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Quatro anos mais tarde, país vê Guga erguer pela terceira vez o troféu do Aberto da França, mas ainda não tem a menor idéia de o que fazer para perpetuar o sucesso nas quadras
a.G - d.G
Surpreso, país acorda num domingo de junho, vê um desconhecido brasileiro de 20 anos levantar pela primeira vez a taça de Roland Garros e prevê o começo de uma explosão do tênis na terra do futebol
ROBERTO DIAS
EDITOR-ASSISTENTE DE ESPORTE
O país que ontem chegou a sua
primeira dezena de títulos de
Grand Slams é, na verdade, o país
de dois malucos que decidiram
sair pelo mundo dando suas raquetadas -e deram certo.
Gustavo Kuerten, com três conquistas, e Maria Esther Bueno,
com sete troféus de simples (três
em Wimbledon e quatro no Aberto dos EUA), representam a mais
absoluta exceção à regra de que o
Brasil não é o país do tênis.
E nem caminha para ser.
Lá se vão quatro anos desde que
o então desconhecido surfista cabeludo levantou sua primeira taça
na quadra central de Roland Garros, e quase nada mudou.
O país vê, de novo, um caso de
raro impulso -esportivo e empresarial- ser desperdiçado.
No automobilismo, o Brasil,
que há uma década se gabava de
ser o "país da F-1", fruto da sequência Fittipaldi-Piquet-Senna,
hoje vê um ou outro alemão ganhar as corridas dominicais. O
acidente da curva Tamburello
descortinou o fato de que houve
nada mais que três exceções consecutivas.
No tênis, igualmente visto como
um esporte "de elite", o fenômeno Kuerten caminha para se encerrar nele mesmo -assim como
aconteceu há cerca de 40 anos
com Maria Esther Bueno.
O descompasso entre o que
acontece nas quadras e fora dela é
gigantesco.
O mesmo país que chegou a organizar quatro competições da
ATP (Associação dos Tenistas
Profissionais) numa única temporada -a de 1990-, mesmo
sem ter nenhum top ten no ranking mundial, não foi palco de um
único torneio desse tipo nos quatro anos da era Kuerten.
Nesse intervalo, o que aconteceu foi uma candidatura vitoriosa
para abrigar a Masters Cup, a
competição de final de ano do tênis -reúne os oito melhores tenistas do ano-, e uma humilhante perda do direito de fazer o
torneio para Sydney, por falta de
infra-estrutura. E só.
A precariedade administrativa
alcançou também a Copa Davis, a
única chance que os brasileiros
têm de ver Kuerten atuando no
país em uma competição oficial.
No início do ano, no Rio de Janeiro, o país no qual Kuerten esperava popularizar o tênis (conforme afirmou após seu primeiro
título em Paris) cobrava dos torcedores o ingresso mais caro do
mundo.
Em troca, a Confederação Brasileira de Tênis ofereceu uma quadra montada, provisória, do mesmo jeito e no mesmo lugar onde,
no ano anterior, vários torcedores
ficaram do lado de fora por causa
da superlotação. E igual a todas as
outras onde Kuerten atuou no
Brasil pela Davis.
Se não investe em infra-estrutura, o país também não o faz em
"mão-de-obra". Os projetos de
renovação caminham a passos de
tartaruga. Um dos poucos sinais
de vida surgiu a partir da ação estatal, com um projeto do Banco
do Brasil, que, além de patrocinar
Kuerten, mantém cinco escolinhas que atendem, diz a instituição, a 1.200 crianças.
É quase como rodar sem sair do
lugar ("Há muitos jovens interessados no tênis. Se mais empresas
investirem nisso, fica mais fácil
formar novos atletas", afirmou,
há quatro anos, Larri Passos, o
técnico de Kuerten).
O resultado é que, com a anunciada aposentadoria de Jaime Oncins e com a decadência técnica
de Fernando Meligeni, tende a aumentar ainda mais o fardo de
Kuerten na Copa Davis a partir do
ano que vem.
Enquanto isso, a Argentina, cujo programa escolar recebeu o título de "melhor do mundo" da
Federação Internacional de Tênis,
diz colocar anualmente 800 mil
crianças em contato com a modalidade. Hoje o país tem dois jogadores entre os 20 primeiros do
ranking de juniores. Não há nenhum brasileiro no grupo.
A indústria do tênis quase inexiste por aqui. O Brasil do tricampeão de Roland Garros não fabrica raquete, produz só 15% das bolinhas que consome e tem um número semelhante de quadras ao
da Holanda (cerca de 15 mil).
E, como se fossem poucos os
percalços, Kuerten ainda tem de
enfrentar atitudes como a do Comitê Olímpico Brasileiro, o guarda-chuva de todas as modalidades, que quase o deixou fora dos
Jogos Olimpícos no ano passado,
tudo por causa de um conflito de
patrocinadores.
À luz de tantos e tamanhos problemas, o tricampeão de Roland
Garros está longe de ser exemplo
de alguma coisa. É, na verdade,
quase um contra-exemplo, produto de um caminho que tende a
não produzir campeões.
Kuerten é o que é tendo o suporte e a companhia de um técnico, uma mãe, uma avó e um irmão, nada mais.
O catarinense veio de um Estado de fora do circuito da modalidade, sem nenhuma tradição e retrospecto no tênis nacional, uma
verdadeira surpresa.
É um caso único, o homem que
fez do Brasil o primeiro sócio de
um seleto clube de países que já
produziram um tenista campeão
de uma temporada -o primeiro,
desde 1985, a quebrar a hegemonia de EUA, Suécia, Romênia e da
antiga Tchecoslováquia.
O ranking atual espelha também o fenômeno. Kuerten figura
como um solitário brasileiro entre
os atuais 50 primeiros jogadores
do mundo. Dez países contam
com mais jogadores nesse grupo
de elite do que o Brasil.
Desses países, o maior destaque
é a Espanha, que investiu pesado
na modalidade e foi provavelmente a nação que mais progrediu no tênis na década passada,
com oito atletas top 50.
O primeiro jogador é a nova
sensação Juan Carlos Ferrero, a
quem Kuerten bateu na semifinal,
na sexta-feira. O segundo é Alex
Corretja, o adversário de ontem.
Os argentinos também têm
mais presença que o vizinho na
elite -três jogadores entre os 50
melhores. Mas Kuerten, que,
aliás, bateu dois argentinos na
campanha em Roland Garros, é o
número um do mundo.
O brasileiro tem 24 anos. Pete
Sampras, como comparação, já
vive sua "aposentadoria" aos 29.
Hoje o Brasil não é o país do tênis.
É o país do Guga. Daqui a pouco,
porém, tem tudo para voltar a ser
o mesmo "Brasil a.G", como se tudo não tivesse passado de um sonho -assim como hoje parecem
quase um sonho os títulos de Maria Esther Bueno.
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