São Paulo, Sábado, 11 de Setembro de 1999
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Um oceano separa Romário de Reinaldo

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Quase três meses depois da batalha campal da final do Paulista, Corinthians e Palmeiras voltam amanhã ao Morumbi.
Cabe esperar que toda a rivalidade entre essas duas grandes forças se resolva no terreno do simbólico, isto é, ""na bola".
Afinal, para alguma coisa deve ter valido o fato de nossos antepassados, há muitos milhares de anos, terem aprendido a dançar para a lua e a fazer desenhos nas paredes das cavernas. Desde então, a cultura -em suas infinitas formas- tem sido o meio pelo qual o homem educa seus instintos e afasta-se da barbárie.
E o futebol está no centro da nossa cultura. É, ainda, o que sabemos fazer melhor (ao lado, talvez, da música) nestes tristes trópicos. A luminosa vitória de terça-feira sobre a Argentina é uma prova suficiente disso.
Não é possível que um povo capaz de uma arte tão refinada saia trocando sopapos e tiros por aí, sem mais nem menos. (O pior é que é possível, sim, mas vamos fazer de conta que não.)
  Corinthians x Palmeiras tem tudo para ser um grande jogo de futebol. O Corinthians continua no topo do topo, depois do ligeiro tropeço contra o Flamengo, e o Palmeiras, se quer passar à próxima fase, tem de correr para recuperar os pontos perdidos no início do campeonato.
Os dois times conseguiram vitórias expressivas no meio da semana, ambas fora de casa, e vão entrar em campo embalados.
O gol de Zinho contra o Racing foi uma pequena obra-prima. Aliando rapidez, jogo coletivo e talento individual, provou que o alviverde, quando quer, não se restringe aos chuveirinhos na área inimiga.
  Ao proibir o goleiro Roger de aparecer nu numa revista, o treinador do São Paulo, Paulo César Carpegiani, revelou uma obtusidade moral que contrasta com suas ousadias no plano tático-futebolístico.
Num país patriarcal, machista e autoritário até a medula, esse tipo de atitude repressora costuma conquistar o aplauso de boa parte da torcida.
Ainda me lembro muito bem das reações enfurecidas de alguns leitores quando critiquei a Parmalat por proibir a nudez de Oséas. Nenhum deles apresentou argumentos convincentes -só histeria e impropérios.
O fato é que o futebol de Vampeta e de Dinei, assim como as vendas da Batavo, não parece ter sofrido nenhuma queda pelo fato de eles terem exibido seus corpos numa revista (a mesma, aliás).
Qual é o problema, então? Desconfio que Juca Kfouri esteja com a razão: só o dr. Freud é capaz de explicar esse pânico diante de um homem nu. (Já posso até ouvir certos torcedores dizendo: ""Esse negócio de Freud, pra mim, é coisa de viado".)
  Já que estamos falando em ousadia e conservadorismo: Romário disse que, se não o tivessem proibido de exibir mensagens políticas em suas camisetas, a próxima seria em homenagem ao cacique Antonio Carlos Magalhães. E protestou contra a repressão a sua liberdade de expressão. Estranha rebeldia essa, que bajula os donos do poder.
Lembrei do genial artilheiro Reinaldo, do Atlético-MG, que em plena ditadura militar declarou que era socialista e foi tachado de subversivo, maconheiro e (claro) bicha. Um oceano político e moral separa esses dois supercraques.

E-mail jgcouto@uol.com.br


José Geraldo Couto escreve às segundas-feiras e aos sábados

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