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A Luva de Alá
EDUARDO OHATA
enviado especial a Mar del Plata
""É Alá que, lá de cima, aperta os
botões. Eu só concretizo seus desígnios. Nenhum ser humano poderia fazer por si só o mesmo que
eu: ir dançando rumo ao tablado,
entrar no ringue executando uma
pirueta sobre a corda, confiante,
nocautear os adversários e comemorar com saltos mortais."
A caminhada do pugilista britânico de origem árabe Naseem Hamed (33 vitórias com 29 nocautes
e nenhuma derrota) rumo ao ringue, com um show de música, luzes e pirotecnia, demora bem mais do que as
dos demais lutadores: no
mínimo 10 minutos.
No mês passado, quando derrotou o mexicano
Cesar Soto para anexar o
cinturão dos penas do
Conselho Mundial de
Boxe ao da Organização Mundial de Boxe,
que já estava em seu
poder, seguiu ao ringue ao som de ""Thriller", de Michael
Jackson.
O show prossegue durante a luta, com golpes lançados das posições mais inusitadas possíveis e
esquivas dignas de uma demonstração de contorcionismo. Um estilo único, que deixa os rivais desorientados e inclui boa parte do
tempo com a guarda abaixada.
""Sou um entertainer. Faço
questão de oferecer ao público
mais do que socos e esquivas."
Duas semana atrás, em Mar del
Plata (Argentina), onde recebeu o
prêmio de lutador do ano da
OMB, o boxeador foi reconhecido
em uma festa por fãs que pediam
fotos ao lado dele.
Melhor pena do mundo na
atualidade segundo os especialistas, Hamed gentilmente atendeu
o pedido, mas antes pediu que sua
taça de champanhe fosse substituída por outra contendo água (o
consumo de álcool é proibido pela religião muçulmana).
É por causa dessas atitudes, que
unem o que poderia ser chamado
de ""marketing de Alá" a um comportamento que agrada aos jovens, que Hamed transformou
Michael Jackson, Liam Gallagher,
vocalista do Oasis, e o rapper Puff
Daddy, entre outros, em fãs.
Seu estilo e comportamento,
porém, não seduzem os mais conservadores, como o veterano colunista esportivo Jack Fiske.
""Ele luta como um palhaço. Se
aparecesse com o rosto pintado e
com um nariz vermelho, não me
surpreenderia", criticou Fiske.
Uma publicação norte-americana especializada em boxe nomeou o filho de imigrantes do Iêmen como o ""rei da popularidade", porque os índices de audiência de suas apresentações na rede
de TV a cabo HBO rivalizam aos
dos combates do ""chicano" Oscar
de la Hoya, na mesma emissora.
Esses números não passam despercebidos pela empresa, que firmou com Hamed, 25, um milionário contrato, além de ter gasto
US$ 12 milhões com publicidade
para sua estréia nos EUA, em 97.
Estimativas de um ex-membro
de sua equipe, o auto-intitulado
""príncipe que nasceu para ser rei"
estaria recebendo,
por cada defesa de
cinturão, bolsas de
US$ 6,5 milhões.
Ele é o boxeador
de origem árabe
mais conhecido nos
EUA desde o ex-campeão dos médios
Mustafa Hamsho, que lutou na década passada.
""Não foi problema conquistar
o mercado americano. É Sha Alá
(pela vontade de Deus). Provarei
a todos na América que sou o melhor lutador do mundo."
Apesar de, no momento, estar
se concentrando no público dos
EUA, a comunidade muçulmana permanece fiel. E o irmão e
empresário de Hamed, Riath,
sabe capitalizar.
No mês passado, em Detroit (EUA), onde unificou títulos com o mexicano Cesar
Soto, Hamed atraiu 12 mil
pessoas à arena Joe Louis.
Detroit tem uma das maiores comunidades muçulmanas
do mundo (cerca de 300 mil
pessoas) fora do Oriente Médio.
Riath antecipou sua chegada e
entregou aos comerciantes muçulmanos ingressos para que fossem vendidos em consignação.
O presidente do Iêmen, Ali Abdullah Salem, nutre especial carinho por Hamed, presenteando-lhe com jóias e carros.
A vila onde a família de Hamed
morava nunca
contou com eletricidade ou água
encanada. Bastou que o lutador
conversasse com Salem para que
num prazo de 48 horas o dirigente
providenciasse que a infra-estrutura apropriada fosse instalada.
O temperamento de Hamed,
um dos principais motivos de seu
sucesso no ringue, também o impulsiona a tomar decisões impetuosas em sua vida privada.
Apesar de afirmar que tem ilimitada admiração pelos pais, o
lutador nem se deu ao trabalho de
avisar quando se casou com uma
garota de credo distinto do seu.
Apesar de ter consciência de que é um
modelo para a juventude do Iêmen e do Reino Unido (onde vivem
cerca de 1 milhão de
muçulmanos), ocupou
os jornais ao brigar com
funcionários no aeroporto de Londres quando uma arma foi descoberta escondida na bagagem. As multas por
dirigir acima do limite
de velocidade também
são comuns.
Em 98, Hamed quase
protagonizou uma briga de rua. Ao encontrar o ex-campeão Chris Eubank, 30
quilos mais pesado que
ele, o desafiou.
""Tenho algo que você
não tem", disse, com ironia, o campeão, para então jogar seus cinturões
próximos ao local onde
seu compatriota estava.
""Não importa se você é
um pena, um cruzador ou
mesmo King Kong. Com a
pegada que tenho, se acerto
um golpe, você cai."
Para divulgar ainda mais o poder de Alá, o boxeador almeja ser
o primeiro a unificar os cinturões
das quatro principais entidades
em uma mesma categoria.
""Faltam agora o da Federação
Internacional e o da Associação
Mundial. Quero provar que sou o
melhor pena que já caminhou sobre a Terra."
Não fosse a política, Hamed há
tempos já teria alcançado seu objetivo, pois já conquistou os principais títulos, somente para perdê-los depois no tapetão.
O britânico bateu o compatriota
Steve Robinson para conquistar
seu primeiro cinturão dos penas,
o da OMB, em 1995.
Depois, anexou o título da FIB,
nocauteando o norte-americano
Tom Johnson, em 1997.
No ano seguinte, venceu o porto-riquenho Wilfredo Vazquez,
que foi destituído do cinturão da
AMB justamente por assinar contrato para unificar os cinturões
com o pugilista inglês.
Hamed corre agora o risco de
perder o do CMB -que ordenou
que abandonasse o título da OMB
até o final do mês.
""Quando for a hora, vou subir
de peso uma vez mais e vencer todos os superpenas (categoria na
qual o brasileiro Acelino Freitas,
o Popó, é campeão pela OMB).
Não tenho medo de
ninguém, a única coisa que temo é Alá."
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