São Paulo, sexta-feira, 13 de agosto de 2004

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FUTEBOL

Os heróis da padaria

MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA

Quem via não esquece o "Túnel do Tempo", seriado que despejava dois amigos no meio de rolos épicos da história. A mancada dos cientistas inventores da engenhoca não permitia resgatar a dupla, que vagava em apuros de século em século. Cansei de sonhar: onde eu gostaria de cair, ser testemunha ocular?
Depois de devorar "Futebol & Guerra" (Jorge Zahar Editor, 203 páginas, R$ 29), livro do jornalista e escritor britânico Andy Dougan, sei que vou mudar mais de cem vezes as minhas listas dos dez melhores filmes e da seleção brasileira de todos os tempos antes de duvidar, se é que algum dia duvidarei, que eu queria mesmo era aterrissar em 9 de agosto de 1942 na Kiev ocupada pelas tropas nazistas. Assistiria, no fim da tarde dominical de verão, ao jogo entre os ucranianos da padaria número 3 e o Flakelf. O confronto de futebol entre os prisioneiros de guerra e seus algozes do time da Luftwaffe, a força aérea de Hitler.
Os alemães invadiram a União Soviética pouco mais de um ano antes. Não conseguiram sobrepujar as barreiras humanas de Stalingrado, mas dominaram a Ucrânia. Kiev caiu em setembro de 1941. Em dois dias, executaram 33.771 judeus. Dois eram jogadores do Dínamo.
O Dínamo de Kiev nascera na década de 20. Tornou-se um dos gigantes soviéticos, ganhou fama na Europa. Com a invasão, foi fechado. Um louco por futebol, colaboracionista escalado para tocar a padaria industrial de 300 operários, contratou os atletas. Sugeriu, e os nazistas toparam, um torneiozinho para engambelar a malta. Os padeiros oriundos do Dínamo montaram seu time. Batizaram-no F. C. Start. Golearam guarnições alemãs e um timeco de fascistas ucranianos. Sem uniformes, rasgavam calças e jogavam de sapatos. Numa quinta-feira, enfiaram 5 a 1 no Flakelf, anunciado como o bambambã germânico. No domingo haveria revanche.
Soldados alemães tomaram o estádio com seus cães pastores. O árbitro foi um oficial da SS. Antes do jogo, ele foi ao vestiário e avisou que o Start teria que fazer a saudação "Heil, Hitler". Outros aconselharam que seria melhor entregar o jogo.
Era uma turma tarimbada. Já havia se negado a dedurar um companheiro aos urubus do NKVD, a polícia política stalinista. Em vez de saudar o führer, gritou "Vida longa ao esporte!". O Flakelf bateu como quis, porém perdeu de 5 a 3, com a humilhação suprema imposta pelo zagueiro Alexei Klimenko: driblou o time alemão inteiro e parou a bola em cima da linha. Não fez o gol e chutou para o meio do campo. O oficial da SS resolveu acabar a partida antes da hora. Não demorou muito para a Gestapo baixar na padaria e levar os craques para um campo de concentração. Um jogador foi morto na tortura. Outros três, a bala, inclusive o garoto que não tocou a bola para dentro do gol. Nikolai Trusevich berrou pela última vez, antes de cair com a camisa de goleiro, seu único agasalho: "O esporte vermelho nunca morrerá!"

Fator Simões
Para uma estréia, não foi mal a seleção feminina. Contra os EUA, saberemos até onde a preparação profissional de Renê Simões pode levar.

Craque
Como sempre, ótimo o artigo de Soninha ontem sobre o time de Marta. Um registro: nunca escrevi que basquete e vôlei "estão muitos degraus acima em termos de atração das massas". Mas, sim, que a distância técnica entre homens e mulheres naqueles dois esportes é muito menor do que no futebol. Alguém discorda?

Haiti
O pior aspecto do jogo no Haiti é o uso do futebol como cobertura política ao lamentável envio de tropas brasileiras.

E-mail
mario.magalhaes@uol.com.br


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