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A cidade e o Pan
De repente o Rio se viu comprometido com um Pan que nunca fez falta
e passou a ouvir falar
de bilhões gastos
JANIO DE FREITAS
COLUNISTA DA FOLHA
O
PAN é uma pergunta
a que ninguém pode
ainda responder,
nem poderá por bom tempo: trouxe males que vêm
para bem ou é agora um
bem que afinal resultará
em males?
O Cristo Redentor já fez
pelo Rio mais do que podia.
E, que outras maravilhas
do mundo não nos ouçam,
mais do que ele próprio
merecia. Mas a alma da cidade precisa de muito mais
carinhos, para não buscar
alegrias na mortandade da
bandidagem. E essa é a responsabilidade maior que
cabe ao Pan. Se é também
sua possibilidade, já é outro
campeonato.
A predisposição para regozijar-se com o Pan (se
preferir, você pode substituir a frase anterior pela
fórmula Marta Suplicy) até
agora a cidade não mostra.
Nem com toda a tortura de
ouvidos e olhos pelo exagero da promoção do Pan em
TV e rádio. Não é má idéia
suspeitar que esse massacre provocou certo enjôo
do Pan antes de haver Pan.
Anda muito esquecido,
mesmo, aquele ditado da
boa sabedoria dos nossos
avós: "Tudo o que é demais,
enjoa". Que o digam, quando recordarem o ditado, os
publicitários das cervejas.
Mas não faltaram razões
mais fortes para o pouco ou
nenhum entusiasmo do
Rio com o Pan. Quem usa a
cidade no dia-a-dia sente o
desprezo em que está há
anos, por parte dos que têm
o dever de tratá-la como
jóia. Não há um só serviço
urbano que funcione em
condições ao menos razoáveis. Não há, em toda a cidade, nem uma só iniciativa séria das "autoridades",
em favor do bem-estar e da
modernização da cidade.
Apesar disso, de repente
o Rio se viu comprometido
com o Pan que nunca lhe
fez falta e, desde logo, passou a ouvir falar de bilhões
a serem gastos para realizá-lo. Tudo muito sedutor:
metrô ligando Ipanema à
Barra, novas vias expressas
e remodelação das atuais,
embelezamentos e serviços a granel. Isso tudo sem
falar nas obras propriamente esportivas. E o lucro
com o turismo? Imediato,
com os turistas do Pan, e
até os atletas nas contas do
prefeito Cesar Maia, pagando o próprio Pan e deixando ainda um rastro de
ganhos pelo futuro afora.
Ninguém sabe de quanto
é o gasto a pretexto do Pan.
Falam em R$ 3,5 bilhões,
para quem quiser acreditar
que ficará só aí. Mas todos
sabem que nem uma só das
maravilhosas obras urbanas recebeu sequer um
centavo. Todos sabem que
o Rio ficou em tal miserê,
que várias vezes parou a
construção dos estádios
nunca necessitados pela cidade. Os turistas, informa a
associação dos hoteleiros,
no início do Pan são em número menor do que em julho do ano passado.
Se houver um jeito, o Pan
tem obrigação de pagar, seja como for, pelo menos
uma parte de sua dívida
com o Rio. Mas a cidade,
até agora, não acredita que
isso ocorra.
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