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FUTEBOL
Futebol na TV
TOSTÃO
A linguagem da TV copiou a do
rádio, em vez de ter seu próprio
estilo. O ouvinte de rádio, estimulado pelos gritos e pelas emoções
do narrador, fantasia o que acontece em campo. Sua imaginação
está sempre longe da realidade.
Quando o locutor diz que a bola
raspou a trave, muitas vezes ela
passou, no mínimo, a três metros
de distância. Alguns torcedores
adoram assistir ao jogo pela TV,
mas com o som do rádio. Não sei
do que mais gostam, a emoção ou
os exageros dos locutores.
Na TV, como existe a imagem,
deveria ser diferente, como em alguns países. Se o telespectador assiste ao jogo, para que induzi-lo e
gritar em seu ouvido? Parece que
há uma disputa entre os locutores,
para saber quem grita o gol mais
alto e por um período mais longo.
Nos últimos meses, ausentei-me
dos estádios e tenho assistido aos
jogos pela TV. Adoro transmissões
em que os narradores e comentaristas dão apenas informações,
explicações técnicas e conversam
o mínimo necessário, sem gritar,
como se estivessem a meu lado,
sentados na poltrona. Para mim,
é muito mais agradável.
Imagino que os berros, além de
hábito, servem para despertar a
emoção dos telespectadores, aumentar a audiência e o faturamento das emissoras. A maioria
narra como se fossem animadores
de auditório. Os donos do futebol
sustentam a idéia de que o jogo é
entretenimento e show, e não assunto jornalístico. É evidente que
existem algumas exceções.
Espero que num futuro próximo, os narradores e comentaristas
de TV (eu me incluo) falem cada
vez menos. Se a imagem vale mais
do que mil palavras, para que falar e gritar tanto?
Desde a Copa-94, quando passei
a trabalhar na TV, ouço sempre
dizerem que essa mídia é principalmente forma, em vez de conteúdo, e que a imagem vale mais
do que mil palavras. Como não
gosto de minha imagem nem de
minha voz, tenho a ilusão de ter
sempre que falar algo importante.
Hoje, com as várias câmeras em
campo, mais computadores, tira-teimas, a discussão prioritária nas
partidas não é mais da parte técnica, e sim o que a imagem mostrou. Foi pênalti? Impedimento? A
expulsão foi correta? Algumas vezes os tira-teimas dão resultados
diferentes dos de outras TVs, o
que aumenta as dúvidas.
Os juízes são condenados, xingados e desrespeitados, porque as
imagens mostraram que eles erraram. Não considero erro quando
a falha somente é percebida pelas
imagens da TV. O juiz não é uma
máquina nem um computador,
que também erram.
Nós comentaristas, somos criticados por dar opiniões imediatas,
que posteriormente serão corrigidas por imagens mais detalhadas.
Aprendi na medicina, quando
usava diariamente os métodos de
diagnóstico por imagens para
confirmar ou negar minhas impressões, o quanto as máquinas
falham. Elas são imprescindíveis,
mas não infalíveis. O médico que
só confia nelas erra com bastante
frequência, pois além do erro previsível existe o erro humano de
quem a opera, além do erro tendencioso, consciente ou não, do
observador que a interpreta.
A imagem não pensa, não conhece a essência, a subjetividade e
as entrelinhas das coisas. A verdade não está somente no que é visto, mas também no que é entendido e interpretado.
A palavra que mais se ouve dos
narradores, comentaristas, técnicos e jogadores numa partida é espaço, seu excesso ou sua falta.
Se os zagueiros e armadores
marcam muito atrás, perto da
área, acabam os espaços em suas
costas, mas sobram para o rival
trocar passes no meio-campo.
Se os zagueiros jogam muito na
frente, empurrando os armadores, o time fica mais ofensivo, mas
aumentam os espaços para os lançamentos longos em suas costas.
Se os zagueiros recuam muito, e os
armadores se adiantam, abrem-se espaços entre esses setores, onde
o rival pode receber a bola e ir
com ela dominada até o gol.
O que fazer? Em 74, a Holanda
resolveu o problema temporariamente. A defesa, o meio-campo e
o ataque formaram um só bloco,
em que todos atacavam, defendiam e confundiam o adversário.
Onde a bola estava havia dez holandeses. Era a pelada organizada. Na verdade, abriam-se espaços em sua defesa para os lançamentos longos, mas a velocidade
do time e a linha de impedimento
evitavam essas jogadas. Essa linha, hoje conhecida por linha
burra, era inteligente.
Foi a maior revolução na maneira de jogar de todos os tempos.
Ninguém nunca mais conseguiu
repeti-la. Foi uma utopia, um sonho que deu certo por pouco tempo. Que os novos técnicos inventem outros caminhos.
E-mail tostao.folha@uol.com.br
Tostão escreve aos domingos e às quartas-feiras
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