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FUTEBOL
Modelo à época da faculdade, Oswaldo de Oliveira conta a trajetória de sua carreira até o título mundial
O garoto Coca-Cola que virou técnico
MAÉRCIO SANTAMARINA
da Reportagem Local
Ele foi garoto-propaganda da
Coca-Cola na Copa de 1978 e hoje
comanda um time patrocinado
pela concorrente Pepsi.
Fluente em quatro idiomas
-inglês, árabe e espanhol, além
do português-, Oswaldo de Oliveira, 49, é um dos poucos treinadores do futebol brasileiro que se
prepararam para isso. Estudou na
Universidade Federal do Rio de
Janeiro, se especializando em técnica de futebol.
Como jogador, o seu grande sonho de infância, teve frustração.
Viu, então, como saída, fazer o
curso de educação física para poder trabalhar no futebol.
Virou técnico por acaso e, em
oito meses, foi campeão paulista,
brasileiro e mundial.
Para o futuro, pensa em se dedicar a obras sociais, utilizando o
futebol como meio para isso.
Folha - Como foi a sua carreira
de modelo?
Oswaldo de Oliveira - Quando
passei no vestibular, entrei em
uma turma que começaria só no
segundo semestre. Como teria
seis meses livres, fui procurar alguma coisa para fazer. Trabalhei
no laboratório de uma empresa
americana que fazia uma empreitada para a Petrobras no Rio. Foram fazer um documentário sobre a obra. O diretor da equipe
disse que eu fotografava bem e me
convidou para fazer uma propaganda para a TV. Era para o Dia
de Ação de Graças de 72. Essa
propaganda passou cinco anos
seguidos na TV na época do Natal, mas eu só recebi o cachê no
primeiro ano.
Folha - E a Coca-Cola?
Oliveira - Depois dessa propaganda, fiz fotografias, desfiles, até
que, em 1978, fui chamado para
fazer a propaganda da Coca-Cola
para a Copa do Mundo. Quem diria que hoje eu estaria num time
patrocinado pela Pepsi... Era um
trabalho free-lance, porque eu me
dedicava mais à faculdade.
Folha - Como é a sua vida fora
do futebol?
Oliveira - Tem sobrado muito
pouco tempo, mas procuro sempre fazer coisas que eu gosto, como ouvir música, ler, assistir a
bons filmes, ir com a minha família ao teatro, praticar alguns esportes diferentes, como jogar
squash, pedalar, nadar.
Folha - Que música ouve?
Oliveira - Gosto muito de música brasileira, principalmente instrumental, como Sivuca, Wagner
Tiso, Paulo Moura. Gosto muito
de ouvir Dory Caymmi cantando
e toda a sua família, Luiz Melodia,
Maria Bethânia, Caetano... Gosto
de jazz, ouço muito Toots Thielemans, Sonny Rolins...
Folha - E na literatura?
Oliveira - Eu passo por fases.
Houve uma época em que li tudo
de Jorge Amado em sequência.
Depois veio aquela fase final da
revolução, a abertura, e os livros
da época da repressão começaram a pipocar daqui e dali. Li tudo
o que apareceu. Hoje em dia estou
em uma fase mais light. Estou lendo aquela série "Inveja", "Ira",
"Luxúria" (a coleção "Plenos Pecados", da editora Objetiva, dedicada aos sete pecados capitais. Os
três pecados citados foram abordados por Zuenir Ventura, José
Roberto Torero e João Ubaldo Ribeiro, respectivamente).
Folha - Extrai ensinamentos
para o futebol?
Oliveira - Não, não sou de tirar
uma frase, um dito ou um ensinamento. Isso pode acontecer de
uma forma indireta.
Folha - Você falou em livros da
época da repressão. Como é o
seu lado político?
Oliveira - Eu convivi com a repressão ainda na juventude e, claro, era contra. Participei de movimentos e tudo. Nunca deixei de
acompanhar, mas votei muito
pouco porque não era permitido,
e, quando passou a ser, eu estava
fora do Brasil. Procuro acompanhar para não ficar alienado, mas
não tive muita participação porque só há três anos voltei.
Folha - Qual foi a sua última
eleição e para quem votou?
Oliveira - Votei no César Maia
(ex-PFL, hoje no PTB) para governador, no Rio de Janeiro.
Folha - E quanto à religião?
Oliveira - A minha formação é
católica. Quando penso em Deus,
penso de uma forma católica, como os muçulmanos com os quais
convivi no Oriente Médio pensam através do islamismo. Mas
acho que Deus é um só, uma força
muito grande que rege o mundo.
Folha - Como foi sua passagem no Oriente Médio no período da Guerra do Golfo? No Qatar, onde estava, deu para sentir
a guerra de perto?
Oliveira - Claro que sim, mesmo estando a 900 km de distância
do Iraque. Quando estava voltando de férias do Brasil em agosto
de 1990, o Iraque invadiu o Kuait.
