São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2000


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FUTEBOL
Modelo à época da faculdade, Oswaldo de Oliveira conta a trajetória de sua carreira até o título mundial
O garoto Coca-Cola que virou técnico

MAÉRCIO SANTAMARINA
da Reportagem Local

Ele foi garoto-propaganda da Coca-Cola na Copa de 1978 e hoje comanda um time patrocinado pela concorrente Pepsi.
Fluente em quatro idiomas -inglês, árabe e espanhol, além do português-, Oswaldo de Oliveira, 49, é um dos poucos treinadores do futebol brasileiro que se prepararam para isso. Estudou na Universidade Federal do Rio de Janeiro, se especializando em técnica de futebol.
Como jogador, o seu grande sonho de infância, teve frustração. Viu, então, como saída, fazer o curso de educação física para poder trabalhar no futebol.
Virou técnico por acaso e, em oito meses, foi campeão paulista, brasileiro e mundial.
Para o futuro, pensa em se dedicar a obras sociais, utilizando o futebol como meio para isso.

Folha - Como foi a sua carreira de modelo?
Oswaldo de Oliveira -
Quando passei no vestibular, entrei em uma turma que começaria só no segundo semestre. Como teria seis meses livres, fui procurar alguma coisa para fazer. Trabalhei no laboratório de uma empresa americana que fazia uma empreitada para a Petrobras no Rio. Foram fazer um documentário sobre a obra. O diretor da equipe disse que eu fotografava bem e me convidou para fazer uma propaganda para a TV. Era para o Dia de Ação de Graças de 72. Essa propaganda passou cinco anos seguidos na TV na época do Natal, mas eu só recebi o cachê no primeiro ano.

Folha - E a Coca-Cola?
Oliveira -
Depois dessa propaganda, fiz fotografias, desfiles, até que, em 1978, fui chamado para fazer a propaganda da Coca-Cola para a Copa do Mundo. Quem diria que hoje eu estaria num time patrocinado pela Pepsi... Era um trabalho free-lance, porque eu me dedicava mais à faculdade.

Folha - Como é a sua vida fora do futebol?
Oliveira -
Tem sobrado muito pouco tempo, mas procuro sempre fazer coisas que eu gosto, como ouvir música, ler, assistir a bons filmes, ir com a minha família ao teatro, praticar alguns esportes diferentes, como jogar squash, pedalar, nadar.

Folha - Que música ouve?
Oliveira -
Gosto muito de música brasileira, principalmente instrumental, como Sivuca, Wagner Tiso, Paulo Moura. Gosto muito de ouvir Dory Caymmi cantando e toda a sua família, Luiz Melodia, Maria Bethânia, Caetano... Gosto de jazz, ouço muito Toots Thielemans, Sonny Rolins...

Folha - E na literatura?
Oliveira -
Eu passo por fases. Houve uma época em que li tudo de Jorge Amado em sequência. Depois veio aquela fase final da revolução, a abertura, e os livros da época da repressão começaram a pipocar daqui e dali. Li tudo o que apareceu. Hoje em dia estou em uma fase mais light. Estou lendo aquela série "Inveja", "Ira", "Luxúria" (a coleção "Plenos Pecados", da editora Objetiva, dedicada aos sete pecados capitais. Os três pecados citados foram abordados por Zuenir Ventura, José Roberto Torero e João Ubaldo Ribeiro, respectivamente).

Folha - Extrai ensinamentos para o futebol?
Oliveira -
Não, não sou de tirar uma frase, um dito ou um ensinamento. Isso pode acontecer de uma forma indireta.

Folha - Você falou em livros da época da repressão. Como é o seu lado político?
Oliveira -
Eu convivi com a repressão ainda na juventude e, claro, era contra. Participei de movimentos e tudo. Nunca deixei de acompanhar, mas votei muito pouco porque não era permitido, e, quando passou a ser, eu estava fora do Brasil. Procuro acompanhar para não ficar alienado, mas não tive muita participação porque só há três anos voltei.

Folha - Qual foi a sua última eleição e para quem votou?
Oliveira -
Votei no César Maia (ex-PFL, hoje no PTB) para governador, no Rio de Janeiro.

Folha - E quanto à religião?
Oliveira -
A minha formação é católica. Quando penso em Deus, penso de uma forma católica, como os muçulmanos com os quais convivi no Oriente Médio pensam através do islamismo. Mas acho que Deus é um só, uma força muito grande que rege o mundo.

Folha - Como foi sua passagem no Oriente Médio no período da Guerra do Golfo? No Qatar, onde estava, deu para sentir a guerra de perto?
Oliveira -
Claro que sim, mesmo estando a 900 km de distância do Iraque. Quando estava voltando de férias do Brasil em agosto de 1990, o Iraque invadiu o Kuait. Convivi com aquele clima de negociação até janeiro de 1991, quando estourou realmente a guerra. Mandamos as nossas famílias de volta ao Brasil uma semana antes. Nós, treinadores brasileiros, tivemos de conviver uma semana com a guerra até conseguirmos regressar.

