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CONTARDO CALLIGARIS
Sydney: primeiros protestos
Segunda no fim da tarde, no
Parque Victoria de Sydney,
circulava um veículo estranho.
Um tênis do tamanho de um carro se deslocava rapidamente pelos
caminhos do parque. Era movido
por cordas puxadas por homens e
mulheres vestidos de preto. Corriam instigados pelo açoite de um
executivo que estava de pé dentro
do sapato, como um cocheiro.
A carruagem era perseguida
por seis lápis cor-de-rosa enormes, todos com a inscrição: "Just
sign it!" ("Assina, caramba!").
Um espetáculo surpreendente
-até porque, no crepúsculo, passavam despercebidas as mais de
200 pessoas reunidas no local.
Tratava-se de uma manifestação da Community Aid Abroad
(ajuda comunitária no exterior),
que convocara essa "Cerimônia
Alternativa de Abertura" (entenda-se: dos Jogos Olímpicos). O recado era o seguinte: a Nike (patrocinadora da Olimpíada) deve
assinar um código de conduta já
aprovado por outras companhias.
Isso permitiria que entidades
independentes verificassem as
condições de remuneração e proteção social dos trabalhadores
que fabricam acessórios da Nike.
Pelos documentos distribuídos,
a Nike paga a seus trabalhadores
indonésios pouco mais que o salário mínimo local, que é miserável.
Mesmo com jornadas semanais
de 60 horas, a remuneração diária parece não alcançar US$ 2.
Como saber se é pouco mesmo?
Simples. Jim Keady é um norte-americano que foi jogador profissional de futebol. Ele se tornou
técnico e não quis o patrocínio da
Nike. Perdeu o emprego -suponho que seu time preferiu guardar o patrocínio. Então, ele viajou
para a Indonésia e viveu durante
um mês entre os trabalhadores da
Nike, dispondo dos mesmos recursos. Passou fome.
Enfim, foi a primeira aparição
aqui em Sydney do protesto que,
desde Melbourne, tenta estragar
a festa olímpica. Em Melbourne,
verdes, estudantes e ditos extremistas, sob o nome de Setembro-11, estão atrapalhando o Fórum
Econômico Mundial. E prometem
chegar para a abertura dos Jogos.
Pergunta: mas o que o Fórum
tem a ver com os Jogos? Gostaria
de poder responder: nada. Mas
não sei se há como promover os
ideais universalistas de nossa cultura sem que acarretem uma globalização abstrata e impiedosa.
Seja como for, admiro os australianos e seu espírito democrático. Os manifestantes do parque
não pediram um boicote aos produtos da Nike (essa seria a reação
nos EUA ou na Europa). Disseram que isso ameaçaria os empregos dos trabalhadores indonésios. Eles encorajaram todos a escrever para a Nike, para que a
empresa saiba que as pessoas se
preocupam com suas condutas e
eventualmente as desaprovam.
E-mail ccalligari@uol.com.br
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