São Paulo, sexta-feira, 14 de junho de 2002

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MELCHIADES FILHO

A defesa erra muito porque joga muito


Afirmar que a seleção foi bem "do meio para a frente" e um desastre "do meio para trás" é ignorar que nunca houve um "meio"


"Do meio para a frente, a seleção está ótima. Do meio para trás, um horror."
"Do meio para a frente, o time foi avassalador."
"Do meio para a frente, o time está arrebentando."
"Do meio para a frente, dou nota oito. Do meio para trás, dou nota cinco."
Como um realejo, as sentenças repetiram-se na TV. O ataque deu show; a defesa, medo.
Aparentemente, essa foi a história do jogo contra a Costa Rica. O placar comprova: havia dez Mundiais que a seleção não marcava cinco gols em uma partida. E o Datafolha revela: desde que apura estatísticas da bola (1986), nunca tinha visto o Brasil ser tão bombardeado pelo adversário em Copas, 19 finalizações.
Mas não se deve traçar o diagnóstico a partir desses recordes. Falar em "do meio para a frente" e "do meio para trás" é enxergar o futebol pela metade, é incorrer no mesmo erro de Luiz Felipe "Só-falta-corrigir-a-defesa" Scolari.
Certo, o trio Lúcio, Edmilson e Polga bate cabeça, leva o torcedor ao desespero, erra demais. Mas falha muito também porque está exposto demais, pelo mau posicionamento e dispersão do meio-campo.
E falha muito também porque é o único setor que, para o bem ou para o mal, participa de fato dos jogos -Ronaldo, que está "aceso" na Copa, não pode (ainda) ser chamado de setor.
Edmilson, por exemplo, recebeu ontem 40 passes. Foi o segundo mais acionado do time, atrás apenas de Júnior.
Tudo bem, o ex-são-paulino deu uma assistência e marcou um golaço. Mas causa estranheza um time que delega a um zagueiro, com tamanha devoção, a articulação das jogadas.
Em contrapartida, ao meia Juninho, no papel responsável pela transição entre defesa e ataque, a bola foi confiada somente 27 vezes pelos companheiros.
Comparada aos times de Zagallo-1998 e Parreira-1994, a seleção de 2002 passa menos, erra mais passes, desarma menos, perde mais bolas, cede mais escanteios, faz menos lançamentos, fica menos com a bola.
Repare, são fundamentos de dinâmica de jogo. Esse é o ponto frágil do Brasil nesta Copa. Falta-lhe a estrutura que nem sei se o xodó Ricardinho é capaz de garantir.
Culpa do empirismo do treinador, que, a cada dia, contradiz seu trabalho e, a reboque, leva a galera ao delírio. Na semana passada, a tela global pediu um beque de fazenda. Imagine na semana que vem, com o começo dos mata-matas.

melk@uol.com.br



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