Folha - Qual foi o seu maior temor na guerra?
Oliveira -
Um dia, às 9h da manhã, quando ainda estava dormindo, ouvi o estrondo de um míssil bem perto de onde eu morava. Havia uma base americana numa ilha próxima ao Qatar, e eles lançavam mísseis para lá.
Disseram que tinha sido o barulho de um avião supersônico rompendo a barreira do som, mas ficamos sabendo que o míssil tinha caído no porto do Qatar, a três quilômetros da minha casa. Tínhamos muito medo também das bombas químicas. Tivemos de vedar o apartamento inteiro. Ficávamos em grupo nas casas, abastecidos com suplementos alimentares e água.

Folha - Após três anos de seu retorno ao Brasil, você inaugura um novo perfil de técnico, que troca a linha-dura pelo diálogo. Como isso ocorreu?
Oliveira -
Foi uma coisa natural. Eu não tive a intenção de modificar nada. Vim trabalhar no futebol com a minha personalidade e a minha característica. E encontro alguns homônimos (sic). Vejo algumas pessoas parecidas comigo. Posso citar o Paulo Autuori, o já falecido Ênio Andrade...

Folha - Essa é uma tendência que vem se consolidando?
Oliveira -
Acho que não. Não acredito que haja uma mudança de comportamento porque cada um vem com a sua característica. A minha é essa, e me comporto dessa maneira.

Folha - Como começou a sua carreira?
Oliveira -
Eu sempre quis ser jogador de futebol. Como não consegui, fui fazer faculdade de educação física para trabalhar com futebol. A minha intenção não era estritamente ser treinador, mas estar no futebol. Estou há 24 anos nessa área. E a minha ascensão tem sido natural. Nunca disse que queria ser técnico, nunca pedi para ser. Tanto que eu era preparador físico e praticamente comecei a ser auxiliar com o Renê Simões na Jamaica e com o Wanderley Luxemburgo no Santos. E quando o Wanderley deixou o Corinthians para trabalhar na seleção, as pessoas, de forma unânime, acharam que eu era o nome para continuar o trabalho. No princípio eu relutei, mas eles acabaram me convencendo e aqui estou.

Folha - Por que você relutou?
Oliveira -
Primeiro porque era para substituir o Wanderley, o treinador da seleção. Segundo porque era o Corinthians, campeão brasileiro. Isso realmente é uma coisa que exige demais. Eu ia sair de uma situação bem mais cômoda, um trabalho que eu gostava de fazer, às vezes até intelectual, para outra que eu sabia que ia ser muito difícil.

Folha - Em oito meses você foi campeão paulista, brasileiro e mundial, tudo que um técnico poderia sonhar em uma carreira mais longa. Você se surpreendeu com a ascensão meteórica?
Oliveira -
Foi mesmo meteórica. Não me lembro de nenhum treinador que tenha ganho em oito meses os títulos que ganhei. Mas surpreender não, porque eu tenho consciência da minha capacidade e sei que tenho um bom time na mão, com uma estrutura de clube que me favorece, uma comissão técnica muito competente, com os seus departamentos muito bem definidos. Mas, realmente, as três competições em uma escalada progressiva é uma coisa que realmente pode até ser encarada como surpreendente.

Folha - Em algum momento você pensou em desistir?
Oliveira -
Não, porque eu lutei a minha vida inteira para trabalhar no futebol. Mas houve momentos de baixa, em que fiquei muito triste. Mas consegui, como se diz na gíria, dar a volta por cima.

Folha - Quando seu comando era questionado no Corinthians, o que passava pela sua cabeça?
Oliveira -
Eu não tinha que provar para mim e nem para os meus comandados que eu estava comandando, mas eu ficava aborrecido porque sabia que não era verdade. Eu tinha todo o controle do trabalho nas minhas mãos, embora de uma forma diferente.

Folha - Quem manda no Corinthians?
Oliveira -
Quem manda é o presidente Dualib, porque o Corinthians é muito grande. No time de futebol, eu comando com a minha comissão técnica.

Folha - A ética é muito questionada no futebol. Com sua formação, como vê essa problemática? Falta ética ao futebol?
Oliveira -
Realmente, porque o futebol é abrangente demais, gera muitos interesses, principalmente publicidade e dinheiro, e essas coisas às vezes fazem as pessoas esquecerem determinados valores. Eu acredito que, com o profissionalismo entrando no futebol como vem acontecendo, esses valores vão ser reavaliados. E a tendência é crescer, com os profissionais cada vez mais se respeitando.

