São Paulo, sexta-feira, 13 de julho de 2007

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A cidade e o Pan

De repente o Rio se viu comprometido com um Pan que nunca fez falta e passou a ouvir falar de bilhões gastos

JANIO DE FREITAS
COLUNISTA DA FOLHA

O PAN é uma pergunta a que ninguém pode ainda responder, nem poderá por bom tempo: trouxe males que vêm para bem ou é agora um bem que afinal resultará em males?
O Cristo Redentor já fez pelo Rio mais do que podia. E, que outras maravilhas do mundo não nos ouçam, mais do que ele próprio merecia. Mas a alma da cidade precisa de muito mais carinhos, para não buscar alegrias na mortandade da bandidagem. E essa é a responsabilidade maior que cabe ao Pan. Se é também sua possibilidade, já é outro campeonato.
A predisposição para regozijar-se com o Pan (se preferir, você pode substituir a frase anterior pela fórmula Marta Suplicy) até agora a cidade não mostra. Nem com toda a tortura de ouvidos e olhos pelo exagero da promoção do Pan em TV e rádio. Não é má idéia suspeitar que esse massacre provocou certo enjôo do Pan antes de haver Pan. Anda muito esquecido, mesmo, aquele ditado da boa sabedoria dos nossos avós: "Tudo o que é demais, enjoa". Que o digam, quando recordarem o ditado, os publicitários das cervejas.
Mas não faltaram razões mais fortes para o pouco ou nenhum entusiasmo do Rio com o Pan. Quem usa a cidade no dia-a-dia sente o desprezo em que está há anos, por parte dos que têm o dever de tratá-la como jóia. Não há um só serviço urbano que funcione em condições ao menos razoáveis. Não há, em toda a cidade, nem uma só iniciativa séria das "autoridades", em favor do bem-estar e da modernização da cidade.
Apesar disso, de repente o Rio se viu comprometido com o Pan que nunca lhe fez falta e, desde logo, passou a ouvir falar de bilhões a serem gastos para realizá-lo. Tudo muito sedutor: metrô ligando Ipanema à Barra, novas vias expressas e remodelação das atuais, embelezamentos e serviços a granel. Isso tudo sem falar nas obras propriamente esportivas. E o lucro com o turismo? Imediato, com os turistas do Pan, e até os atletas nas contas do prefeito Cesar Maia, pagando o próprio Pan e deixando ainda um rastro de ganhos pelo futuro afora.
Ninguém sabe de quanto é o gasto a pretexto do Pan. Falam em R$ 3,5 bilhões, para quem quiser acreditar que ficará só aí. Mas todos sabem que nem uma só das maravilhosas obras urbanas recebeu sequer um centavo. Todos sabem que o Rio ficou em tal miserê, que várias vezes parou a construção dos estádios nunca necessitados pela cidade. Os turistas, informa a associação dos hoteleiros, no início do Pan são em número menor do que em julho do ano passado.
Se houver um jeito, o Pan tem obrigação de pagar, seja como for, pelo menos uma parte de sua dívida com o Rio. Mas a cidade, até agora, não acredita que isso ocorra.


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