meus
inimigos, chego em dias nos
quais a alma encantadora das
esquinas e dos botecos, como
diria feliz o velho cronista carioca, está boquiaberta, pasma,
babando na gravata pelo gol de
Romário no Pacaembu.
Se este matutino bom de briga fosse a revista ""The New
Yorker", o gol de Romário estaria na seção ""The Talk of the
Town". Só se fala em outra coisa, como brinca um amigo.
Cada um descreve o gol a sua
maneira, espichando este ou
aquele detalhe, alguns assombrando-se muito mais com o
efeito (a quebra da espinha do
Amaral) do que com a causa.
Os não-corintianos, com indisfarçável sabor de felicidade
nesses dias tristes do país, deliciam-se com a sensação de que
estão indo à forra contra o
campeão brasileiro.
Os corintianos com reverência (a saudação a Romário pela
torcida corintiana deveria entrar para a história como entrou a vaia a Julinho no Maracanã. Os torcedores corintianos, contra o mesmo Flamengo,
já tinham causado uma outra
surpresa memorável quando
pediram a Casagrande voltar
para o alvinegro).
O gol foi uma ""masterpiece"
tipicamente romariana: impressiona não pelo espetaculoso, pelo malabarismo, mas pelo
contrário: pela concisão, pela
concentração de pequenos gestos, pela leveza do todo.
O elástico é dos um dribles
mais difíceis, pois exige habilidade excepcional para colar o
pé na bola, inclinar o corpo para um lado e, no gesto mesmo
de partida, reverter todo o movimento para o outro lado,
acumulando força para explodir e sair à frente do rival.
É comum no futsal, em que a
bola, menor e mais pesada, é
mais controlável. Roberto Rivellino, um professor do elástico, diz que quem melhor o aplicava era seu parceiro de aspirantes no Corinthians, o ponta-direita Sérgio Japonês.
Romário aplicou o elástico
com a perna direita. Depois,
deu um leve toque com o pé esquerdo -que não passou de
um coadjuvante nesta história.
Um metro depois, deu um outro leve toque com o pé direito.
Outro metro, outro toque com
o pé direito, suficiente apenas
para sair do raio de ação do
carrinho de Gamarra. Um metro depois, a leve pincelada de
gênio para o gol. Cinco passos
para a eternidade.
A foto é o momento mais sublime do jornalismo esportivo.
O texto tem passagens notáveis, mas nada se iguala à consagração do instante fotográfico: o congelamento de uma
emoção, de uma expressão, de
uma habilidade corporal.
O esporte é movimento, e a fotografia nele tem valor assombroso justamente por operar na
direção oposta, no não-movimento. O que estava condenado a passar ficará para sempre.
Walter Iooss é um dos maiores fotógrafos de esportes de todos os tempos. Ele já fez um livro sobre Michael Jordan e
agora está lançando um livro
com o melhor de sua obra, que
inclui os retratos de mulheres
para a edição anual de maiôs
da revista ""Sports Illustrated".
Iooss já está se preparando
para encerrar a carreira e, em
entrevista recente, disse que só
tem um sonho profissional: fotografar Pelé.
Faz a foto, Pelé, faz.
Matinas Suzuki Jr. escreve às quintas e é diretor editorial-adjunto da Abril S/A
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