São Paulo, Quinta-feira, 11 de Março de 1999
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FUTEBOL
Em entrevista à Folha, técnico da seleção brasileira diz que abriria negócio com qualquer dirigente de clube
Luxemburgo defende elo com empresário

Patrícia Santos/Folha Imagem
O técnico da seleção brasileira, Wanderley Luxemburgo, ao deixar a sede da CBF, no Rio de Janeiro


MAÉRCIO SANTAMARINA
MARCELO DAMATO
da Reportagem Local

Wanderley Luxembrugo, 46, técnico da seleção brasileira, disse que não vê nenhum inconveniente em ter como sócio um empresário de futebol.
O treinador e Sérgio Malucelli, que também é presidente do Iraty (PR), são sócio de uma casa noturna em Curitiba. Luxemburgo afirmou que não existe nenhum conflito de interesses devido ao cargo que ocupa na CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Isso só seria um problema se a sociedade envolvesse futebol.
O técnico reafirmou que não existe interferência da Nike em seu trabalho, apesar de admitir que os jogos contra o Barcelona, o Japão e a Coréia do Sul, todos acertados pela multinacional, patrocinadora da seleção, foram definidos antes de sua contratação.
Leia a seguir trechos da entrevista à Folha, concedida ontem.

Folha - Como mudou a sua vida pessoal e profissional nesses 70 dias em que você está apenas na seleção?
Wanderley Luxemburgo
- A vida pessoal, tem que deixar de lado. A vida profissional mudou porque estava acostumado a ir a treino. Agora, vou para um jogo observar, não trabalhar. Ainda estou meio estranho.
Folha - Você tem ido só aos Estados onde o futebol é mais forte?
Luxemburgo -
Não. Comecei por aqui porque diziam que o Rio-São Paulo era um torneio muito ruim. Como vi que era um muito bom, fiquei mais. Mas agora os torneios regionais vão ser um campo muito maior de observação.
Folha - Essa é a principal diferença em relação ao Zagallo?
Luxemburgo -
Vou pedir outra coisa: se quiserem falar do Zagallo, falem com o Zagallo.
Folha - Como está a definição do grupo para o Pré-Olímpico?
Luxemurgo -
A preparação começou no ano passado. Há várias competições: Copa América, Copa das Confederações, Pré-Olímpico, Olimpíada, Copa América de novo e eliminatórias para a Copa. Não dá para separá-las. Se eu trabalhar só com a seleção principal, a pré-olímpica vai ficar defasada. Então, estamos direcionando o trabalho para as duas frentes.
Folha - Você pretende convocar o Denílson para o Pré-Olímpico?
Luxemburgo -
Vamos ver isso no momento da convocação. Se a Copa fosse hoje, eu convocaria o Mauro Galvão. Mas não posso dizer que vou chamá-lo daqui a dois anos porque não sei como ele vai estar.
Folha - Quais são as posições de maior carência?
Luxemburgo -
A posição que temos mais carência no Brasil hoje é na lateral direita. Tivemos o Cafu, o Jorginho... estamos para trás.
Folha - Você leva em conta o que acontece fora da seleção para convocá-lo?
Luxemburgo -
Isso é uma coisa muito mal explicada. O Narciso foi afastado do Flamengo por sua atitude com o técnico, mas não comigo. Se amanhã eu convoco o Narciso e ele tiver a mesma atitude comigo, ele estará fora. Já no caso do Marcelinho não dava para separar o técnico da seleção e o do Corinthians.
Folha - Mas você não disse que não convoca mais o Dida por causa do problema dele com o Cruzeiro?
Luxemburgo -
Não posso mesmo convocá-lo. Ele não está jogando em lugar nenhum. Não tem contrato com o Milan nem com o Cruzeiro. Como posso convocar um jogador sem contrato?
Folha - Ele não fez nada ilegal, pelas regras da Fifa.
Luxemburgo -
Depende de como você enxerga o futebol brasileiro. Se acharmos que tudo isso é legal, vai ser uma perda muito grande. O meu pensamento é profissional.
Folha - O fato de Edmundo ter sido condenado pela Justiça o impede de convocá-lo?
Luxemburgo -
Não há nenhum impedimento legal para convocá-lo. Toda pergunta cabe, mas essa pergunta sua é muito radical.
Folha - Você afirmou que, se não quiser, a seleção não fará nenhum jogo da Nike. Mas o contrato obriga um mínimo de três por ano. Se for obrigado, o que faria?
Luxemburgo -
A Nike diz que tem que ter 50 jogos em dez anos. Mas se eu não quiser os 50 jogos, não vai ter nenhum. Se você observar todos os itens no contrato, um item vai quebrando o outro. E, outra coisa, a frase é minha: a Nike não manda nada. Eles só sugerem, seu eu quiser vetar, veto.
Folha - Já vetou algum time?
Luxemburgo -
Não vetei porque eu não consegui. Já mandei fax para a Inglaterra, a Itália, a Alemanha, a Dinamarca e a Bélgica, mas ninguém quer jogar com o Brasil. Outra coisa que acho interessante é que o contrato diz que tem que ter oito jogadores do time A. Achei inteligente isso aí. Porque se amanhã eu acordar de mau humor e tiver um jogo com a Holanda, não vou poder colocar o time da Catanduvense para representar o Brasil. O contrato não permite. E outra coisa: quem convoca os 22 jogadores sou eu.
