São Paulo, sábado, 11 de junho de 2005

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Pai da Democracia agora quer voltar ao Corinthians

Adilson Monteiro Alves põe fim a duas décadas de silêncio sobre o clube e diz que pode ajudar a equipe a conviver com os milhões e jantares de Kia

Rogerio Cassimiro/Folha Imagem
Adilson Monteiro Alves, no bar de sua casa noturna


RICARDO PERRONE
DO PAINEL FC

Após 20 anos afastado da vida no Parque São Jorge, Adilson Monteiro Alves, 58, idealizador e principal cartola da Democracia Corintiana, quer voltar.
"Se eles que dirigem o Corinthians quiserem, estou à disposição. Conheço profundamente o Corinthians, o futebol e sei lidar com gente, por formação [é sociólogo] e experiência", diz.
Ele quebrou o silêncio de duas décadas em entrevista à Folha, após duas semanas de insistência. Hoje dono de uma casa que reúne bingo, restaurante e espaço para shows na capital paulista, ele não falava publicamente sobre o movimento criado nos anos 80, durante a ditadura militar, desde 1985. Naquele ano, deixou a vice-presidência, após derrota eleitoral -virara diretor em 1981.
Para conceder a entrevista, exigiu, dois dias antes, "tomar uma cervejinha" com seu entrevistador para conhecê-lo. Na conversa preliminar, que durou quatro horas, fez perguntas como "em quem você votou para presidente?" e "fez política estudantil?".
 

Folha - Por que está há tanto tempo afastado do clube?
Adilson Monteiro Alves -
Fui cuidar da minha vida, o Corinthians estava andando. As pessoas que estavam lá entenderam que não deveríamos continuar, minha vida tomou outro rumo. Fui eleito deputado, participei da Constituinte, tive um infarto no dia de assinar a Constituição, mas assinei. De fora, preferia nem falar sobre o clube.

Folha - O Corinthians vive hoje uma de suas maiores crises políticas. A situação rachou por causa da MSI. O que acha da parceria, das suspeitas de lavagem de dinheiro?
Alves -
Não conheço os detalhes. Você diz que há suspeitas sobre a origem do dinheiro, eu digo que à mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta.

Folha - Qual sua opinião sobre Kia Joorabchian? Que acha de ele sair com alguns jogadores à noite?
Alves -
Eu saía com o time inteiro, a gente andava em 20, 30 pessoas. Se você sai só com alguns pode gerar ciúmes. O que não dá para fazer é afastar jogador sem ter um time para ele. Você tira o goleiro, não consegue negociá-lo e tem que pegá-lo de volta. Como fica a cabeça dele [essa situação aconteceu com Fábio Costa]?

Folha - Tem vontade de voltar para ajudar o clube?
Alves -
Tenho. Fui convidado para ser diretor num desses momentos difíceis, deu certo. Ajudaria sim. Depois de 20 anos sem ser diretor e uns 18 sem ser conselheiro, tenho disposição para ajudar.

Folha - Como ajudaria?
Alves -
A bola não está comigo. Se eles que dirigem o Corinthians quiserem, estou à disposição. Não vou ser modesto, conheço profundamente o Corinthians, o futebol e sei lidar com gente, por formação e experiência.

Folha - Você foi procurado por algumas pessoas da oposição que querem contar com a sua ajuda...
Alves -
Não sei se essas pessoas são mesmo da oposição.

Folha - Vai ajudá-las? Pretende ser candidato na próxima eleição? Alves - No momento em que as regras forem claras, pensarei nisso.

Folha - Como avalia a administração de Alberto Dualib?
Alves -
Para 12 ou 13 anos no poder é pouco...Essa administração ganhou muitos títulos, ganhou o mais importante, o Mundial de clubes. Não sei se a relação custo-benefício foi boa. É preciso fazer uma ponderação, analisar a relação anos de administração, títulos conquistados e vergonhas passadas. Faço essa ponderação, mas a resposta não vou dar.

Folha - Como surgiu a idéia de implantar uma democracia num clube durante uma ditadura militar?
Alves -
Disse aos jogadores: não sei como é dirigir um time de futebol, mas sei que não é do jeito que está sendo feito. A estrutura do futebol é autoritária, o país vive uma ditadura e isso se reflete no futebol. Vamos descobrir juntos. Todos participarão das decisões.

Folha - Vocês faziam votação para decidir tudo?
Alves -
Na maioria das vezes a gente conversava e chegava a um consenso. Votação mesmo foram umas duas ou três.

Folha - E como foi a história de liberar cerveja para os jogadores?
Alves -
Voltávamos de um jogo contra o Guarani, paramos na estrada para jantar e alguém perguntou se podia beber. O médico me explicou que não fazia mal, aí liberamos. Fizemos amizade e a gente bebia no bar da torre [no Parque São Jorge, depois dos treinos]. Desmitificamos algumas coisas, como a concentração. Achava a concentração uma barbaridade. Decidimos que só o solteiros precisavam se concentrar.

Folha - Como surgiu a expressão Democracia Corintiana?
Alves -
Precisávamos de um nome para a nossa chapa na eleição do Conselho, em 1983. De repente, o Washington Olivetto me ligou e disse que tinha o nome, Democracia Corintiana.

Folha - Vocês enfrentaram problemas com os militares?
Alves -
Tivemos, principalmente quando escrevemos na camisa "Dia 15 vote". Os militares nos chamaram, levamos horas para convencê-los que era uma maneira de mostrar aos patrocinadores que o espaço estava vago. Unimos isso com uma forma de incentivar as pessoas a votarem [foi a primeira eleição direta pluripartidária do regime militar, mas sem voto para presidente].

Folha - Como você define a Democracia Corintiana?
Alves -
Foi a contribuição do esporte na luta pela redemocratização do país.


Colaborou Guilherme Roseguini, da Reportagem Local

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