São Paulo, domingo, 11 de outubro de 1998

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Não se guarda vela acesa no armário

ALBERTO HELENA JR.
da Equipe de Articulistas
O Santos, líder do nosso campeonato e sobrevivente das absurdas batalhas daquele outro torneio com nome de remédio antigripal, como é mesmo?, ah, sim, Conmebol, pega hoje o Vasco, campeão carioca, brasileiro e da América. É de arrepiar, não? Sei lá, pois quem garante como virá a campo esse Vasco que resolveu elevar a Taça Toyota acima de todas as coisas? Será aquele time irresistível, forte na defesa, ágil no meio-campo e fatal no ataque da primeira metade do ano, ou esse aí que vem batendo ponto, burocraticamente, à espera do grande momento em Tóquio?
Claro que os cruz-maltinos devem estar com os dois olhos no sol nascente, onde repousa a esperança da maior conquista de sua história, gloriosa e centenária. Neste momento, o resto é resto. Em termos, porém. Pois ainda falta um bom tempo para a disputa mundial, que, na verdade, se resume a apenas um jogo, que vale por uma vida, mas ainda um só jogo.
Está certo que se tomem todas as precauções para evitar que o Vasco chegue lá exausto, com este ou aquele craque indispensável baleado e tal e cousa e lousa e maripousa. Mas é também preciso estar atento para que não chegue frouxo, inseguro, carregando o fardo da longa e crescente expectativa, de quem, no auge do êxito, resolveu deixar tudo de lado para jogar sua vida inteira num lance de roleta.
O velho e saudoso mestre Brandão podia tropeçar na gramática e se enredar nos arabescos numéricos das modernas fórmulas táticas, mas mantinha ligação direta com a alma do boleiro, que ele conseguia decifrar como ninguém: "Jogador gosta de jogar. E quem joga gosta de ganhar".
Querem ver? Vamos pegar dois exemplos bem recentes: o São Paulo bicampeão do mundo, e o Cruzeiro, nosso penúltimo campeão da América, que se esboroou em Tóquio.
Aquele tricolor de Telê, nos dois anos em que levantou o título, disputou até cuspe à distância, e ganhou quase tudo, sobretudo, o bi mundial. Já o Cruzeiro, ao vencer a Libertadores, resolveu poupar-se para o grande final. Chegou a tentar o lance do Grêmio de Renato Gaúcho, que, às vésperas da maior conquista, havia laçado Paulo César Caju e quetais, só para a decisão. Com os gaúchos, deu certo; com os mineiros, um desastre.
O que eu quero dizer é que a melhor forma de se poupar é se esmerando, se afiando para a grande disputa. E isso só se consegue disputando tudo pra valer, mantendo no time, vivo, o espírito da conquista, a chama do vencedor. Como diziam os antigos, não se guarda vela acesa no armário.
Pra usar uma expressão do velho Brás, me dá nóia essa história de virada de mesa para resgatar o Fluminense do fundo do poço. O Flu está lá porque cavou com suas próprias mãos. Pois que saia com seu próprio esforço e dentro da ética.
Agora, se esse tal de Caixa D'Água está tão empenhado em dar uma mãozinha ao glorioso clube das Laranjeiras que, então, chame seus confrades de Goiás, Minas e, quem sabe, Bahia, para, juntos, armarem um belo torneio regional no lugar do anacrônico campeonato estadual do Rio. E, aí, sim, reserve-se um lugar de honra ao Flu. No Brasileirão, não.
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Alberto Helena Jr. escreve aos domingos, segundas e quartas



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