São Paulo, Quinta-feira, 11 de Fevereiro de 1999
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A "masterpiece" romariana

MATINAS SUZUKI JR.
da Equipe de Articulistas

Um pouco ressabiado por estar voltando ao habitat natural do bordão meus amigos, meus inimigos, chego em dias nos quais a alma encantadora das esquinas e dos botecos, como diria feliz o velho cronista carioca, está boquiaberta, pasma, babando na gravata pelo gol de Romário no Pacaembu.
Se este matutino bom de briga fosse a revista ""The New Yorker", o gol de Romário estaria na seção ""The Talk of the Town". Só se fala em outra coisa, como brinca um amigo.
Cada um descreve o gol a sua maneira, espichando este ou aquele detalhe, alguns assombrando-se muito mais com o efeito (a quebra da espinha do Amaral) do que com a causa.
Os não-corintianos, com indisfarçável sabor de felicidade nesses dias tristes do país, deliciam-se com a sensação de que estão indo à forra contra o campeão brasileiro.
Os corintianos com reverência (a saudação a Romário pela torcida corintiana deveria entrar para a história como entrou a vaia a Julinho no Maracanã. Os torcedores corintianos, contra o mesmo Flamengo, já tinham causado uma outra surpresa memorável quando pediram a Casagrande voltar para o alvinegro).
O gol foi uma ""masterpiece" tipicamente romariana: impressiona não pelo espetaculoso, pelo malabarismo, mas pelo contrário: pela concisão, pela concentração de pequenos gestos, pela leveza do todo.
O elástico é dos um dribles mais difíceis, pois exige habilidade excepcional para colar o pé na bola, inclinar o corpo para um lado e, no gesto mesmo de partida, reverter todo o movimento para o outro lado, acumulando força para explodir e sair à frente do rival.
É comum no futsal, em que a bola, menor e mais pesada, é mais controlável. Roberto Rivellino, um professor do elástico, diz que quem melhor o aplicava era seu parceiro de aspirantes no Corinthians, o ponta-direita Sérgio Japonês.
Romário aplicou o elástico com a perna direita. Depois, deu um leve toque com o pé esquerdo -que não passou de um coadjuvante nesta história. Um metro depois, deu um outro leve toque com o pé direito. Outro metro, outro toque com o pé direito, suficiente apenas para sair do raio de ação do carrinho de Gamarra. Um metro depois, a leve pincelada de gênio para o gol. Cinco passos para a eternidade.

A foto é o momento mais sublime do jornalismo esportivo. O texto tem passagens notáveis, mas nada se iguala à consagração do instante fotográfico: o congelamento de uma emoção, de uma expressão, de uma habilidade corporal.
O esporte é movimento, e a fotografia nele tem valor assombroso justamente por operar na direção oposta, no não-movimento. O que estava condenado a passar ficará para sempre.
Walter Iooss é um dos maiores fotógrafos de esportes de todos os tempos. Ele já fez um livro sobre Michael Jordan e agora está lançando um livro com o melhor de sua obra, que inclui os retratos de mulheres para a edição anual de maiôs da revista ""Sports Illustrated".
Iooss já está se preparando para encerrar a carreira e, em entrevista recente, disse que só tem um sonho profissional: fotografar Pelé.
Faz a foto, Pelé, faz.


Matinas Suzuki Jr. escreve às quintas e é diretor editorial-adjunto da Abril S/A


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