São Paulo, domingo, 14 de maio de 2006

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1974

Alemanha consolidada parte para maiores conquistas

GERD WENZEL
ESPECIAL PARA A FOLHA

O mundo estava em plena Guerra Fria. Os Estados alemães, a República Federal Alemã, com democracia parlamentar e capitalismo social de mercado, e a República Democrática Alemã, com regime de partido único e economia estatal planejada, representavam, como nenhum outro país, a divisão do mundo em dois blocos.
A Cortina de Ferro, com arame farpado e campos minados, estendia-se pela fronteira entre as duas Alemanhas. Não bastasse isso, em 13 de agosto de 1961, o então secretário-geral do Partido Socialista Unificado da DDR (Alemanha Oriental), Walter Ulbricht, ordenava a construção do Muro de Berlim para "salvaguardar as conquistas do operariado alemão e impedir a infiltração de agentes capitalistas em território da DDR". A partir daí, Berlim Ocidental passou a ser uma ilha do "mundo livre" encravado em território comunista.
A divisão da Alemanha em dois países de regimes diametralmente distintos consolidou definitivamente o "Estado do bem-estar social" no lado ocidental.
A economia florescia, assim como as liberdades democráticas, que podiam ser exercidas por quem quer que fosse. Berlim Ocidental gozava de privilégios especiais e contava com vultosos subsídios da República Federal Alemã para proporcionar condições de vida excepcionais aos "ilhados", e servir de vitrine do capitalismo aos olhos dos "primos pobres" de Berlim Oriental.
Já no final da década de 80, surgia em Leipzig, na Alemanha Oriental, com a liderança do pastor Christian Führer, um movimento pacifista e não-violento exigindo maiores liberdades individuais. Inicialmente eram "apenas" pequenas reuniões de oração às segundas-feiras ("Montagsgebete") com a presença de pouco mais de cem pessoas. Aos poucos, porém, a Igreja de São Nicolau não comportava mais as multidões, e o movimento assumia proporções jamais imaginadas. Com o slogan "Wir sind das Volk" ("Nós somos o povo"), milhares de manifestantes tomavam as ruas, sob o olhar atônito dos agentes de segurança política (Stasi), e o final dessa história todo mundo já conhece: em outubro de 1989 caía o Muro de Berlim e, um ano depois, a Alemanha estava reunificada.
Paralelamente aos acontecimentos políticos que impregnaram a Alemanha de 1960 a 1990, também no futebol os alemães fizeram história. Em 1963 surgia a Bundesliga, a Liga Federal de Futebol, que passou a organizar o Campeonato Alemão e cujo primeiro campeão foi o Colônia.
Com a criação da liga, o futebol alemão se fortaleceu, chegando a disputar cinco finais da Copa do Mundo nesse período: 1966, 1974, 1982, 1986 e 1990. Foi campeão mundial duas vezes (1974 e 1990) e vice em três oportunidades (1966, 1982 e 1986).
Essa época marcou também a ascensão definitiva do Bayern de Munique que, desde a criação da liga até 1990, conquistou 11 títulos nacionais, levantou nove vezes a Copa da Alemanha, foi tricampeão da Copa dos Campeões da Europa e campeão mundial interclubes em cima do Cruzeiro.
Uma figura imponente surgiu nesse cenário: Franz Beckenbauer, elegante líbero do Bayern e da seleção alemã, já na Copa de 1966, na Inglaterra. Com apenas 20 anos, por muito pouco não se tornou campeão mundial, traído tão-somente por um gol na final com a Inglaterra, gol esse que até hoje é alvo de calorosas discussões sobre "se foi, ou não foi".
Quem não lembra de sua atuação na Copa do México em 1970, quando, com a clavícula machucada, enfrentou na semifinal a Itália, naquele que seria considerado o maior e melhor jogo de todas as Copas. A Alemanha perdeu na prorrogação por 4 a 3, mas mandou uma Itália em farrapos para disputar a final com o Brasil e ainda entrou para a história como uma equipe heróica, cujo herói maior atendia, a partir daí, pelo apelido de "Kaiser" (imperador).
Mais maduro, aos 28 anos, comandou o esquadrão alemão na Copa de 1974, realizada na própria Alemanha. A seleção conquistou o segundo título ao vencer a Holanda. O elenco começou titubeante, sendo derrotado na fase de grupos pela outra Alemanha (a Oriental) por 1 a 0. A partir dessa revés, os alemães partiram pare o bi, vencendo Suécia, Iugoslávia e Polônia, para enfrentar na final a grande Holanda, que tinha superado o Brasil. O artífice maior da vitória por 2 a 1 foi Beckenbauer, com sua arte ao tratar a bola, sua capacidade de fazer lançamentos milimétricos, seu talento natural para se posicionar em campo e seu carisma ímpar ao comandar os companheiros.
O "Kaiser", mais popular e melhor jogador alemão do século 20, não parou por aí. Ele assumiu o comando técnico da "Nationalelf" no final da década de 1980 e foi campeão mundial mais uma vez na Copa da Itália, em 1990, dessa vez em cima da Argentina, justamente no ano da reunificação da Alemanha, completando um ciclo vitorioso do futebol alemão: três vezes campeão mundial, três vezes vice-campeão, três vezes campeão europeu e duas vezes vice-campeão europeu.


Gerd Wenzel é natural de Berlim e se mudou para o Brasil em 1955. Comenta futebol alemão na ESPN Brasil

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