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FUTEBOL
O último dos primeiros
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Caro leitor, como amanhã é aniversário do Santos e o clube já não ganha um
Campeonato Paulista há 16
anos, como presente (e consolo)
resolvi entrevistar o último dos
seus primeiros campeões.
"Meu nome é Mário Pereira.
Mas meu apelido era Perigo
Loiro, porque eu era loiro e tinha um chute muito forte.
"Nasci numa rua que ficava
na beira do cais. Eu jogava muito na várzea. Aí me convidaram
para ir para o Santos.
"Entrei em 1935. Tinha 21
anos. Era moço ainda. O time só
treinava uma vez por semana. E
o meu chefe achava ruim que eu
saísse mais cedo.
"No dia da decisão a gente foi
de trem para São Paulo. O pessoal da estiva e os outros torcedores foram junto. Aí na estação
da Luz a gente pegou uns carros
de praça e foi para a Fazendinha.
"No estádio tinha gente pra
chuchu. Principalmente da estiva. O Santos sempre teve uns times bons, mas sempre era roubado pelos juízes, então naquele
dia o pessoal da estiva levou até
gasolina para pôr fogo no estádio se fosse roubado.
"Era um domingo à tarde. A
gente usava um uniforme bonito. As camisas tinham gola e os
calções precisavam de cinto.
"Foi um jogo duro, disputado.
O time do Corinthians era excelente. Tinha o Brandão, um center-half muito bom que também
tocava saxofone, o Teleco, um
center-forward que era o grande
goleador, o Jaú, um negro corpulento, e o Brito, half-direito,
que era um cavalo. Depois virou
chofer de caminhão.
"Mas o nosso time também
era muito bom. Era Ciro; Neves
e Agostinho; Ferreira, Marteletti
e Jango; Saci, Pereira, Raul,
Araken e Junqueirinha. O técnico era o Virgílio Pinto de Oliveira, o Bilu, ex-jogador do Santos.
"Lembro de todo mundo. O
Ciro era de Bica de Pedra e trabalhava nas docas. Neves foi um
grande beque, clássico. Acho
que depois abriu uma pensão.
Agostinho gostava de tirar sarro, era brincalhão. Ferreira e
Jango eram irmãos. Gaúchos.
Moços muito finos. Marteletti
era um quebrador de perna. Jogava pesado mesmo. Pegou
doença de uma mulher e morreu de tuberculose. Saci era o
ponta-direita. Tinha as pernas
bem tortas. Era um sujeito conversado, falava bem. Depois do
futebol foi trabalhar na estiva.
Pereira sou eu. Raul, o center-forward, usava sempre um gorrinho porque a bola naquele
tempo tinha cordão, machucava. Fazia Jogo do Bicho. Araken,
meia-esquerda, era um grande
driblador! Muito culto. Foi jogar
na França e lá ganhou o apelido
de Le Danger. Só do Junqueirinha eu não lembro muito bem.
"O primeiro gol foi do Raul.
No segundo gol eu fiz um lançamento do meio de campo para o
Araken lá na esquerda. A bola
caiu atrás do Brito. O Araken
deu uma chicotada e fez o gol.
"Quando acabou o jogo foi
uma festa. Invadiram o campo.
Na estação da Luz teve uma briga danada. Briga sempre existiu. E antes não tinha polícia.
"Quando a gente chegou em
Santos foi aquela folia. A torcida foi esperar a gente na estação. Parecia Carnaval.
"Um camarada me colocou no
cangote e me carregou até a sede, na rua Itororó. Aí ele subiu
todas as escadarias me carregando nos ombros e quando
chegou lá em cima me puseram
numa mesa de bilhar.
"Acho que é a melhor coisa
que eu lembro do futebol."
1937
Mário Pereira só jogou até 1937. Aí acertaram seu joelho e ele teve que parar com o futebol. Possui a cicatriz até hoje. Tinha apenas 23 anos e havia participado somente de três Campeonatos
Paulistas. Como a contusão aconteceu pouco antes do Carnaval, naquele ano ele não pôde sair no Bola Alvinegra, o bloco de
Carnaval do Santos. A fantasia ficou encostada num canto do
quarto.
2001
Aos 87 anos, Mário Pereira mora numa casa espaçosa, comprada em 1944. Depois de parar com o futebol, virou fiscal de rendas e continuou neste emprego até se aposentar. É o único sobrevivente daqueles jogadores que venceram o torneio estadual
de 1935, 66 anos atrás. Até hoje acompanha algumas partidas de
futebol pela televisão. E seu sonho é ver o Santos mais uma vez
campeão.
E-mail - torero@uol.com.br
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