São Paulo, sábado, 14 de fevereiro de 2004

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FUTEBOL

Exercício de nostalgia

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Por que o Estadual do Rio está mais interessante que o de São Paulo? Por que os estádios cariocas estão muito mais cheios que os paulistanos?
Não há só uma resposta a essas perguntas, mas várias, que a meu ver se complementam.
Em primeiro lugar, existe a questão básica do preço do ingresso, que é muito mais baixo no Rio do que em São Paulo. Com mais público nos estádios, os atletas se motivam e os jogos ficam, no mínimo, mais disputados.
A esse propósito, o cineasta Ugo Giorgetti se recorda de Gonçalo, um zagueiro que jogou no Santos e no São Paulo nos anos 50.
Poucos minutos antes da partida, Gonçalo subia até o campo, dava uma espiada nas arquibancadas e, conforme a quantidade de torcedores presentes, voltava ao vestiário dizendo: "Hoje o Gonçalo não se exibe".
A presença dos torcedores carrega de energia e dramaticidade partidas que, com o estádio vazio, seriam desprovidas de maior interesse.
Outro ponto levantado ao longo da semana por alguns leitores (paulistas, evidentemente) é o de que, aos clubes cariocas, só restou valorizar seu Estadual, dada sua atual falta de competitividade nos torneios de âmbito nacional e internacional.
Maldade bairrista dos leitores? Pode ser. Mas o raciocínio tem algum fundamento. Outros grandes clubes do país, como o mineiro Cruzeiro, o paranaense Coritiba e os paulistas Santos, São Paulo e São Caetano, estão mais preocupados com a Libertadores da América do que com seus campeonatos locais.
Por fim, há o fato de que a Taça Guanabara (que corresponde ao primeiro turno do Estadual do Rio) tem uma longa e consolidada tradição, ao passo que a primeira fase do Campeonato Paulista muda a cada ano e, nesta edição, conta com uma fórmula esdrúxula, em que um grupo tem dez times e o outro, 11.
Mas, além de todos esses fatores, e talvez em decorrência deles, existe uma espécie de fechamento do futebol carioca em si próprio.
Vou tentar explicar. Se compararmos jogos paulistas e cariocas recentes, perceberemos que o futebol do Rio de certo modo parou no tempo -ou, para dizer de uma forma positiva, se manteve fiel a um estilo de jogo cada vez mais difícil de se ver pelo mundo.
Qual seja: um estilo cadenciado, com marcação frouxa e grandes espaços para a criação e para o exercício do talento individual. É uma pena, mas isso não existe mais, a não ser no Rio (e talvez em algum lugar da África). Temo que o belo futebol de um Felipe, por exemplo, tenha poucas chances de vingar fora do Rio.
A crise financeira dos clubes cariocas, a presença das mesmas velhas figuras (dentro e fora de campo), uma certa tendência autocêntrica da cultura popular carioca -tudo isso reforça a sensação de um futebol preservado fora do tempo, como se estivéssemos assistindo a uma reedição do "Canal 100". Para o bem e para o mal, ver o Estadual do Rio é um exercício de nostalgia.

Favoritismo tricolor
Se o Corinthians não vinha nada bem, as contusões dos últimos dias só vieram piorar suas condições para o clássico de amanhã contra o embalado São Paulo. Comparando os dois times, uma eventual vitória alvinegra será quase uma zebra.

Movimento popular
Parabéns às torcidas organizadas que estão entrando na Justiça pela redução dos preços dos ingressos. É com iniciativas desse tipo que elas podem se credenciar como verdadeiras ONGs de defesa dos interesses populares.

Camisa feia
Esta não é uma coluna de moda, mas não resisto: o novo uniforme da seleção é horrível. Com número dentro de um círculo, parece camisa de bingo.

E-mail jgcouto@uol.com.br


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