São Paulo, quarta-feira, 13 de setembro de 2000

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CONTARDO CALLIGARIS

Sydney: primeiros protestos

Segunda no fim da tarde, no Parque Victoria de Sydney, circulava um veículo estranho. Um tênis do tamanho de um carro se deslocava rapidamente pelos caminhos do parque. Era movido por cordas puxadas por homens e mulheres vestidos de preto. Corriam instigados pelo açoite de um executivo que estava de pé dentro do sapato, como um cocheiro.
A carruagem era perseguida por seis lápis cor-de-rosa enormes, todos com a inscrição: "Just sign it!" ("Assina, caramba!"). Um espetáculo surpreendente -até porque, no crepúsculo, passavam despercebidas as mais de 200 pessoas reunidas no local.
Tratava-se de uma manifestação da Community Aid Abroad (ajuda comunitária no exterior), que convocara essa "Cerimônia Alternativa de Abertura" (entenda-se: dos Jogos Olímpicos). O recado era o seguinte: a Nike (patrocinadora da Olimpíada) deve assinar um código de conduta já aprovado por outras companhias.
Isso permitiria que entidades independentes verificassem as condições de remuneração e proteção social dos trabalhadores que fabricam acessórios da Nike.
Pelos documentos distribuídos, a Nike paga a seus trabalhadores indonésios pouco mais que o salário mínimo local, que é miserável. Mesmo com jornadas semanais de 60 horas, a remuneração diária parece não alcançar US$ 2. Como saber se é pouco mesmo?
Simples. Jim Keady é um norte-americano que foi jogador profissional de futebol. Ele se tornou técnico e não quis o patrocínio da Nike. Perdeu o emprego -suponho que seu time preferiu guardar o patrocínio. Então, ele viajou para a Indonésia e viveu durante um mês entre os trabalhadores da Nike, dispondo dos mesmos recursos. Passou fome.
Enfim, foi a primeira aparição aqui em Sydney do protesto que, desde Melbourne, tenta estragar a festa olímpica. Em Melbourne, verdes, estudantes e ditos extremistas, sob o nome de Setembro-11, estão atrapalhando o Fórum Econômico Mundial. E prometem chegar para a abertura dos Jogos.
Pergunta: mas o que o Fórum tem a ver com os Jogos? Gostaria de poder responder: nada. Mas não sei se há como promover os ideais universalistas de nossa cultura sem que acarretem uma globalização abstrata e impiedosa.
Seja como for, admiro os australianos e seu espírito democrático. Os manifestantes do parque não pediram um boicote aos produtos da Nike (essa seria a reação nos EUA ou na Europa). Disseram que isso ameaçaria os empregos dos trabalhadores indonésios. Eles encorajaram todos a escrever para a Nike, para que a empresa saiba que as pessoas se preocupam com suas condutas e eventualmente as desaprovam.
E-mail ccalligari@uol.com.br


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