Convivi com aquele clima de negociação até janeiro de 1991,
quando estourou realmente a
guerra. Mandamos as nossas famílias de volta ao Brasil uma semana antes. Nós, treinadores brasileiros, tivemos de conviver uma
semana com a guerra até conseguirmos regressar.
Folha - Qual foi o seu maior temor na guerra?
Oliveira - Um dia, às 9h da manhã, quando ainda estava dormindo, ouvi o estrondo de um
míssil bem perto de onde eu morava. Havia uma base americana
numa ilha próxima ao Qatar, e
eles lançavam mísseis para lá.
Disseram que tinha sido o barulho de um avião supersônico
rompendo a barreira do som, mas
ficamos sabendo que o míssil tinha caído no porto do Qatar, a
três quilômetros da minha casa.
Tínhamos muito medo também
das bombas químicas. Tivemos
de vedar o apartamento inteiro.
Ficávamos em grupo nas casas,
abastecidos com suplementos alimentares e água.
Folha - Após três anos de seu
retorno ao Brasil, você inaugura
um novo perfil de técnico, que
troca a linha-dura pelo diálogo.
Como isso ocorreu?
Oliveira - Foi uma coisa natural.
Eu não tive a intenção de modificar nada. Vim trabalhar no futebol com a minha personalidade e
a minha característica. E encontro
alguns homônimos (sic). Vejo algumas pessoas parecidas comigo.
Posso citar o Paulo Autuori, o já
falecido Ênio Andrade...
Folha - Essa é uma tendência
que vem se consolidando?
Oliveira - Acho que não. Não
acredito que haja uma mudança
de comportamento porque cada
um vem com a sua característica.
A minha é essa, e me comporto
dessa maneira.
Folha - Como começou a sua
carreira?
Oliveira - Eu sempre quis ser jogador de futebol. Como não consegui, fui fazer faculdade de educação física para trabalhar com
futebol. A minha intenção não era
estritamente ser treinador, mas
estar no futebol. Estou há 24 anos
nessa área. E a minha ascensão
tem sido natural. Nunca disse que
queria ser técnico, nunca pedi para ser. Tanto que eu era preparador físico e praticamente comecei
a ser auxiliar com o Renê Simões
na Jamaica e com o Wanderley
Luxemburgo no Santos. E quando o Wanderley deixou o Corinthians para trabalhar na seleção,
as pessoas, de forma unânime,
acharam que eu era o nome para
continuar o trabalho. No princípio eu relutei, mas eles acabaram
me convencendo e aqui estou.
Folha - Por que você relutou?
Oliveira - Primeiro porque era
para substituir o Wanderley, o
treinador da seleção. Segundo
porque era o Corinthians, campeão brasileiro. Isso realmente é
uma coisa que exige demais. Eu ia
sair de uma situação bem mais
cômoda, um trabalho que eu gostava de fazer, às vezes até intelectual, para outra que eu sabia que
ia ser muito difícil.
Folha - Em oito meses você foi
campeão paulista, brasileiro e
mundial, tudo que um técnico
poderia sonhar em uma carreira
mais longa. Você se surpreendeu com a ascensão meteórica?
Oliveira - Foi mesmo meteórica.
Não me lembro de nenhum treinador que tenha ganho em oito
meses os títulos que ganhei. Mas
surpreender não, porque eu tenho consciência da minha capacidade e sei que tenho um bom time
na mão, com uma estrutura de
clube que me favorece, uma comissão técnica muito competente, com os seus departamentos
muito bem definidos. Mas, realmente, as três competições em
uma escalada progressiva é uma
coisa que realmente pode até ser
encarada como surpreendente.
Folha - Em algum momento
você pensou em desistir?
Oliveira - Não, porque eu lutei a
minha vida inteira para trabalhar
no futebol. Mas houve momentos
de baixa, em que fiquei muito triste. Mas consegui, como se diz na
gíria, dar a volta por cima.
Folha - Quando seu comando
era questionado no Corinthians,
o que passava pela sua cabeça?
Oliveira - Eu não tinha que provar para mim e nem para os meus
comandados que eu estava comandando, mas eu ficava aborrecido porque sabia que não era
verdade. Eu tinha todo o controle
do trabalho nas minhas mãos,
embora de uma forma diferente.
Folha - Quem manda no Corinthians?
Oliveira - Quem manda é o presidente Dualib, porque o Corinthians é muito grande. No time de
futebol, eu comando com a minha comissão técnica.
Folha - A ética é muito questionada no futebol. Com sua formação, como vê essa problemática? Falta ética ao futebol?
Oliveira - Realmente, porque o
futebol é abrangente demais, gera
muitos interesses, principalmente
publicidade e dinheiro, e essas
coisas às vezes fazem as pessoas
esquecerem determinados valores. Eu acredito que, com o profissionalismo entrando no futebol
como vem acontecendo, esses valores vão ser reavaliados. E a tendência é crescer, com os profissionais cada vez mais se respeitando.
