JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Quando abri o jornal e me dei conta de que não teríamos rodada do Campeonato Brasileiro no fim de semana, fiquei perplexo. E o Santos? E a caça à Raposa? E a queda do Grêmio? A solução foi fazer o que sempre faço quando dúvidas existenciais me atormentam. Fui ao bar. Ao bar da Preta.
Essa Preta é uma negra de idade incerta, tão gorda quanto simpática, dona de uma risada de cem decibéis e com dentes tão brancos que parecem balas de Mentex. Nasceu no interior da Bahia e diz que passou um tempo trabalhando na Europa. Talvez por isso seu bar tenha uns pratos esquisitos, como o "coq au pinga" e o "crepe Suzete da Silva".
Logo que me sentei, ela percebeu meu ar de preocupação:
- Que cara é essa, meu nego? Vai comer alguma coisa?
- Uma coxinha.
- Ainda é a crise dos quarenta?
- Hoje não. É coisa mais grave.
- Impotência? Eu tenho uma receitinha de chá de gengibre e coentro que não tem erro.
- Não, não é isso. Mas me passa a receitinha.
- Então o que é? Ah, já sei, nem precisa dizer. É a fragmentação do homem pós-moderno. Essa falta de valores, o fim das utopias, a escassez das ideologias... Quando eu era chapeira lá na lanchonete da Sorbonne, só se falava nisso.
- Não, não é isso...
- E para beber? Fanta Uva?
- Sem gelo. Mas o meu problema, dona Preta, é que nesse fim de semana vai ter jogo do Brasil. Eu gosto da seleção, mas sinto falta daquela rodadinha trivial.
Ela soltou o quá-quá-quá em dolby estéreo e deu um tapa na mesa que fez o paliteiro dançar.
- Ai, meu santo, você está fazendo tempestade em copo d'água. Essa história de clube e seleção é que nem aquela história de amante e mulher.
- Como assim?
- Vou explicar miudinho: é que a seleção, meu filho, é como uma amante: você só vê de vez em quando, ela tem sempre alguma surpresa, é sempre uma ocasião especial e você nem tem tempo de enjoar. Falando nisso, a coxinha está boa?
- Grumpf, respondi de boca cheia.
- Já a mulher é que nem o clube: é aquela convivência de todo dia. Você sabe tudo sobre ela: a história, os defeitos, as qualidades, as manhas.
- Tá, mas e aí, o que é que eu faço?
- O Seu Sartre e a dona Simone viviam me perguntando isso. Eu falei: morem em casas separadas, ué? Assim vocês ficam com o melhor de cada situação.
- Como assim?
- Vou explicar miudinho: pensa bem, esse domingo vai ser dia de seleção, não vai?
- Vai.
- Então, pára de pensar no clube e aprecie a seleção com tudo o que ela tem de bom e de melhor. Quem açula a ausência anula a presença.
- O que é "açula"?
- Ai, eu desisto. Vai um docinho? A paçoca está fresquinha.

B
Com duas vitórias simples, Palmeiras e Botafogo podem selar sua passagem para a Série A neste sábado republicano. Para os que atacam a fórmula de torneio por pontos corridos, essa é uma prova de que também os quadrangulares, hexagonais e octogonais estão sujeitos a finais desinteressantes.

C ou não C
E a Terceirona já tem os finalistas que vão se pegar no quadrangular final. São eles: Campinense, Botafogo-PB, Santo André e Ituano. Um duelo Paraíba x São Paulo.

Haicai
De Joaquim Pedro Barbosa, de Uberlândia: "Corrompido/ O expresso da vitória/ Chega ao fim da história. PS: Acho que vou torcer pro América".

E-mail torero@uol.com.br


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