São Paulo, quinta-feira, 11 de julho de 2002

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Partida de beisebol sem vencedor afronta a cultura esportiva de um país

O dia em que os EUA conheceram o empate

Associated Press
Torcida protesta após o ASG acabar com o placar empatado


DA REPORTAGEM LOCAL

O final da noite de anteontem, em Milwaukee, entrou para a história do esporte dos EUA.
O evento era o All-Star Game (Jogo das Estrelas) do beisebol, um dos três esportes mais populares do país -os outros são o futebol americano e o basquete.
O estádio era o Miller Park, lotado por 41.871 pessoas, que pagaram ingressos de até US$ 175. O termômetro marcava a temperatura de 19C. Não chovia.
O duelo entre a seleção da Liga Americana e a seleção da Liga Nacional se mostrava emocionante, com o placar exibindo 7 a 7 no 11º "inning". Benito Santiago, em situação difícil, pois já cometera dois erros e um terceiro o eliminaria, se preparava para rebater pela Liga Nacional diante do lançador Freddy Garcia. Era a segunda rodada extra, já que no beisebol são nove "innings" para determinar o vencedor -em cada um, os dois times utilizam pelo menos três rebatedores para tentar pontuar.
Sob vaias do público, que já sabia o que poderia estar prestes a acontecer, Santiago tenta. Um erro decretaria o fim do jogo por ordem prévia de Bud Selig, máximo dirigente da liga. Não haveria nova troca de rebatedores, não haveria nova chance de desempate. Após três horas e 29 minutos e 60 atletas em ação, Santiago errou. O jogo acabava sem um vencedor.
As pertinentes vaias, os sinais de negativo com os polegares da revoltada torcida, as garrafas atiradas no gramado, tudo tinha explicação: o beisebol foi criado para não haver o empate. E não só o beisebol. O público norte-americano normalmente condena qualquer evento em que não se aponte um vencedor no final.
No principal campeonato profissional do país, que existe desde a segunda metade do século 19, a regra é clara: os nove "innings" concluídos em igualdade, joga-se até que um dos rivais obtenha o ponto que o faça ganhador -nem que seja preciso reiniciar a partida em uma outra data.
Nas 73 edições do evento amistoso, a única vez em que houve empate no ASG, em 1 a 1, foi em 1961, mas por razões climáticas: a forte chuva em Boston não permitia a continuidade do jogo.
"Quando fui rebater, pude ler atrás de mim um enorme cartaz: "Empates são para as partidas de hóquei'", comentou Santiago.
É verdade. Nesse aspecto, o hóquei no gelo pode ser visto como uma "ovelha negra" nos esportes praticados nos EUA. Disputado em três períodos de 20 minutos, caso o placar esteja igual ao término do último, sim, há o empate -a regra não é válida para jogos da fase de mata-matas, nos quais joga-se até alguém sair vitorioso.
No futebol americano, também há a probabilidade, mas muito mais remota, do empate, e também só na primeira fase. Se ao fim dos quatro tempos de 15 minutos nenhum dos times estiver à frente, disputa-se mais um quarto de hora, e quem marcar ganha.
No basquete, por sua vez, o cenário do empate é inexistente.
A aversão ao resultado igual nos EUA é tanta que, para tentar fazer com que o "soccer" (futebol) emplacasse, a principal competição do país criou o "shoot-out", disputa pós-jogo que determina um ganhador no caso de a partida terminar empatada nos 90 minutos.
O dirigente Bud Selig afirmou que não teve "opção" ao justificar sua decisão. Diz ele que, no meio do 11º "inning", os técnicos dos dois times, já tendo usado todos os lançadores, fizeram a sugestão: não podiam "sacrificar" os dois (Freddy Garcia e Vicente Padilla) que estavam em campo havia duas rodadas -os demais atuaram no máximo uma cada um e, pela regra, não podiam voltar.
"Isso acontece", resumiu Joe Torre, técnico da Liga Americana, acrescentando que "a última coisa que quero é devolver para um time seu lançador machucado".
Assim, mesmo em um amistoso, o interesse financeiro (os atletas de ponta recebem milhões de dólares por ano) prevaleceu sobre o espetáculo. E a liga, agora, pensa em aumentar o número de convocados para que, nos anos que virão, a "vergonha" não se repita.



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