Folha - O futebol aliena?
Oliveira - Olha, deveria lhe dizer
que sim, embora eu faça parte dele, porque o futebol ocupa muito
espaço, toma muito tempo das
pessoas. Mas é uma atividade salutar, que tem muitos valores importantes, valores que são favoráveis à integração da sociedade. O
futebol tem um fator que pode
alienar pela sua grandeza, fazendo com que as pessoas esqueçam
outras coisas. Mas também pode
agregar grupos de amigos.
Folha - Já teve algum drama
de consciência por dedicar a sua
vida a um esporte que vê, de
certa forma, como alienante?
Oliveira - Não, porque sempre
procurei fazer no futebol uma coisa que visse o outro lado. Converso sempre com os meus jogadores
e procuro passar para eles o outro
lado da vida. Principalmente pelo
fato de a carreira ser a jato, ocupando no máximo um quarto de
toda a vida do atleta. Não tenho
esse drama de consciência porque
eu luto pelo outro lado.
Folha - Diante dos problemas
de distribuição de renda no Brasil, como você encara os altos
salários dos jogadores?
Oliveira - Isso é muito efêmero,
porque só uma minoria tem grandes salários. A maioria é assalariada. Aparecem, é lógico, os grandes ídolos, atletas de seleção, que
são mais favorecidos. Mas a camada representativa do futebol
tem salários bem menores.
Folha - Já pensou no que fazer
após encerrar a carreira?
Oliveira - Por enquanto não
penso em parar. Um dia vou ter
que parar, daí penso em seguir
dentro do futebol mesmo, em
uma outra função. Se eu conseguir uma realização profissional
mais convicta, penso em trabalhar em obras sociais, até utilizando o futebol como um meio.
Folha - Dirigir a seleção é um
sonho? Ou sonha em treinar,
por exemplo, um time europeu?
Oliveira - Por enquanto não.
Por enquanto essa coisa do Corinthians está muito viva para mim e
não consigo alçar o meu olhar para além desse horizonte. Futuramente, se as coisas continuarem
dando certo, posso mudar o meu
ponto de vista. Não penso em sair
do Brasil até porque passei 15
anos fora, na Arábia. Penso, sim,
em ir à Copa do Mundo como auxiliar do Wanderley.
Folha - O que o Luxemburgo
representa para você?
Oliveira - O Wanderley foi meu
jogador, fui preparador físico dele
no Botafogo em 1980. Ele foi a minha válvula propulsora, me deu a
oportunidade de iniciar a minha
carreira de treinador. Sou muito
grato e acho que ele é importantíssimo na minha carreira.
Folha - Fica incomodado com
comparações a ele ou quando
dizem que, proporcionalmente
ao tempo de carreira, você já
conquistou mais que ele?
Oliveira - A mim não, porque é
uma coisa eventual. Acredito que,
se ele tivesse continuado no Corinthians, teria conquistado as
mesmas coisas que eu conquistei.
Foi uma coisa de oportunidade.
Eu estava aqui na hora certa e acabou acontecendo. Ele também
conquistou a Copa América, classificou o Brasil para a Olimpíada...
Folha - Vencendo tudo o que
disputou até agora, não teme
que isso passe a ser uma exigência, aumentando a cobrança, como no caso das defesas de pênalti do goleiro Dida, que deixaram de ser uma exceção e se
transformaram em uma obrigação para a torcida?
Oliveira - Ainda não tinha pensado nisso, mas é uma coisa que
está aí. Não vamos ganhar a vida
inteira. Os maiores times do mundo não ganham tudo. Muitos,
aliás, vão passar a vida inteira e
não vão fazer o que fizemos. Acho
que as pessoas terão de compreender quando isso acontecer.
Folha - Qual foi o seu momento de maior emoção?
Oliveira - Tive grandes momentos, mas o último é sempre o que
está mais vivo. A conquista do
Mundial no Maracanã foi o momento mais importante.
Folha - Como consegue fazer
prevalecer a razão sobre a emoção no futebol?
Oliveira - É muito difícil, pois
estamos entre o espetáculo e o espectador, o jogo e a torcida. E são
dois tipos de emoção diferentes
com os quais a gente tem de lidar.
Mas essa é a minha função. Tenho
de dar à minha equipe o que há de
melhor, em que pese os espectadores e mesmo os jogadores, que
às vezes pensam diferente.
Folha - Como analisa o nível
cultural dos atletas atualmente?
Oliveira - O jogador que atua no
Corinthians tem de ser inteligente. Pode não ser inteligente culturalmente, mas tem que ter inteligência para jogar futebol. Embora
não consiga se expressar de forma
clara, com a convivência com outras pessoas vai aprendendo. O
nível tem melhorado. Quando comecei, as coisas eram mais difíceis. Hoje há um entendimento
maior pela própria evolução, a televisão, a globalização, a Internet.
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