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Deus, se existe, não torce para nenhum time
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
""E o tal do mundo não acabou",
como dizia aquele delicioso samba de Assis Valente.
A proximidade, ainda que imaginária, com o fim dos tempos me
levou a refletir sobre o chamado
sentimento religioso dos jogadores de futebol brasileiros.
Sempre tive a maior simpatia
pelos gestos mágicos dos atletas
em momentos importantes.
Houve uma época em que dez
entre dez jogadores passavam a
mão na grama e faziam o sinal da
cruz ao entrar em campo (sempre
com o pé direito) -e os goleiros
"fechavam o gol" fazendo uma
risca até a marca de pênalti, ou
chutando as traves. Era mais ou
menos como "fechar o corpo" na
umbanda e no candomblé.
Tudo isso sem falar em fitinhas,
figas, rezas -num ritual espelhado pelos torcedores, que não ficam atrás em termos de crenças,
manias e "simpatias" para ajudar o time a vencer.
Nesses casos, aliás, pouco importa a formação intelectual ou a
orientação filosófica do indivíduo: todos têm algum tipo de superstição, secreta ou declarada.
O grande cineasta Eduardo
Coutinho, que acaba de fazer um
filme sobre as crenças populares
numa favela carioca, foi questionado por um de seus entrevistados: ""E você? Qual é a sua religião?"
Coutinho respondeu: "Não tenho religião nenhuma, mas no
avião eu rezo para todos os santos". Acho que essa resposta resume o sentimento de muita gente.
O que ocorre hoje no futebol é
que a religião, como todo o resto,
virou mercadoria no imenso circo
da mídia e do marketing.
Há, é claro, os jogadores evangélicos e os ""atletas de Cristo",
que são sinceros em sua devoção.
Mas há também, em muitos casos, a utilização indiscriminada
de crenças e símbolos para a promoção de uma certa imagem pública. Os torcedores geralmente
sabem identificar os jogadores
que usam o discurso religioso,
mas agem em contradição com
ele. Um caso que ganhou contornos curiosos foi o de Jorginho, hoje no São Paulo. Atleta de Cristo,
ele foi interpelado durante a Copa de 94 por repórteres da Folha,
que lhe perguntaram mais ou menos o seguinte: "Se você é tão cristão, por que dá tanta pancada
nos adversários?".
Com magnífica auto-ironia, o
então lateral da seleção respondeu: "Sigo o que está na Bíblia: é
melhor dar do que receber".
Vários leitores têm me pedido
para tratar desse tema na coluna.
Não tenho muito a dizer a respeito, a não ser o seguinte: cada um
tem o direito de acreditar no que
bem entender, mas não o de se
julgar melhor do que qualquer
outra pessoa por causa disso.
Outra coisa: essa história de
atribuir uma vitória ou um gol à
ajuda de Deus, além de ser poucas
vezes sincera, é uma "licença poética" inaceitável.
Pressupõe das duas uma: ou
que Deus torce para o nosso time,
ou que rezamos mais do que os
adversários. Ora, você já tentou
calcular quantos corintianos e
quantos palmeirenses rezam por
uma vitória antes de um clássico
entre as duas equipes?
É pouco razoável supor que um
deus vai perder tempo com essa
aborrecida contabilidade antes
de decidir para que time dará sua
mãozinha providencial.
Não, minha gente, não dá. É
melhor deixar Deus -ou os deuses, guias, orixás- em paz, para
que possam tratar de assuntos
mais sérios. Afinal, o mundo não
acabou, mas não tem muito motivo para comemorar.
E-mail jgcouto@uol.com.br
José Geraldo Couto escreve aos sábados e
às segundas-feiras
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