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JOSÉ GERALDO COUTO
Samba triste
A analogia entre futebol
brasileiro e samba é um clichê universal.
Prova disso foi a reação da imprensa australiana à sonolenta
vitória da seleção olímpica sobre
o time do Marconi, de Sydney.
"Os reis do samba reinam", estampou em sua contracapa o
"Daily Telegraph", um dos jornais mais populares de Sydney.
Com ligeiras variações, as reportagens dedicadas ao assunto pelos
outros jornais repetiram o mote.
Até o site oficial da Olimpíada
(www.olympics.com), no texto
dedicado ao assunto, repisa o lugar-comum.
A primeira vez que ouvi a relação futebol-samba explicitada foi
naquela velha marchinha ufanista, se não me engano composta
para comemorar a conquista da
Copa de 58: "Eeeta esquadrão de
ouro:/ é bom no samba,/ é bom no
couro".
A bola já nem é mais de couro,
nem o tamborim de pele de gato,
mas a analogia continua correndo o mundo.
Para reforçá-la, oito entre dez
jogadores brasileiros gostam de
pagode (o nono prefere axé music, enquanto o décimo, música
sertaneja). Alguns praticam, outros só escutam.
O principal menestrel da atual
seleção olímpica é o goleiro Hélton, que anda com o cavaquinho
para cima e para baixo e ensina
os companheiros a tocar.
Pela companhia constante do
cavaquinho, mas também por
sua fala mansa, seu sorriso zen e
sua gentileza sem limites, Hélton
lembra o sambista Paulinho da
Viola, embora fisicamente possa
ser descrito como um Grande Otelo menino que tivesse crescido demais.
Ainda que o repertório dos boleiros seja composto basicamente
pelos mais comerciais "sambanejos" que infestam a programação
das rádios e TVs, Hélton figura no
meio deles como um lembrete de
que existe no Brasil uma linhagem mais nobre, que tenho dificuldade de definir.
Dos artistas populares brasileiros? A definição é ampla demais.
Dos "sambistas de raiz"? Restrita
demais. Do "homem cordial" brasileiro? Pior ainda.
Talvez seja mais fácil uma
aproximação, digamos, "por
amostragem". Hélton nos lembra
uma estirpe que inclui figuras tão
díspares como Cartola, Ademir
da Guia, Dorival Caymmi e
-claro- Paulinho da Viola.
O que há em comum entre eles é
uma elegância profundamente
brasileira. (Atenção, patrulhas:
não estou dizendo que é melhor
do que as outras, apenas que é diferente.)
Esse refinamento, essa elevação
de espírito, nós os estamos perdendo dia a dia, a olhos vistos, na
selva da sobrevivência num país
sucateado. Triste Brasil.
E-mail jgcouto@uol.com.br
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