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FUTEBOL
Os heróis da padaria
MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA
Quem via não esquece o "Túnel do Tempo", seriado que
despejava dois amigos no meio de
rolos épicos da história. A mancada dos cientistas inventores da
engenhoca não permitia resgatar
a dupla, que vagava em apuros de
século em século. Cansei de sonhar: onde eu gostaria de cair, ser
testemunha ocular?
Depois de devorar "Futebol &
Guerra" (Jorge Zahar Editor, 203
páginas, R$ 29), livro do jornalista e escritor britânico Andy Dougan, sei que vou mudar mais de
cem vezes as minhas listas dos dez
melhores filmes e da seleção brasileira de todos os tempos antes de
duvidar, se é que algum dia duvidarei, que eu queria mesmo era
aterrissar em 9 de agosto de 1942
na Kiev ocupada pelas tropas nazistas. Assistiria, no fim da tarde
dominical de verão, ao jogo entre
os ucranianos da padaria número 3 e o Flakelf. O confronto de futebol entre os prisioneiros de
guerra e seus algozes do time da
Luftwaffe, a força aérea de Hitler.
Os alemães invadiram a União
Soviética pouco mais de um ano
antes. Não conseguiram sobrepujar as barreiras humanas de Stalingrado, mas dominaram a
Ucrânia. Kiev caiu em setembro
de 1941. Em dois dias, executaram
33.771 judeus. Dois eram jogadores do Dínamo.
O Dínamo de Kiev nascera na
década de 20. Tornou-se um dos
gigantes soviéticos, ganhou fama
na Europa. Com a invasão, foi fechado. Um louco por futebol, colaboracionista escalado para tocar a padaria industrial de 300
operários, contratou os atletas.
Sugeriu, e os nazistas toparam,
um torneiozinho para engambelar a malta. Os padeiros oriundos
do Dínamo montaram seu time.
Batizaram-no F. C. Start. Golearam guarnições alemãs e um timeco de fascistas ucranianos.
Sem uniformes, rasgavam calças
e jogavam de sapatos. Numa
quinta-feira, enfiaram 5 a 1 no
Flakelf, anunciado como o bambambã germânico. No domingo
haveria revanche.
Soldados alemães tomaram o
estádio com seus cães pastores. O
árbitro foi um oficial da SS. Antes
do jogo, ele foi ao vestiário e avisou que o Start teria que fazer a
saudação "Heil, Hitler". Outros
aconselharam que seria melhor
entregar o jogo.
Era uma turma tarimbada. Já
havia se negado a dedurar um
companheiro aos urubus do
NKVD, a polícia política stalinista. Em vez de saudar o führer, gritou "Vida longa ao esporte!". O
Flakelf bateu como quis, porém
perdeu de 5 a 3, com a humilhação suprema imposta pelo zagueiro Alexei Klimenko: driblou o
time alemão inteiro e parou a bola em cima da linha. Não fez o gol
e chutou para o meio do campo. O
oficial da SS resolveu acabar a
partida antes da hora. Não demorou muito para a Gestapo baixar
na padaria e levar os craques para um campo de concentração.
Um jogador foi morto na tortura.
Outros três, a bala, inclusive o garoto que não tocou a bola para
dentro do gol. Nikolai Trusevich
berrou pela última vez, antes de
cair com a camisa de goleiro, seu
único agasalho: "O esporte vermelho nunca morrerá!"
Fator Simões
Para uma estréia, não foi mal a
seleção feminina. Contra os
EUA, saberemos até onde a
preparação profissional de Renê Simões pode levar.
Craque
Como sempre, ótimo o artigo
de Soninha ontem sobre o time
de Marta. Um registro: nunca
escrevi que basquete e vôlei "estão muitos degraus acima em
termos de atração das massas".
Mas, sim, que a distância técnica entre homens e mulheres naqueles dois esportes é muito
menor do que no futebol. Alguém discorda?
Haiti
O pior aspecto do jogo no Haiti
é o uso do futebol como cobertura política ao lamentável envio de tropas brasileiras.
E-mail
mario.magalhaes@uol.com.br
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