São Paulo, Domingo, 12 de Dezembro de 1999


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Seja o que o futebol quiser

TOSTÃO
Colunista da Folha

O que sente o jogador antes de uma final? A sabedoria popular diz que cada um se comporta de seu jeito. Talvez, o mais comum seja o atleta ficar nervoso (ele não admite), dormir mal, ter pesadelos, sonhar que venceu ou perdeu o título (o sonho é a realização de um desejo ou sua negação), transpirar mais do que o habitual, ir com mais frequência ao banheiro e ter muitas outras perturbações emocionais e fisiológicas.
Hoje, a concentração para um jogo é a mesma de outros tempos. Numa decisão, as coisas pioram. Os jogadores são tirados de casa vários dias antes da partida, do carinho de sua família, da companhia de sua amada, seu travesseiro, suas manias, suas músicas e seus livros preferidos.
Muitos atletas dormem mal na concentração e ainda são obrigados a escutar músicas que não gostam (na minha época, contrariado, decorei as letras de Roberto Carlos, Jerry Adriani, os boleros de dor de cotovelo do Gregório de Barros e outros). Hoje, adoram o pula-pula do Padre Marcelo, os pagodeiros e os Tchans.
A leitura preferida era muito parecida com a de hoje. Além das revistas de quadrinhos, havia um autor americano (não lembro seu nome) que era um grande sucesso com suas frases. Elas são as mesmas dos atuais livros de auto-ajuda: ""O importante é ser feliz", ""Você pode conseguir tudo o que quiser", ""O melhor jogador é o que vai jogar melhor (esta foi uma das preferidas nas palestras para a seleção de 98)."
Pior é que esses clichês, pensamentos positivos e outras babozeiras passaram a fazer parte do trabalho de alguns psicólogos. É a psicologia de sugestão. Em vez de entender, o que leva tempo, é mais fácil e simples decorar algumas frases e repeti-las. O mundo atual está substituindo o conteúdo, o espontâneo e o natural pelo fabricado, formal e encenado.
Muitos jogadores aproveitam a concentração, principalmente em decisões, para recuperar o sono perdido. Se jogam na quarta-feira, não costumam dormir bem após a partida e também aproveitam a folga do dia seguinte para se divertir e tirar o atraso, porque, afinal, ninguém é de ferro. Outros vão comer em bons restaurantes, para depois fazer dieta na concentração, onde tudo é calculado e pesado pela nutricionista.
À noite, existe a turma do carteado. Só vão para a cama depois de jogar baralho.
O que os atletas sonham no dia do jogo? Frequentemente com a partida. Às vezes, com a bola picando na sua frente, debaixo da trave. Os otimistas bons de bola fazem o gol, e os pessimistas ruins, dão uma furada e perdem o título. Como será o sonho do otimista ruim de bola? E do pessimista bom de bola? Será que, no sonho, acertam a bola na trave?
Os jogadores que dormem mal e não se sentem bem têm vontade de conversar com o médico, o técnico, mas falta coragem. Pode-se supor que ele está com medo, e, se não for o craque do time, será substituído. Para outros, é a oportunidade de cair fora. Algumas vezes, presenciei isso. A verdade não é dita, e acabam arrumando uma forte gripe para o jogador.
Os atletas vão ao estádio batucando e cantando samba. Outros preferem o silêncio, a reflexão e a concentração. Estes, geralmente, são os craques, os mais cobrados. Nos vestiários, cada um mostra seu ritual e sua superstição: beijam medalhinhas, usam a mesma roupa, o mesmo banheiro etc.
Antes de começar o jogo, os atletas escutam a última preleção do técnico. Na minha época, com algumas exceções, a palestra era a mesma para todos os jogos. Somente mudava o nome do adversário. Hoje, uma grande parte dos treinadores estuda o outro time. Alguns, até demais.
Por último, rezam alto e em conjunto (a união faz a força). Depois, gritam palavrões para expulsar os medos. Dão a última mijadinha, sobem o túnel nervosos, escutam os fogos, ficam arrepiados, e o coração dispara. Alguns têm vontade de voltar correndo, mas vão em frente, empurrados pelos outros. Primeiro, colocam o pé direito no gramado. Depois, beijam novamente as medalhinhas. Seja o que o futebol quiser.



A desacreditada equipe do Atlético-MG ganhou os aplausos de seus torcedores e o respeito de todo Brasil. Esse reconhecimento vai servir de estímulo para o time sonhar mais alto. Nas duas partidas na Bahia, principalmente no segundo jogo, o Galo mostrou que pode ganhar do Corinthians, até fora do Mineirão.
No início do campeonato, Marques era o único jogador considerado brilhante da equipe, apesar de ser pouco valorizado fora de Minas Gerais. Hoje, todos estão em alta. O zagueiro Cláudio Caçapa, se continuar bem nesses jogos finais, pode ser convocado para a seleção.
O Corinthians é a única equipe do Brasil que tem cinco jogadores no meio-campo e no ataque, além de Dida, com qualidade técnica para ser titular da seleção brasileira e de qualquer outra do mundo. No entanto, se o time se preocupar excessivamente em defender e proteger seus frágeis zagueiros e não ousar no ataque, corre grandes riscos de perder.
Após a primeira fase, o time que perdeu o primeiro jogo não conseguiu se classificar. Se hoje der Galo, o que não é mais surpresa, acaba o favoritismo corintiano.

Tostão escreve aos domingos e às quartas-feiras

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