São Paulo, quarta-feira, 12 de julho de 2000


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FUTEBOL
João Sem Medo

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Neste mês , a morte do jornalista João Saldanha, técnico da seleção brasileira nas eliminatórias de 70, completa dez anos. A TV Cultura reprisou, no programa "Roda Viva", uma entrevista feita com Saldanha em 1987. Assisti pela primeira vez.
Desfrutei novamente da inteligência, dignidade e também dos devaneios e fantasias do técnico. João Sem Medo foi um visionário.
Gostava de divagar, filosofar e conversar sobre coisas úteis e inúteis. Nem tudo o que dizia era verídico, mas estava próximo.
Todos nós, uns mais, outros menos, misturamos a realidade com a ficção.
Se não fosse assim, a vida seria muito chata.
Saldanha falou sobre tudo: viradas de mesa, péssimo calendário, maracutaias no futebol, preconceitos como o homossexualismo no esporte, cabeças de área que só sabem fazer faltas, e que foi substituído do cargo de treinador pela ditadura.
Não tenho dúvidas disso.
Os problemas continuam os mesmos. Até o do cabeça-de-área.
Na entrevista, há 13 anos, João afirmara que o grande problema da seleção era que os adversários marcavam os avanços dos laterais brasileiros e os cabeças-de-área, que existiam para fazer a cobertura dos laterais, ficavam sem função. Treze anos de mesmice. Pior, quando tentam cobrir os laterais, chegam atrasados, já que têm de correr lateralmente.
Logo que Saldanha assumiu a seleção, me chamou e foi logo na bucha: "Qual o problema?". Respondi: "Não quero ser o eterno reserva do Pelé". Evidentemente, não queria usurpar a coroa do Rei e sim atuar ao lado dele.
João disse: "A partir de hoje, você é o titular absoluto. Pode atuar mal, que não sai do time".
Ele não sabia o risco que corria. Foi o meu melhor momento na seleção.
Luxemburgo deveria fazer o mesmo com o França. Até o jogador provar que não merece tanto.
Ele não é extraordinário, mas é um excelente jogador. Depois de dois anos de sucesso, não se pode mudar o conceito sobre o França porque ele atuou mal nos últimos jogos.
Recentemente, muitas coisas endoidaram a cabeça do jogador, inclusive a implicância do Levir Culpi. Logo, voltará a brilhar.
Sem a presença do Ronaldo, da Inter, e do Romário, França é o melhor.
Corre-se o risco de ele se sentir o dono do pedaço e não lutar para manter a posição. Não acredito. Muito pior é trocar os atacantes em todos os jogos.
Aliás, neste momento ruim da seleção, pedem cada jogadorzinho... Muitos servem para os clubes, mas não para o time brasileiro. A seleção não está lá essas coisas, mas não vamos mediocrizá-la ainda mais.
Cuidado, Luxemburgo! Não desespere.

O excelente ataque do São Paulo, que fez gols por mais de 30 partidas seguidas, foi anulado pelo Cruzeiro nos dois jogos finais.
No segundo, até o primeiro gol do São Paulo, as duas ótimas oportunidades foram do Cruzeiro, que mereceu o título.
Levir Culpi errou ao colocar o Axel nos momentos finais do jogo, depois de uma longa ausência. Além disso, Fabiano não é nada excepcional, mas é muito superior a Maldonado.
Marco Aurélio não se preocupou com o árbitro, com a elegância no túnel, com sua despedida, nem se iludiu de que o Cruzeiro, em casa, deveria pressionar o São Paulo desde o início.
Preocupou-se apenas com os detalhes essenciais.
Se o Cruzeiro não tivesse privilegiado a marcação e o contra-ataque em quase toda a Copa do Brasil, dificilmente ganharia o título. Foi a vitória da humildade.
A presença do Muller, no momento certo (ele entrou no jogo antes de o São Paulo fazer seu gol), foi decisiva.
Não é comum, mas às vezes técnico ganha jogo, como também perde.
Marco Aurélio disse numa entrevista ao jornalista Antônio Melane, publicada ontem no jornal "Estado de Minas", que somente soube que sairia na sexta-feira, ao contrário do que disseram os diretores do Cruzeiro.
O técnico disse que sabia que havia interesse do Cruzeiro em contratar o Felipão, mas nada oficial. Certamente, deduziu que, se fosse bem, seria mantido no cargo.
Não sei quem fala a verdade.
Luiz Felipe é um excelente técnico, mas o salário que vai receber é assustador.
Nas últimas décadas, a supervalorização dos treinadores (não só financeira) foi uma das causas da piora na qualidade técnica do futebol brasileiro.
São os jogadores que fazem a diferença.

"Eu te invento, ó realidade!" (Clarice Lispector)
E-mail tostao.folha@uol.com.br


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