São Paulo, domingo, 12 de agosto de 2007

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TOSTÃO

Entre a cruz e a espada


Deve haver critérios ao tomar decisões com relação a punir atletas e técnicos por causa de comportamento agressivo


SE O SER HUMANO vive em freqüente conflito entre os seus desejos e instintos e o que é possível e permitido pela sua censura interna (superego) e externa (leis da sociedade), imagine a dificuldade para um atleta, na emoção de uma partida, que ao receber uma falta dura precisa decidir, numa fração de segundos, entre a vontade de revidar e a de conter seu impulso agressivo.
Os jogadores de estopim curto dão logo o troco. Outros conseguem controlar essa agressividade. Mesmo assim, atletas disciplinados, tranqüilos e gentis às vezes perdem a cabeça, como ocorreu com Leonardo na Copa do Mundo de 1994.
Da mesma forma, um técnico transtornado, ao ver seu time perdido em campo, sem saber o que fazer, às vezes, sem pensar, grita para seus jogadores darem porrada, como fez Joel Santana, ao ver o time do Santos tocar a bola para passar o tempo.
A emoção e a rapidez para tomar uma decisão não são motivos para técnicos e atletas não serem punidos. Somos todos responsáveis pelos nossos atos com ou sem intenção. Mas é diferente um técnico e um atleta que planejam uma agressão do que aquele que age instintivamente. A pena não deveria ser a mesma.
Muitos treinadores fazem coisas piores do que Joel Santana e nem são criticados.
Contra o Cruzeiro, o time do Sport, comandado pelo Geninho, passou todo o jogo na defesa, fazendo faltas, algumas violentas, até dois jogadores serem expulsos. É o esquema pega-pega. Geninho tem experiência nisso.
O futebol é um esporte técnico, bonito e também de esperteza. A maioria dos jogadores e treinadores está sempre tentando enganar os adversários e os árbitros por meios éticos e antiéticos, lícitos e ilícitos. Sempre foi assim.
É preciso punir com rigor a indisciplina e a violência, como a do Túlio, com ou sem intenção. Mas não pode também haver exagero nas punições nem policiamento moralista. Muricy Ramalho corre o risco de ser punido por ter dado sua opinião de cidadão contra a absolvição do atacante Dodô.
Não se pode transformar o futebol em um esporte de técnicos conformados nem de atletas bonzinhos, quietinhos e excessivamente equilibrados.
O filósofo Camus, que era goleiro, falou que aprendeu mais a ética no futebol do que na vida. Já um treinador de saltos ornamentais da Universidade de Stanford disse sobre o esporte: "Se quiser desenvolver o caráter, vá fazer outra coisa". Se ele fosse treinador de futebol no Brasil, o que diria? Essa última citação foi tirada do livro "Elogio da beleza atlética", escrito pelo alemão Hans Ulrich Gumbrecht, traduzido por Fernanda Ravagnani, que tive o privilégio de ler e que será publicado pela Companhia das Letras.
A decisão da diretoria do Botafogo de afastar o Zé Roberto, único jogador que não tem um bom reserva com suas características, foi correta, séria, profissional ou deveria ter sido encontrada outra solução, que não prejudicasse o time?
Parece até um dilema existencial, uma discussão filosófica entre os ensinamentos éticos de Camus e a dura realidade (ou inverdade) do professor de Stanford.

tostao.folha@uol.com.br


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