Folha - O futebol aliena?
Oliveira -
Olha, deveria lhe dizer que sim, embora eu faça parte dele, porque o futebol ocupa muito espaço, toma muito tempo das pessoas. Mas é uma atividade salutar, que tem muitos valores importantes, valores que são favoráveis à integração da sociedade. O futebol tem um fator que pode alienar pela sua grandeza, fazendo com que as pessoas esqueçam outras coisas. Mas também pode agregar grupos de amigos.

Folha - Já teve algum drama de consciência por dedicar a sua vida a um esporte que vê, de certa forma, como alienante?
Oliveira -
Não, porque sempre procurei fazer no futebol uma coisa que visse o outro lado. Converso sempre com os meus jogadores e procuro passar para eles o outro lado da vida. Principalmente pelo fato de a carreira ser a jato, ocupando no máximo um quarto de toda a vida do atleta. Não tenho esse drama de consciência porque eu luto pelo outro lado.

Folha - Diante dos problemas de distribuição de renda no Brasil, como você encara os altos salários dos jogadores?
Oliveira -
Isso é muito efêmero, porque só uma minoria tem grandes salários. A maioria é assalariada. Aparecem, é lógico, os grandes ídolos, atletas de seleção, que são mais favorecidos. Mas a camada representativa do futebol tem salários bem menores.

Folha - Já pensou no que fazer após encerrar a carreira?
Oliveira -
Por enquanto não penso em parar. Um dia vou ter que parar, daí penso em seguir dentro do futebol mesmo, em uma outra função. Se eu conseguir uma realização profissional mais convicta, penso em trabalhar em obras sociais, até utilizando o futebol como um meio.

Folha - Dirigir a seleção é um sonho? Ou sonha em treinar, por exemplo, um time europeu?
Oliveira -
Por enquanto não. Por enquanto essa coisa do Corinthians está muito viva para mim e não consigo alçar o meu olhar para além desse horizonte. Futuramente, se as coisas continuarem dando certo, posso mudar o meu ponto de vista. Não penso em sair do Brasil até porque passei 15 anos fora, na Arábia. Penso, sim, em ir à Copa do Mundo como auxiliar do Wanderley.

Folha - O que o Luxemburgo representa para você?
Oliveira -
O Wanderley foi meu jogador, fui preparador físico dele no Botafogo em 1980. Ele foi a minha válvula propulsora, me deu a oportunidade de iniciar a minha carreira de treinador. Sou muito grato e acho que ele é importantíssimo na minha carreira.

Folha - Fica incomodado com comparações a ele ou quando dizem que, proporcionalmente ao tempo de carreira, você já conquistou mais que ele?
Oliveira -
A mim não, porque é uma coisa eventual. Acredito que, se ele tivesse continuado no Corinthians, teria conquistado as mesmas coisas que eu conquistei. Foi uma coisa de oportunidade. Eu estava aqui na hora certa e acabou acontecendo. Ele também conquistou a Copa América, classificou o Brasil para a Olimpíada...

Folha - Vencendo tudo o que disputou até agora, não teme que isso passe a ser uma exigência, aumentando a cobrança, como no caso das defesas de pênalti do goleiro Dida, que deixaram de ser uma exceção e se transformaram em uma obrigação para a torcida?
Oliveira -
Ainda não tinha pensado nisso, mas é uma coisa que está aí. Não vamos ganhar a vida inteira. Os maiores times do mundo não ganham tudo. Muitos, aliás, vão passar a vida inteira e não vão fazer o que fizemos. Acho que as pessoas terão de compreender quando isso acontecer.

Folha - Qual foi o seu momento de maior emoção?
Oliveira -
Tive grandes momentos, mas o último é sempre o que está mais vivo. A conquista do Mundial no Maracanã foi o momento mais importante.

Folha - Como consegue fazer prevalecer a razão sobre a emoção no futebol?
Oliveira -
É muito difícil, pois estamos entre o espetáculo e o espectador, o jogo e a torcida. E são dois tipos de emoção diferentes com os quais a gente tem de lidar. Mas essa é a minha função. Tenho de dar à minha equipe o que há de melhor, em que pese os espectadores e mesmo os jogadores, que às vezes pensam diferente.

Folha - Como analisa o nível cultural dos atletas atualmente?
Oliveira -
O jogador que atua no Corinthians tem de ser inteligente. Pode não ser inteligente culturalmente, mas tem que ter inteligência para jogar futebol. Embora não consiga se expressar de forma clara, com a convivência com outras pessoas vai aprendendo. O nível tem melhorado. Quando comecei, as coisas eram mais difíceis. Hoje há um entendimento maior pela própria evolução, a televisão, a globalização, a Internet.


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