Folha - Você diz que escolhe os adversários, mas teve que aceitar o Barcelona. Você, que é contra enfrentar clubes...
Luxemburgo -
Se você for por aí vai ficar difícil. Você radicaliza, e não pode. Eu disse que, a partir de agora, não quero mais jogos com clubes, a não ser que entenda que interessa. Quem tem que entender isso sou eu. Não é você, nem o Ricardo Teixeira, nem a Nike. Esse jogo como Barcelona precisa ser cumprido porque o contrato já existe. É ruim porque se perdermos amanhã vão falar que a seleção brasileira perdeu de um clube. Os jogos da Coréia e do Japão, por exemplo, já estavam acertados. Quando vi, achei bom pela possibilidade de visitar o país que vai ser sede da Copa do Mundo. Esquece se é Nike ou não é Nike.
Folha - Como você irá lidar com a ameaça do Vasco em não ceder jogadores à seleção?
Luxemburgo - Existem acordos entre os presidentes de clubes e a CBF. Me parece que não vamos convocar jogadores que foram disputar partidas decisivas da Libertadores.
Folha - Mas o Eurico Miranda (vice de futebol do Vasco), disse que não libera ninguém se o clube não receber dinheiro.
Luxemburgo
- Você tem que transferir a pergunta para o Ricardo Teixeira. É um problema da CBF com o clube, e não do Wanderley.
Folha - Você convocou o Marcos Moura Teixeira, que é primo do presidente da CBF, mas nunca foi preparador de nenhum clube, só auxiliar. Por ele e não alguém de mais prestígio como Moraci Sant'Anna (Fluminense), Paulo Paixão (Palmeiras) ou Bebeto de Oliveira (Vasco)?
Luxemburgo -
Isso é a sua ótica. Você falou nomes de pessoas que você acha competentes. Você citou três. Tem muito mais gente competente no Brasil, inclusive o Marquinhos.
Folha - Quando você saiu do Corinthians, disse que seria um consultor. Continua assim?
Luxemburgo -
Continuo, sempre que sou solicitado.
Folha - Você aconselhou o Corinthians a não contratar o Evaristo?
Luxemburgo -
Ah, isso é complicado, né? Isso é polêmica, não tem nada a ver. Ele é meu amigo há muito tempo.
Folha - Você não acha que pega mal para o técnico da seleção ter um empresário de futebol como sócio em um negócio?
Luxemburgo -
Acho extremamente ruim.
Folha - Mas você é sócio do Sérgio Malucelli, do Iraty-PR, não (os dois são sócios numa casa noturna. Malucelli é empresário de Arinélson, que Luxemburgo levou para o Santos)?
Luxemburgo - Sou um cidadão brasileiro, tenho o direito de fazer o que quiser. Qual o problema nisso? Você só vê coisa ruim. Seu eu fosse sócio de presidente de clube dentro de um clube, daí tinha que mandar o Wanderley sair do futebol. Mas eu posso ter um bar em Curitiba, um bar em São Paulo, onde quiser e com quem quiser.
Folha - Mas não há um conflito de interesses?
Luxemburgo -
Mas que interesse? Que problema tem nisso? Você acha que vou restringir as minhas amizades por causa do trabalho?
Folha - Se um dia você chamar um jogador empresariado pelo Malucelli, vão dizer..
Luxemburgo -
(interrompe) Você vai escrever dessa forma porque a sua cabeça está para isso aí. Tenho certeza absoluta de que hoje você vai escrever dessa forma. Outra pessoa pode escrever de maneira diferente, entendendo que é uma relação de um cidadão comum brasileiro que pode ter o que quiser. Você vai escrever que eu tenho interesse, mas você não conhece o meu caráter para saber se eu tenho ou não interesse.
Folha - A pergunta não foi essa.
Luxemburgo -
Eu não vejo nenhum problema. Não vou restringir minhas amizades por ser técnico da seleção. Você tem que conhecer o caráter das pessoas. Não vou deixar de convocar um jogador porque ele pertence a um empresário. Não posso prejudicar o meu trabalho porque o passe de um jogador de repente pertence ao Juan Figer (empresário que atua no Brasil há 30 anos) e está emprestado ao Corinthians. Como posso prejudicar o meu trabalho por causa disso? Ah, porque eu estou levando uma grana... Então se você não entender... é porque estou levando grana para convocar o jogador.
Se aparecer amanhã o presidente do Ceará me oferecendo para colocar lá o Luxemburgo Futebol e Café e me der todas as condições para montá-lo, não tenha dúvida de que, se for um bom negócio para mim, vou fazer. Se interessar para mim, não vou ser cerceado do meu direito de trabalho, de montar uma empresa, nem do meu direito de convocação por causa disso.
Folha - Polêmicas como a do rompimento do contrato com o Corinthians não arranham sua imagem na seleção?
Luxemburgo -
É um direito da Constituição se defender. Então, eu tenho que pagar US$ 2 milhões de multa porque eu sou o Wanderley Luxemburgo?


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