São Paulo, domingo, 13 de outubro de 2002

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FUTEBOL

Doping no esporte

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Numa entrevista , ao programa "Histórias do Esporte", da ESPN Brasil, o médico Júlio César Alves disse que a elite de atletas, no mundo todo, usa drogas para melhorar o rendimento.
Ele afirmou também que atende e receita substâncias químicas para mais de 50 atletas, inclusive dois pentacampeões do mundo. Há, segundo ele, várias formas de burlar o exame antidoping, como o uso de testosterona sublingual, que não apareceria nos exames após quatro ou cinco horas.
O mais grave e surpreendente foi o médico defender o uso rotineiro de drogas pelos atletas brasileiros, como única maneira de enfrentar os campeões estrangeiros. O médico quis ser famoso por mais de 15 minutos. Está enganado e mal informado. É um homem desequilibrado e sem ética? Ou é um médico revolucionário, corajoso, sincero e que fala a verdade?
Os médicos do esporte, especialistas em doping, professores de educação física, treinadores e atletas protestaram duramente contra as denúncias do médico.
O médico Júlio César disse ainda que a sociedade e o esporte são hipócritas, porque não se manifestam contra outros tipos de drogas, como o álcool e o cigarro.
É verdade, mas ele também confunde a ética interna, individual, com a ética externa, que é a da sociedade. Elas estão interligadas, mas são diferentes.
Deixamos de fazer muitas coisas que desejamos, não pelo fato de a sociedade proibir, mas porque elas não são corretas e/ou justas. Não somos animais sociais. Temos também uma consciência individual. Se outros atletas usam drogas para vencer, não significa que todos deveriam usar.
É óbvio que o doping existe no esporte, talvez seja muito mais frequente do que imaginamos. Dizer que todos atletas de ponta se dopam, porém, é um desrespeito ao talento e ao esforço de muitos campeões.
Todos os grandes atletas sonham em ser campeões. Nem todos resistem à tentação de usar medicamentos para melhorar o rendimento. Por desconhecerem os detalhes técnicos das substâncias, são ajudados por profissionais, como o médico Júlio César.
Por mais informações que os atletas tenham dos riscos para a saúde e de serem flagrados no exame antidoping, alguns arriscam. O desejo é maior que a realidade e a ética. Eles também acreditam, ou têm certeza, que nunca serão descobertos. É o pensamento mágico, presente em proporções variáveis nas pessoas ditas normais. Essa onipotência do pensamento é um traço característico dos psicóticos e também das crianças de pouca idade.
O pensamento mágico é uma das grandes dificuldades das campanhas preventivas contra as drogas e para estimular o uso de preservativos para evitar a Aids e outras doenças. Apenas a informação não é suficiente.
Pelo mesmo raciocínio, numa guerra, o soldado enfrenta o perigo de peito aberto. Dopado emocionalmente, ele nunca acha que vai morrer. Sente-se imortal. Pensa que é um deus. Esse é o sonho de todos nós.

Teoria e prática
No livro "Felipão, a alma do penta", o técnico diz que conversou com alguns treinadores durante a Copa, principalmente com Paulo César Carpegiani. Segundo o treinador do penta, essas conversas foram importantes para que ele criasse variações táticas durante o Mundial.
Onde anda o Carpegiani? Ele é um dos técnicos mais criativos e inquietos do futebol brasileiro. Gosta de fazer variações. Ele não foi bem nas últimas equipes que dirigiu (Flamengo, Cruzeiro e São Paulo), mas foi campeão do mundo com o Flamengo e conquistou outros títulos.
Um treinador deveria ser analisado pela média de suas atuações durante um longo tempo.
Além disso, há muitos outros fatores, principalmente a qualidade dos jogadores, envolvidos no resultado final. O trabalho dos técnicos é supervalorizado, nas vitórias e nas derrotas.
Talvez o treinador mais criativo e estrategista, como o Carpegiani, precise de mais tempo para mostrar seu valor -ou tenha que trabalhar em clubes menos conturbados, de pouca pressão da torcida, como acontece com Mário Sérgio no São Caetano.
Há ainda técnicos que se destacam mais pelas idéias e outros pela execução. Como existem muitas maneiras de alcançar as vitórias, considero que uma teoria menos correta, mas bem executada, acabe sendo muito mais eficiente do que uma grande idéia mal aplicada.

E-mail
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