São Paulo, domingo, 12 de março de 2000


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FUTEBOL
Futebol na TV

TOSTÃO

A linguagem da TV copiou a do rádio, em vez de ter seu próprio estilo. O ouvinte de rádio, estimulado pelos gritos e pelas emoções do narrador, fantasia o que acontece em campo. Sua imaginação está sempre longe da realidade. Quando o locutor diz que a bola raspou a trave, muitas vezes ela passou, no mínimo, a três metros de distância. Alguns torcedores adoram assistir ao jogo pela TV, mas com o som do rádio. Não sei do que mais gostam, a emoção ou os exageros dos locutores.
Na TV, como existe a imagem, deveria ser diferente, como em alguns países. Se o telespectador assiste ao jogo, para que induzi-lo e gritar em seu ouvido? Parece que há uma disputa entre os locutores, para saber quem grita o gol mais alto e por um período mais longo.
Nos últimos meses, ausentei-me dos estádios e tenho assistido aos jogos pela TV. Adoro transmissões em que os narradores e comentaristas dão apenas informações, explicações técnicas e conversam o mínimo necessário, sem gritar, como se estivessem a meu lado, sentados na poltrona. Para mim, é muito mais agradável.
Imagino que os berros, além de hábito, servem para despertar a emoção dos telespectadores, aumentar a audiência e o faturamento das emissoras. A maioria narra como se fossem animadores de auditório. Os donos do futebol sustentam a idéia de que o jogo é entretenimento e show, e não assunto jornalístico. É evidente que existem algumas exceções.
Espero que num futuro próximo, os narradores e comentaristas de TV (eu me incluo) falem cada vez menos. Se a imagem vale mais do que mil palavras, para que falar e gritar tanto?
  Desde a Copa-94, quando passei a trabalhar na TV, ouço sempre dizerem que essa mídia é principalmente forma, em vez de conteúdo, e que a imagem vale mais do que mil palavras. Como não gosto de minha imagem nem de minha voz, tenho a ilusão de ter sempre que falar algo importante.
Hoje, com as várias câmeras em campo, mais computadores, tira-teimas, a discussão prioritária nas partidas não é mais da parte técnica, e sim o que a imagem mostrou. Foi pênalti? Impedimento? A expulsão foi correta? Algumas vezes os tira-teimas dão resultados diferentes dos de outras TVs, o que aumenta as dúvidas.
Os juízes são condenados, xingados e desrespeitados, porque as imagens mostraram que eles erraram. Não considero erro quando a falha somente é percebida pelas imagens da TV. O juiz não é uma máquina nem um computador, que também erram.
Nós comentaristas, somos criticados por dar opiniões imediatas, que posteriormente serão corrigidas por imagens mais detalhadas.
Aprendi na medicina, quando usava diariamente os métodos de diagnóstico por imagens para confirmar ou negar minhas impressões, o quanto as máquinas falham. Elas são imprescindíveis, mas não infalíveis. O médico que só confia nelas erra com bastante frequência, pois além do erro previsível existe o erro humano de quem a opera, além do erro tendencioso, consciente ou não, do observador que a interpreta.
A imagem não pensa, não conhece a essência, a subjetividade e as entrelinhas das coisas. A verdade não está somente no que é visto, mas também no que é entendido e interpretado.
  A palavra que mais se ouve dos narradores, comentaristas, técnicos e jogadores numa partida é espaço, seu excesso ou sua falta.
Se os zagueiros e armadores marcam muito atrás, perto da área, acabam os espaços em suas costas, mas sobram para o rival trocar passes no meio-campo.
Se os zagueiros jogam muito na frente, empurrando os armadores, o time fica mais ofensivo, mas aumentam os espaços para os lançamentos longos em suas costas. Se os zagueiros recuam muito, e os armadores se adiantam, abrem-se espaços entre esses setores, onde o rival pode receber a bola e ir com ela dominada até o gol.
O que fazer? Em 74, a Holanda resolveu o problema temporariamente. A defesa, o meio-campo e o ataque formaram um só bloco, em que todos atacavam, defendiam e confundiam o adversário. Onde a bola estava havia dez holandeses. Era a pelada organizada. Na verdade, abriam-se espaços em sua defesa para os lançamentos longos, mas a velocidade do time e a linha de impedimento evitavam essas jogadas. Essa linha, hoje conhecida por linha burra, era inteligente.
Foi a maior revolução na maneira de jogar de todos os tempos. Ninguém nunca mais conseguiu repeti-la. Foi uma utopia, um sonho que deu certo por pouco tempo. Que os novos técnicos inventem outros caminhos.

E-mail tostao.folha@uol.com.br


Tostão escreve aos domingos e às quartas-feiras

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