São Paulo, domingo, 11 de agosto de 2002

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FUTEBOL
O futuro já começou

FÁTIMA BERNARDES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quinta-feira, 27 de junho.
O Brasil já tinha passado pela Turquia, na semifinal. Um a zero, gol de Ronaldo. Estávamos na final e, pela primeira vez, íamos enfrentar a Alemanha numa Copa. No Prince Hotel, em Yokohama, onde a seleção estava concentrada, o técnico Luiz Felipe dava o que ele chamou de última entrevista coletiva. O salão, lotado... gente sentada até no chão.
O número de jornalistas estrangeiros era tão grande quanto o de brasileiros. E começou o tiroteio: "Como vai jogar o Brasil?", "Qual a maior arma do rival?", "O que fazer nos últimos momentos antes da grande final?", "Como você conseguiu que o Rivaldo até se sacrificasse em benefício do time?".
Todas as respostas eram muito calculadas. Ao longo da Copa, Felipão foi aprendendo a dizer exatamente o que gostaria de ver publicado ou veiculado. Foi aprimorando sua relação com a imprensa. Mas uma pergunta -feita pelo repórter Tino Marcos- deixou o técnico com os olhos brilhando. E ali, talvez sem medir bem o que estava falando, ele confessou um desejo. A pergunta era se ele gostaria de voltar a uma Copa como técnico. Scolari disse que nem ele poderia imaginar que fosse gostar tanto de disputar um Mundial e que aceitaria até um convite para dirigir a seleção de um outro país. Só para repetir a experiência.
Ora, se estar de novo num Mundial é um sonho, uma meta, por que tanta dúvida na hora de decidir se fica no comando da nossa seleção? Há quem diga que o motivo é dinheiro. Felipão rebate. Diz que assumiu a seleção mesmo para ganhar menos do recebia no Cruzeiro. No fundo, Scolari sabe que não é fácil atravessar os quatro anos entre dois Mundiais no comando de uma equipe. Principalmente no Brasil, onde até derrota em amistoso pode derrubar um treinador.
O retrospecto -para usar um termo caro ao esporte- não é mesmo favorável. Se levarmos em conta a história, só após a conquista do nosso primeiro título, vamos ver que o técnico campeão de 58, Vicente Feola, foi substituído por Aimoré Moreira na conquista do bi em 62... que saiu para a volta de Feola em 66... que deu lugar a João Saldanha nas eliminatórias para a Copa-70... mas quem dirigiu o Brasil no México foi Mario Jorge Lobo Zagallo. Aí, sim, apoiado pela conquista inédita do tri, ele conseguiu chegar ao Mundial-74. Mas não resistiu depois das derrotas para a Holanda e a Polônia, que nos deixaram, naquela Copa, em quarto lugar.
Em 1982, Telê Santana não ganhou a Copa, mas encantou o mundo. Mesmo assim deixou a seleção. Foi substituído por três técnicos até voltar, a pedido da torcida, para as eliminatórias e a Copa-86. O título escapou de novo. E lá se foi Telê para a entrada de Carlos Alberto Silva, que -sem fôlego para superar maus momentos- viu Sebastião Lazaroni comandar, na Itália, o fracasso de 90. Melhor esquecer.
E a entressafra fez novas vítimas. O ex-craque Paulo Roberto Falcão assumiu, mas foram Carlos Alberto Parreira e o coordenador técnico Zagallo que conquistaram o tetra, nos EUA. Parreira disse adeus depois do título. E olha o Zagallo aí de novo. Amparado pela força do título, sobreviveu por mais quatro anos como técnico, até ser vice na França.
A chegada de Wanderley Luxemburgo foi festejada, mas a lua-de-mel terminou com o vexame na Olimpíada de Sidney. Veio então Emerson Leão, até chegar Felipão como o salvador da pátria. E aí você lembra bem: classificação sofrida para a Copa da Coréia e do Japão. Na última partida, em Fortaleza, contra a Venezuela. E depois um Mundial sem derrotas, um penta invicto.
O título dá a Scolari fôlego para continuar. Scolari quer voltar a disputar uma Copa. Só falta Scolari decidir que papel vai escolher para a sua história na seleção. Seria o papel desempenhado por Parreira, que conquistou o título, entrou para a história como vitorioso e foi embora? O de Zagallo, o único que conseguiu atravessar a entressafra e disputar dois Mundiais seguidos -sonho confesso de Felipão? Ou o papel de Telê, que deixou o cargo após mostrar ao mundo o futebol-arte, para voltar depois nos braços do povo? Voltar para tentar o ouro inédito nos Jogos de Atenas ou quem sabe o hexa na Alemanha.
Quando este texto foi escrito, eu ainda não sabia o resultado da reunião de Scolari com o presidente da CBF, Ricardo Teixeira. Mas a essa altura você já sabe. E o futuro do técnico do penta e da nossa seleção já começou.


Fátima Bernardes, 39, é editora e apresentadora do "Jornal Nacional" da TV Globo. Cobriu as Copas de 1994 e 2002 e as Olimpíadas de Barcelona e Atlanta.


Tostão, em férias, volta a escrever neste espaço em 4 de setembro.


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