São Paulo, domingo, 14 de outubro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FUTEBOL

Passado, presente e futuro

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Em todas as áreas, as pessoas descobrem e enxergam o que querem descobrir e enxergar. Quase nada é por acaso. Conduzem o raciocínio e chegam às conclusões de acordo com seus conhecimentos, vivências e desejos conscientes e inconscientes. Não há observador totalmente neutro.
É o que se vê na atual discussão entre o futebol do passado e o do presente.
Intencionalmente ou não, Scolari aproveita as entrevistas coletivas para ironizar e desrespeitar o futebol e os campeões de outras épocas, utilizando expressões chulas e grosseiras.
Felipão não está só. No "Jornal do Brasil" de domingo, o jornalista Joaquim Ferreira dos Santos fez uma crônica irônica e extremamente crítica sobre a seleção de 70. Ele assistiu ao teipe da final contra a Itália e disse, entre muitas outras coisas, que o futebol arte era muito chato, medíocre e que naquela época era muito fácil de se jogar.
Hoje, alguém (não sei quem) defenderá o contrário no mesmo jornal. Deveria aguardar o segundo ponto de vista para me manifestar, mas não controlei minha ansiedade. Além disso, nessa semana estarei de férias e quero dar minha opinião.
Para salientar a lentidão para ele irritante -nas partidas daquela época- Joaquim Ferreira exemplificou que Gerson andava quarenta metros com a bola antes de dar um passe. Joaquim não sabe que a tática adotada pela Itália para esse jogo foi a de recuar todos os armadores e defensores para a entrada da área, fechar os espaços e contra-atacar. Foi o que fez o Felipão na recente partida contra a Argentina.
Por isso, Gerson e Rivelino jogaram livres no meio-campo. Chutaram muitas bolas de fora da área. Foi assim no segundo gol do Brasil. Se Rivelino estivesse com a canhotinha calibrada, teria feito um ou dois gols. Por outro lado, por faltar espaços perto da área, Pelé, Jairzinho e Tostão não apareceram. Quase não toquei na bola.
Por causa dessa marcação, foi também a pior partida da seleção brasileira na Copa. Os gols saíram de belíssimas jogadas isoladas e individuais. Além disso, em função do nervosismo é muito comum, em todo o mundo, em todos os níveis e em todos os campeonatos, as partidas finais serem fracas.
O futebol era muito mais lento do que o atual, mas era muito mais criativo. Tocava-se mais a bola, sem pressa, até achar um espaço para fazer o gol. Era o grande diferencial das equipes brasileiras. Hoje, corre-se muito, sem inteligência e objetividade. É a velocidade burra. Os jogadores têm pressa de jogar ao gol. Cruza-se muito bolas na área. Essa era a principal jogada dos europeus. Copiamos o feio e o errado e eles importaram o bonito e o certo. Há, hoje, um equilíbrio técnico. Eles ganham na organização fora de campo e em outros detalhes.
Há tempos, assisti todos os teipes das partidas da Copa de 70 e não somente a contra a Itália. Tentei ver com olhar técnico, crítico e imparcial de um comentarista e não com o olhar de um ex-jogador.
Presenciei muitos erros individuais e coletivos. A seleção escolhida pelos críticos que entendem de futebol como a melhor equipe do mundo de todos os tempos não era a maravilha que a maioria fala, mas era excepcional e irresistível para a época.
As pessoas que não assistiram à Copa e vêem o teipe ficam frustradas porque idealizam um time perfeito. A perfeição só existe na nossa imaginação. A imagem destrói a fantasia. Daí, o eterno encanto do rádio.
Os extremos são indesejáveis. Não se pode ver o futebol do passado com o olhar pragmático e estreito de hoje, nem ver o atual futebol com o olhar romântico e saudosista. São estilos diferentes.
Não dá para transportar o futebol do passado para hoje, mas dá para sonhar com a união de beleza, toque de bola e talento com velocidade, disciplina tática e forte marcação, sem violência.
Para isso, as mudanças precisam começar nas categorias de base dos clubes e da seleção. Os jovens têm de ser dirigidos por profissionais experientes e comprometidos com uma nova filosofia.
Não é o que assistimos.
O supervisor da seleção, Antônio Lopes, num claro nepotismo, escalou seu filho para dirigir a seleção brasileira sub-16, como noticiou a Folha. O futebol é um retrato da vida brasileira.

Aviso
Nesta semana, darei um descanso para os leitores. Voltarei na quarta-feira, dia 24. Até lá!

E-mail
tostao.folha@uol.com.br



Texto Anterior: Boxe: Mike Tyson pretende fazer novos combates no continente europeu
Próximo Texto: Futebol: Lusa bate o Palmeiras no Canindé e complica o rival
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.