São Paulo, domingo, 12 de agosto de 2007

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Esporte é trilha para reinserção pós-guerra

Atletas paraolímpicos adequam-se mais rápido a deficiências, diz comitê

Dois veteranos que vão competir no Parapan do Rio sofreram acidentes no Iraque; outro tornou-se paraplégico após batalha

DA REPORTAGEM LOCAL
DA SUCURSAL RIO

Antes da Guerra do Iraque, o ex-soldado Scott Winkler, 34, gostava de jogar basquete. Paraplégico após cair de um caminhão em Tikrit, cidade natal de Saddam Hussein, optou por esportes mais desconhecidos do público: lançamento de disco e arremesso de peso. É favoritíssimo para dois ouros no Parapan -possui os recordes mundiais nas duas modalidades.
""Foi muito triste, abalou toda a minha família, mas o importante é que a vida continua. Você não pode parar. Orgulho-me muito de estar aqui", disse Winkler, na Vila do Pan no Rio.
A queda ocorreu há dois anos e meio. O militar estava na sua segunda missão no Iraque. Ele tinha retornado ao país havia apenas duas semanas. Após o acidente, ficou sem o movimento das duas pernas.
"O homem e a mulher têm que reconhecer sua perda. Lembrar que é um pai, um filho. Esse é o primeiro passo para a reabilitação. Então, o esporte pode lhe ajudar com mais confiança, na auto-afirmação", explicou John Register, diretor do programa paraolímpico para militares norte-americanos.
O projeto não fornece apoio psicológico aos veteranos -isso é viabilizado por meio do governo federal. A idéia é reinseri-los na prática do esporte e, depois, descobrir se o ex-militar pode se tornar competitivo.
""Sempre fiz esporte e estou gostando dessa nova fase", declarou Winkler.
Carlos Leon, 22, também é favorito ao ouro nas provas de lançamento de disco e de arremesso de peso. Só que disputa em categorias diferentes do conterrâneo porque tem menos movimentos no corpo.
Seu acidente, no entanto, não foi em uma situação de guerra: sofreu a lesão durante as férias no Havaí, em programa oferecido pelo Exército depois de as tropas deixarem o Iraque.
""Estava me divertindo. Os amigos me jogaram no mar, acabei batendo com as costas numa pedra e perdi os movimentos", contou Leon, que pretende disputar a Paraolimpíada de Pequim, em 2008.
Nem por isso a guerra foi menos traumática para Leon. Filho de imigrantes colombianos, ele se alistou no Exército apenas aos 19 anos, logo após completar o ensino médio. Como pára-quedista, tinha a missão de patrulhar os bairros mais violentos de Bagdá.
""Foram muito tensos aqueles dias. Participei de intensos tiroteios e vi muita tristeza", lembra o militar, que não gosta muito de falar sobre o assunto.
Suas lembranças relacionadas ao esporte são bem melhores. "Espero vencer aqui e superar mais um obstáculo", disse Leon, que disputará no Rio o primeiro torneio internacional.
Os dois militares serão comandados pelo brasileiro Joaquim Cruz, que será o técnico da equipe norte-americana de atletismo no Parapan.
""Não tem muita diferença treinar um atleta com deficiência. Todos têm muita força de vontade, praticamente não muda nada", disse o medalhista de ouro na Olimpíada de 1984. Cruz trabalha no comitê norte-americano há três anos.
Outro norte-americano no Parapan do Rio será James Stuck, 23, que integra a equipe de vôlei sentado. Ele perdeu metade da perna direita, abaixo do joelho, quando o jipe em que estava foi atingido por uma mina, no Iraque, dois anos atrás.
Só passou a praticar o esporte paraolímpico a partir do ano passado. Recentemente, mudou-se para a Universidade de Oklahoma, onde há um centro de treinamento oficial para atletas com deficiência.
Até sexta-feira, não tinha chegado ao Rio, o que estava previsto para ontem à tarde.
Em entrevistas à imprensa americana, o atleta afirmou que nunca tinha pensado que existia um vôlei que não fosse em pé. E disse que era esportista praticante antes do acidente.
Sobre a guerra, mostrou-se temeroso em relação ao que poderia ter acontecido se ficasse no Iraque por mais tempo.
Agora, esses três atletas paraolímpicos servem como exemplo para outros portadores de deficiência. É esse o objetivo do comitê dos EUA.
"Pessoas querem ver os jogos, algumas delas que podem ser de nossas famílias. Isso pode levar outros, veteranos ou não, a aderirem. Podemos dividir nossas histórias. Redescobre-se o indivíduo que pode seguir em frente", disse Register.
Para Pequim, já devem haver 75 atletas veteranos disputando vagas na Paraolimpíada. Até março de 2007, o comitê já conversara com 130 ex-soldados interessados. (RODRIGO MATTOS E SÉRGIO RANGEL)


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