São Paulo, segunda-feira, 11 de dezembro de 2000

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FUTEBOL
A classe operária vai ao paraíso

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

O atrevido São Caetano, quem diria, chegou lá. Mesmo que não passe pelo Grêmio, já conquistou algo que ninguém esperava no início da Copa JH: é um dos quatro melhores clubes do país e já está na Copa Mercosul do ano que vem.
Pode ser que eu esteja enganado, mas desconfio que a gangue dos 13, ao bolar esse cruzamento de módulos nas oitavas-de-final do torneio, pensava apenas em fazer uma demagogiazinha com os clubes das outras divisões, em busca de apoio político para seu conchavão.
O São Caetano não cumpriu o script e agora tende a se tornar mais uma pedra no sapato da CBF. Os dirigentes do clube já deram a entender que consideram um absurdo o time voltar para a Segundona depois de chegar aonde chegou.
E o Grêmio que não pense que os operários do ABC já estão satisfeitos com o que conseguiram. Eles querem muito mais. A luta continua.
Duas coisas sobre Palmeiras 2 x 2 São Caetano, sábado, no Parque Antarctica.
Primeira: se o juiz não punisse com pênalti uma falta feita fora da área, o destino dos dois times poderia ser outro.
Segunda: a torcida do Palmeiras, ao aplaudir seus jogadores mesmo depois da desclassificação, mostrou uma louvável maturidade.
Está certo que a reação da torcida talvez fosse outra se o time não tivesse vaga garantida na próxima Libertadores, se não estivesse na final da Copa Mercosul e, principalmente, se contasse com jogadores de grande fama e salário em seu elenco.
Parece que a Fifa resolveu dividir entre Pelé e Maradona o tal prêmio de futebolista do século, a ser entregue hoje. É uma solução de compromisso para tentar desatar o "imbroglio" que a própria entidade armou em torno da eleição do melhor do mundo. Mas o estrago já está feito.
Dos dois lados da fronteira Brasil-Argentina, atiçaram-se as vaidades, os brios nacionalistas, os moralismos rasteiros, o racismo e os ódios ancestrais.
Se a intenção era essa, parabéns à Fifa. Mas tudo indica que se tratou, na verdade, da burrada do século. Queriam consagrar Pelé, mas fizeram uma pesquisa entre internautas, que, em sua maioria, mal conhecem Pelé.
É mais ou menos como querer homenagear Tom Jobim, ou Cole Porter, e fazer uma votação entre roqueiros para eleger o melhor compositor. Claro que isso não dá certo.
Tudo isso sem falar, obviamente, na total ausência de objetividade e representatividade de uma enquete desse tipo, como apontaram vários leitores.
É um pouco como a versão internáutica do "disque Marcelinho" concebido por Farah -provando mais uma vez que os cartolas brasileiros fazem escola pelo mundo.
Tenho um palpite vadio, sem nenhuma pretensão científica: brasileiros e argentinos se odeiam porque se invejam. Aos olhos deles, somos uma África inculta, caótica e despudorada. Aos nossos olhos, eles são uns janotas arrogantes que se julgam europeus.
Talvez o que eles não suportem em nós (ou na imagem que fazem de nós) seja a sensualidade e a alegria implícitas em nossa "africanidade". Talvez não suportemos o que vemos como seu europeísmo politizado e cosmopolita.
Mas Pelé e Maradona não têm nada a ver com isso. São quase os opostos desses estereótipos.
Maradona é um "pibe" meio índio, meio italiano, vindo de uma periferia tumultuosa como a de São Paulo ou a do Rio.
Pelé é um homem de negócios objetivo e elegante. Parece mais próximo da elite negra norte-americana que da grande massa dos excluídos brasileiros de todas as etnias.
Não deixa de ser curiosa essa sobreposição invertida de clichês: o negro Pelé é o "bom moço" da história, enquanto o branco Maradona é o "mau elemento".
Essa brincadeira do acaso põe a nu o ridículo do preconceito. Fico com Drummond: "Todo ser humano é um estranho ímpar".

E-mail jgcouto@uol.com.br


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