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FUTEBOL
A classe operária vai ao paraíso
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
O atrevido São Caetano,
quem diria, chegou lá. Mesmo que não passe pelo Grêmio, já
conquistou algo que ninguém esperava no início da Copa JH: é
um dos quatro melhores clubes do
país e já está na Copa Mercosul
do ano que vem.
Pode ser que eu esteja enganado, mas desconfio que a gangue
dos 13, ao bolar esse cruzamento
de módulos nas oitavas-de-final
do torneio, pensava apenas em
fazer uma demagogiazinha com
os clubes das outras divisões, em
busca de apoio político para seu
conchavão.
O São Caetano não cumpriu o
script e agora tende a se tornar
mais uma pedra no sapato da
CBF. Os dirigentes do clube já deram a entender que consideram
um absurdo o time voltar para a
Segundona depois de chegar aonde chegou.
E o Grêmio que não pense que
os operários do ABC já estão satisfeitos com o que conseguiram.
Eles querem muito mais. A luta
continua.
Duas coisas sobre Palmeiras 2 x
2 São Caetano, sábado, no Parque Antarctica.
Primeira: se o juiz não punisse
com pênalti uma falta feita fora
da área, o destino dos dois times
poderia ser outro.
Segunda: a torcida do Palmeiras, ao aplaudir seus jogadores
mesmo depois da desclassificação, mostrou uma louvável maturidade.
Está certo que a reação da torcida talvez fosse outra se o time não
tivesse vaga garantida na próxima Libertadores, se não estivesse
na final da Copa Mercosul e,
principalmente, se contasse com
jogadores de grande fama e salário em seu elenco.
Parece que a Fifa resolveu dividir entre Pelé e Maradona o tal
prêmio de futebolista do século, a
ser entregue hoje. É uma solução
de compromisso para tentar desatar o "imbroglio" que a própria
entidade armou em torno da eleição do melhor do mundo. Mas o
estrago já está feito.
Dos dois lados da fronteira Brasil-Argentina, atiçaram-se as vaidades, os brios nacionalistas, os
moralismos rasteiros, o racismo e
os ódios ancestrais.
Se a intenção era essa, parabéns
à Fifa. Mas tudo indica que se tratou, na verdade, da burrada do
século. Queriam consagrar Pelé,
mas fizeram uma pesquisa entre
internautas, que, em sua maioria,
mal conhecem Pelé.
É mais ou menos como querer
homenagear Tom Jobim, ou Cole
Porter, e fazer uma votação entre
roqueiros para eleger o melhor
compositor. Claro que isso não dá
certo.
Tudo isso sem falar, obviamente, na total ausência de objetividade e representatividade de
uma enquete desse tipo, como
apontaram vários leitores.
É um pouco como a versão internáutica do "disque Marcelinho" concebido por Farah -provando mais uma vez que os cartolas brasileiros fazem escola pelo
mundo.
Tenho um palpite vadio, sem
nenhuma pretensão científica:
brasileiros e argentinos se odeiam
porque se invejam. Aos olhos deles, somos uma África inculta,
caótica e despudorada. Aos nossos olhos, eles são uns janotas arrogantes que se julgam europeus.
Talvez o que eles não suportem
em nós (ou na imagem que fazem
de nós) seja a sensualidade e a
alegria implícitas em nossa "africanidade". Talvez não suportemos o que vemos como seu europeísmo politizado e cosmopolita.
Mas Pelé e Maradona não têm
nada a ver com isso. São quase os
opostos desses estereótipos.
Maradona é um "pibe" meio índio, meio italiano, vindo de uma
periferia tumultuosa como a de
São Paulo ou a do Rio.
Pelé é um homem de negócios
objetivo e elegante. Parece mais
próximo da elite negra norte-americana que da grande massa
dos excluídos brasileiros de todas
as etnias.
Não deixa de ser curiosa essa
sobreposição invertida de clichês:
o negro Pelé é o "bom moço" da
história, enquanto o branco Maradona é o "mau elemento".
Essa brincadeira do acaso põe a
nu o ridículo do preconceito. Fico
com Drummond: "Todo ser humano é um estranho ímpar".
E-mail jgcouto@uol.com.br
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