São Paulo, sábado, 13 de janeiro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ATLETISMO
Mito norte-americano, 9 ouros olímpicos, se compara ao brasileiro
Prazer de ir além é o legado transmitido por Adhemar

Adhemar Ferreira da Silva é carregado em sua chegada ao Brasil após conquistar o ouro em Helsinque-52 (1), mostra medalha do bicampeonato olímpico (2); o ex-recordista mundial, que sonhava ser cantor, toca violão (3), participa de seu primeiro Pan-Americano (4), dá volta olímpica após o ouro em Helsinque (5) e mede salto durante treino junto com seu técnico Dietrich Gerner (6) CARL LEWIS


Deixei de competir após a Olimpíada de Atlanta, em 1996, quando ganhei minha nona medalha de ouro como membro da minha quinta e última equipe olímpica.
Logo depois, alguém me perguntou o que eu escreveria no meu epitáfio.
Era um modo interessante de contemplar o fim da minha carreira no atletismo -carreira que ocupou quase duas décadas, correndo e saltando pelo mundo afora com os dizeres "Santa Monica Track Club" e "USA" estampados em meu peito.
No fim das contas, outros definirão meu legado, que é como deve ser.
Mas espero ser lembrado por mais que apenas medalhas, recordes e estatísticas.
Gostaria de ser lembrado também pelo que fiz para fomentar o atletismo como esporte profissional. Gostaria de ser lembrado por minha luta contra as drogas que pretendem melhorar o desempenho atlético.
Gostaria de ser conhecido como alguém que influenciou a redefinição dos limites da longevidade do atletismo.
Mais que tudo, porém, gostaria de ser lembrado por meu entusiasmo e como esse entusiasmo pode ter afetado e até motivado outras pessoas -especialmente os atletas mais jovens e as crianças em geral.
Revendo a carreira de Adhemar Ferreira da Silva, mais uma vez me vêm à lembrança esses pensamentos acerca de legados.
Claro, Adhemar Ferreira da Silva treinou e competiu muito antes que o profissionalismo e as drogas fossem abertamente discutidos pelos atletas olímpicos.
Por isso, a verdade é que não podemos estabelecer nenhuma comparação aí.
Mas, nos outros dois itens -longevidade e entusiasmo-, eu aparentemente tive um bocado em comum com esse grande brasileiro.
Longevidade?
Adhemar Ferreira da Silva foi um campeão de salto triplo que reinou nessa modalidade durante toda a década de 50, estabelecendo recordes mundiais e ganhando uma sucessão de medalhas de ouro tanto nos Jogos Pan-Americanos (1951, 1955 e 1959) quanto nas Olimpíadas (1952 e 1956).
Que histórico esse!
E precisamos lembrar que naquele tempo os atletas costumavam participar de uma única Olimpíada e depois ir cuidar da vida, longe de seu esporte.
Entusiasmo?
E o impacto de seu entusiasmo?
Basta olharmos para a longa lista de praticantes brasileiros do salto triplo que, em anos posteriores, sucederam Da Silva nos pódios: Nelson Prudêncio, João Carlos de Oliveira e muitos outros.
Que tributo ao homem que os antecedera!
Para mim, as Olimpíadas ficaram sintetizadas numa de minhas citações prediletas, uma passagem do guru indiano Sri Chinmoy: "Todos os atletas deveriam ter em mente que eles estão competindo não uns contra os outros, mas com suas próprias capacidades. O que quer que se tenha realizado, é preciso ir além".
Essa é uma idéia à qual retornei sempre que precisei de uma injeção de ânimo competitivo.
Podem acreditar: o prazer de "ir além" é a sensação mais inacreditável do mundo.
Eu o experimentei muitas vezes.
E Adhemar Ferreira da Silva também.
Não importam as vastas diferenças de tempo e lugar entre nossas épocas e nossas pátrias.
Trata-se de algo que sempre teremos em comum, algo que sempre compartilharemos.

Frederick Carl Lewis, 39, conquistou nove medalhas olímpicas de ouro e foi eleito o atleta do século em esportes atléticos em eleição promovida pelo Unicef em 1999. O norte-americano escreveu o texto acima em agosto de 2000, especialmente para o livro "Herói por Nós - Adhemar Ferreira da Silva, o ouro negro brasileiro", biografia escrita por Tânia Mara Siviero e editada pela DBA, com patrocínio da BM&F Brasil


Texto Anterior: Repercussão
Próximo Texto: Amigos reclamam de esquecimento
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.