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Seja o que o futebol quiser
TOSTÃO
Colunista da Folha
O que sente o jogador antes de
uma final? A sabedoria popular
diz que cada um se comporta de
seu jeito. Talvez, o mais comum
seja o atleta ficar nervoso (ele não
admite), dormir mal, ter pesadelos, sonhar que venceu ou perdeu
o título (o sonho é a realização de
um desejo ou sua negação), transpirar mais do que o habitual, ir
com mais frequência ao banheiro
e ter muitas outras perturbações
emocionais e fisiológicas.
Hoje, a concentração para um
jogo é a mesma de outros tempos.
Numa decisão, as coisas pioram.
Os jogadores são tirados de casa
vários dias antes da partida, do
carinho de sua família, da companhia de sua amada, seu travesseiro, suas manias, suas músicas e
seus livros preferidos.
Muitos atletas dormem mal na
concentração e ainda são obrigados a escutar músicas que não
gostam (na minha época, contrariado, decorei as letras de Roberto
Carlos, Jerry Adriani, os boleros
de dor de cotovelo do Gregório de
Barros e outros). Hoje, adoram o
pula-pula do Padre Marcelo, os
pagodeiros e os Tchans.
A leitura preferida era muito
parecida com a de hoje. Além das
revistas de quadrinhos, havia um
autor americano (não lembro seu
nome) que era um grande sucesso
com suas frases. Elas são as mesmas dos atuais livros de auto-ajuda: ""O importante é ser feliz",
""Você pode conseguir tudo o que
quiser", ""O melhor jogador é o
que vai jogar melhor (esta foi uma
das preferidas nas palestras para
a seleção de 98)."
Pior é que esses clichês, pensamentos positivos e outras babozeiras passaram a fazer parte do trabalho de alguns psicólogos. É a
psicologia de sugestão. Em vez de
entender, o que leva tempo, é mais
fácil e simples decorar algumas
frases e repeti-las. O mundo atual
está substituindo o conteúdo, o espontâneo e o natural pelo fabricado, formal e encenado.
Muitos jogadores aproveitam a
concentração, principalmente em
decisões, para recuperar o sono
perdido. Se jogam na quarta-feira, não costumam dormir bem
após a partida e também aproveitam a folga do dia seguinte para
se divertir e tirar o atraso, porque,
afinal, ninguém é de ferro. Outros
vão comer em bons restaurantes,
para depois fazer dieta na concentração, onde tudo é calculado e
pesado pela nutricionista.
À noite, existe a turma do carteado. Só vão para a cama depois
de jogar baralho.
O que os atletas sonham no dia
do jogo? Frequentemente com a
partida. Às vezes, com a bola picando na sua frente, debaixo da
trave. Os otimistas bons de bola
fazem o gol, e os pessimistas ruins,
dão uma furada e perdem o título.
Como será o sonho do otimista
ruim de bola? E do pessimista
bom de bola? Será que, no sonho,
acertam a bola na trave?
Os jogadores que dormem mal e
não se sentem bem têm vontade
de conversar com o médico, o técnico, mas falta coragem. Pode-se
supor que ele está com medo, e, se
não for o craque do time, será
substituído. Para outros, é a oportunidade de cair fora. Algumas
vezes, presenciei isso. A verdade
não é dita, e acabam arrumando
uma forte gripe para o jogador.
Os atletas vão ao estádio batucando e cantando samba. Outros
preferem o silêncio, a reflexão e a
concentração. Estes, geralmente,
são os craques, os mais cobrados.
Nos vestiários, cada um mostra
seu ritual e sua superstição: beijam medalhinhas, usam a mesma
roupa, o mesmo banheiro etc.
Antes de começar o jogo, os atletas escutam a última preleção do
técnico. Na minha época, com algumas exceções, a palestra era a
mesma para todos os jogos. Somente mudava o nome do adversário. Hoje, uma grande parte dos
treinadores estuda o outro time.
Alguns, até demais.
Por último, rezam alto e em
conjunto (a união faz a força).
Depois, gritam palavrões para expulsar os medos. Dão a última mijadinha, sobem o túnel nervosos,
escutam os fogos, ficam arrepiados, e o coração dispara. Alguns
têm vontade de voltar correndo,
mas vão em frente, empurrados
pelos outros. Primeiro, colocam o
pé direito no gramado. Depois,
beijam novamente as medalhinhas. Seja o que o futebol quiser.
A desacreditada equipe do Atlético-MG ganhou os aplausos de
seus torcedores e o respeito de todo Brasil. Esse reconhecimento
vai servir de estímulo para o time
sonhar mais alto. Nas duas partidas na Bahia, principalmente no
segundo jogo, o Galo mostrou que
pode ganhar do Corinthians, até
fora do Mineirão.
No início do campeonato, Marques era o único jogador considerado brilhante da equipe, apesar
de ser pouco valorizado fora de
Minas Gerais. Hoje, todos estão
em alta. O zagueiro Cláudio Caçapa, se continuar bem nesses jogos finais, pode ser convocado para a seleção.
O Corinthians é a única equipe
do Brasil que tem cinco jogadores
no meio-campo e no ataque, além
de Dida, com qualidade técnica
para ser titular da seleção brasileira e de qualquer outra do mundo. No entanto, se o time se preocupar excessivamente em defender e proteger seus frágeis zagueiros e não ousar no ataque, corre
grandes riscos de perder.
Após a primeira fase, o time que
perdeu o primeiro jogo não conseguiu se classificar. Se hoje der Galo, o que não é mais surpresa, acaba o favoritismo corintiano.
Tostão escreve aos domingos e às quartas-feiras
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