São Paulo, sábado, 14 de dezembro de 2002

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FUTEBOL

Por falar em preto-e-branco

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Duas graves acusações de racismo ganharam espaço na imprensa e na televisão nos últimos dias.
Uma delas envolve um condomínio de luxo do Rio de Janeiro, que teria discriminado a mãe e uma tia do craque Ronaldo. Por extrema ironia, o mesmo condomínio abriga, sem que ninguém proteste, apartamentos de criminosos de colarinho branco.
O fato é ilustrativo.
O atleta mais bem-sucedido da atualidade, eleito três vezes o melhor futebolista do planeta, é levado, de repente, a despertar de seu sonho de Cinderela e confrontar o ranço senhorial e escravista de nossas elites.
O processo de embranquecimento simbólico vivido por Ronaldo não se estendeu nem mesmo a seus parentes mais próximos. A passagem pela qual se chega à plena cidadania ainda é muito estreita. Para a maioria dos pobres e negros (dos mais variados matizes), é mais difícil passar por ela que um camelo passar pelo buraco de uma agulha.
A tentativa de exclusão das familiares de Ronaldo é análoga ao horror com que certas colunistas sociais vêem a pobretona Marisa da Silva ter acesso aos palácios do poder e aos requintes franqueados por sua nova condição de primeira-dama do país.
Quer dizer: o Lula passa, mas a Marisa não. O Ronaldo passa, mas sua parentalha não.
Diante de uma brutalidade como essa, Ronaldo não deve vacilar. Tem mesmo que pôr a boca no mundo, denunciar e processar. Nunca é demais lembrar que racismo é crime, ainda que seja o crime mais impune que se pratica no país.
É à luz desse quadro geral que se deve ver a outra acusação de racismo surgida na última semana. Ela é aparentemente mais leve -mas só aparentemente. O craque Diego, do Santos, teria chamado os corintianos Kléber e Renato de macacos durante jogos entre os dois times.
Esse tipo de incidente não é novo. O colombiano Rincón acusou um rival de ter proferido o mesmo tipo de ofensa, alguns anos atrás.
Há quem atribua a grita atual dos corintianos a uma tentativa de "conturbar o ambiente" e desestabilizar o jovem time santista às vésperas do segundo e decisivo jogo da final do Brasileiro.
Sinceramente, não acredito em armação. Vi na TV quando Renato, quase a contragosto, admitiu envergonhado ter recebido a ofensa. E não acho que Kléber, atleta consciente e de idéias firmes, iria levantar a questão de modo leviano.
Há também quem minimize a importância do fato lembrando a juventude de Diego. "É só um garoto. Nessa idade, a gente fala muita bobagem."
Mas é nessa idade, também, ou até antes, que se formam os valores que carregamos pela vida inteira. Se Diego xingou seus adversários de macacos, como acredito que xingou, deve ser punido por isso.
Já que é menor de idade e não pode ser responsabilizado criminalmente, que receba um puxão de orelhas (metafórico, claro) -dos pais, do clube, da opinião pública.
Podem dizer que estou exagerando, mas com racismo não se transige. Passar condescendentemente a mão na cabeça de um jovem preconceituoso (ou leviano, o que dá quase no mesmo) é o caminho mais curto para produzir um adulto que vai querer obrigar os negros a usarem o elevador de serviço.

Opção desesperada
Se o Corinthians pretende explorar a jogada aérea contra o Santos amanhã, trata-se de uma opção muito discutível. Primeiro, porque o time não treinou esse esquema ao longo do ano. Segundo, porque os zagueiros santistas são altos e se posicionam bem. Terceiro, porque seria um retrocesso em relação ao esquema de jogo da equipe -a não ser que a jogada seja apenas "mais uma opção". O que tem faltado ao Corinthians, além de atenção na defesa, é criatividade para fugir da mesmice. E também um certo elã, o impulso vital que faz os garotos do Santos se multiplicarem em campo.

Faltam 90 minutos
O maior risco que o Santos corre é o de entrar de salto alto, já se julgando campeão. O Corinthians não vem bem, mas cansei de vê-lo ressurgir das cinzas quando menos se esperava.

E-mail jgcouto@uol.com.br


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