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Tevez, "maloqueiro e sofredor"
Conheça a luta do menino que cresceu em favela e brilhou no Boca, de onde saiu para se apresentar hoje ao Corinthians
ADRIANO PESSINI
DO "AGORA", EM BUENOS AIRES
"Corintiano, maloqueiro e sofredor." A partir de agora, o grito
da Gaviões da Fiel tem tudo a ver
com a trajetória de Carlos Tevez.
Em meio a um cenário de pobreza
e violência, o argentino, que tem
chegada prevista para hoje a São
Paulo, conseguiu pela bola arrumar trocados desde os dez anos.
Morador de Fuerte Apache,
misto de conjunto habitacional e
favela de 3 de Febrero, município
a noroeste de Buenos Aires, o garoto dividia seu tempo entre três
times: o Estrellas del Uno, do prédio número um do Fuerte, o Santa Clara, que reunia todos os garotos do conjunto habitacional, e o
Villa Real, de um bairro vizinho,
que jogava a liga infantil do país.
"Ele era um menino bom, respeitador, mas que só queria jogar
bola. Se não estivesse em casa ou
na escola, era só procurar no campinho aí da frente", brinca o pedreiro e eletricista René Yucra,
que cuida da casa onde Tevez viveu e onde ainda há troféus dele.
"Deve ter uns dez. Depois que
ele ficou famoso, sempre vem alguém para levar mais um."
Nos finais de
semana, Carlitos ainda defendia uma
grana nos campos perto de
onde morava.
Aos dez anos,
jogava com garotos com o
dobro de sua
idade. "Ele não
sentia medo,
encarava os
marmanjos.
Não sei quanto
ganhava, podia variar de um refrigerante ou um dinheirinho, mas
era pouca coisa", diz o vizinho
Carlos, que, como boa parte dos
moradores do Fuerte Apache,
prefere não dizer seu sobrenome.
"Todos queriam o Carlitos em
seu time. Também tinha um
monte de aposta. O pessoal sempre apostava no time em que ele
jogava", afirma Yucra.
Para se proteger dos maiores,
Tevez usava dois pares de caneleiras: em cada perna, punha uma
na frente e outra atrás.
"Eu o vi fazer isso muitas vezes.
Ele dizia que daí poderia jogar como sempre jogava, sem medo. Tinha vezes também que ele colocava duas meias em cada pé. Mesmo
com todas essas coisas, todo esse
monte de proteção, ele não perdia
a habilidade e a velocidade", diz
Egidio Forastieri, que jogou por
oito anos com ele no Villa Real.
Segundo Piño Hernández, técnico do infantil do Villa Real, Egidio era melhor que Tevez. "Os
dois eram bons, mas Egidio era
melhor mesmo", afirma.
"Tive problemas no joelho e não
segui em frente", reclama Egidio,
20, com tristeza e saudade. Hoje
ajuda o pai num serviço de fretes.
Teve melhor sorte que outro colega do Villa Real, o goleiro Darío
Cabañas. Nascido no Fuerte, também atuou no Santa Clara com
Tevez e eram grandes amigos. Os
rumos mudaram quando ambos
fizeram 17 anos.
Tevez, que já era do Boca, foi jogar o Mundial Sub-17 da Fifa pela
Argentina, em Trinidad e Tobago.
Cabañas, que jogava no Vélez
Sarsfield, foi assassinado no próprio Fuerte Apache.
"Comentavam que o Darío estava envolvido com crime, alguns
roubos e encontrou a morte cedo", conta Facundo, outro vizinho. Carlitos só soube da morte
do amigo depois que a Argentina
foi eliminada pela França, nas semifinais. O baque foi grande.
"Ele ficou muito triste, nem parecia o mesmo", afirma Facundo.
O responsável pela ida de Tevez
ao Boca é Ramón Maddoni, que
tem um currículo de olheiro respeitável. Aos 63 anos, já descobriu
Riquelme, Sorín, Redondo, Cagna, Placente e Coloccini.
Sobre Tevez, porém, Maddoni
não mede palavras. "Ele é a minha
maior alegria no futebol", diz,
com os olhos rasos. O jogador já
afirmou muitas vezes que o considera como um segundo pai.
Para o técnico das categorias infantis do Club Parque, do norte de
Buenos Aires, Tevez foi um achado bastante tranqüilo.
"Esse foi fácil. Ele jogou contra a
gente, desequilibrou e falei para
ele vir jogar conosco. Ele aceitou e
começamos a trabalhar juntos."
Tevez atuava pelo Santa Clara.
À época, jogava baby-futebol
-uma espécie de futsal que se
disputa com cinco na linha até os
meninos completarem 13 anos.
Depois de trabalhar por 17 anos
no Argentinos Juniors, há nove
anos Maddoni está no Boca e foi
para lá que ele levou Carlitos, então com 13
anos. Questionado sobre as
maiores características do
pupilo, não
tem dúvida.
"Ele tem técnica, sabe jogar, sabe se
portar em
campo, tem
sempre agressividade, não
desiste nunca.
E, para finalizar, treinou
fundamentos
aqui conosco",
destaca.
Maddoni
atualmente está acompanhando outro
irmão de Tevez
nas categorias
de base do Boca -Miguelito, de 13 anos.
O treinador,
no entanto,
prefere esperar
mais para dizer
se o novo atleta
vai vingar no
esporte.
Em 1998,
quando já tinha 14 anos e
treinava no Boca, Carlitos arrumou outro
modo de ganhar dinheiro:
ser gandula do
time principal.
Ninguém sabe quanto ele
ganhava, já que
o peso estava
atrelado ao dólar e o poder de
compra era outro, mas, segundo
um diretor das categorias de base
do Boca, o valor deve estar "por
volta de uns 50 pesos[R$ 46]".
Mas não era o dinheiro que motivava Tevez a ser gandula e sim o
sonho de tirar uma foto ao lado
do ídolo Juan Román Riquelme.
Um dia, o meia, hoje no Villarreal da Espanha, aceitou a súplica.
Tempo depois, o gandula seria
seu parceiro na equipe. Em 2002,
o Boca lhe alugou uma casa e lhe
deu um Renault Scénic.
Agora, campeão olímpico, da
Libertadores e do Mundial interclubes e valendo US$ 22 milhões,
o jogador chega ao Corinthians
para seu próximo capítulo.
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