|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BASQUETE
O mecenas
MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE
Do trabalho para a cama,
da cama para o trabalho. O
viúvo de 65 anos, usineiro realizado, entregava-se à rotina que
endurece o coração, esgota a alma. Até o dia em que aceitou o
convite do amigo Macalé, dono
de revendedora de carros, e ganhou um presente e renasceu.
Francisco Quagliato nunca tinha pisado numa quadra, nunca
tinha relado em uma bola laranja, nunca tinha visto um jogo pela
TV. Não distinguia as regras, não
sabia o que ver, no que reparar.
Espantou-se, primeiro, com a
festa. "O ginásio gritava "sou ourinhense com muito orgulho e muito amor". Um lindo ato cívico."
Assombrou-se, em seguida, com
a velocidade do jogo. "O placar
mudava rápido, muito depressa.
Era emoção demais. O sujeito
precisa ser bom de relógio, viu?
Senão a pressão explode."
Comoveu-se, por fim, com o
desfecho. O time da casa, atordoado pela derrota, zanzava na
quadra, enquanto as arquibancadas se esvaziavam. "Aquelas
meninas me pareceram tão sozinhas. Não podia abandoná-las."
Naquela tarde, há menos de
cinco anos, o basquete foi apresentado a Seu Chico, ou Chico, ou
Chicão, ou Tio, ou, às vezes, Pai.
Apaixonado, Quagliato aproximou-se dos dirigentes do clube de
Ourinhos. Ofereceu-se para patrocinar o projeto. Em troca, queria só conviver com as jogadoras,
assistir a todos os treinos e partidas, "ajudar a sustentar o sonho".
Graças ao mecenas caipira, a
pequena cidade no oeste paulista
detém hoje o título brasileiro feminino. Ele não bancou somente
os salários. Muitas vezes interveio
e segurou a onda de Janeth e outras atletas, nessas crisezinhas triviais do dia-a-dia que a distância
de casa só faz aumentar. "Enquanto uns mordem, eu assopro."
Quagliato insiste em minimizar
seu papel. "O time não é caro. As
meninas infelizmente não têm
mercado, os salários são baixos. O
dinheiro não me faz falta."
Então por que não surgem outros investidores, quiçá da bem-sucedida agroindústria, com o
mesmo desprendimento, o mesmo interesse de apoiar o esporte?
"Cada um tem seu passatempo.
Uns gostam de iate, uns gostam
de carro, outros de mulher bonita.
O basquete é a minha alegria."
Mas o próprio Quagliato se antecipa e desautoriza a conclusão
de que nossa sorte, então, depende da excentricidade de milionários idosos. Cheio de dedos, seja
porque o Paulista começa no final
deste mês, seja porque está transtornado com o fim do Americana
(o grande rival de Ourinhos), ele
sugere um plano de ação:
1) Investir em cidades com poucas opções de lazer. "Não faz sentido competir com o futebol."
2) Montar um projeto de ponta
a ponta, da base ao time principal. "Isso envolve a comunidade e
dá seqüência a todo o trabalho."
3) Contratar um craque, que vire referência para o torcedor, mas
que se identifique com o projeto.
"A Janeth é a primeira a chegar e
a última a sair dos treinos."
4) Um título de vez em quando.
"Senão a turma desanima."
Nesses quatro anos, Chicão
aprendeu mais do que muita gente que nasceu e que morre(u) com
o basquete brasileiro.
Investimento 1
Não se surpreenda se o aplicado Paulo Bassul, cuspido do basquete
feminino brasileiro, fechar seu giro no exterior com um convite para
assumir o Hondarribia. É a própria Maria Helena Cardoso, atual treinadora do time sensação do Espanhol, quem articula sua sucessão.
Investimento 2
O competente Carlos Renato dos Santos assumiu a coordenação do
curso da arbitragem paulista. A primeira turma começa em abril.
Investimento 3
Ainda que devesse ter explicado melhor seus motivos, Nenê mostrou
que não é mais criança com a decisão de boicotar a seleção enquanto
Gerasime Bozikis estiver no comando (sic) do basquete nacional.
E-mail melk@uol.com.br
Texto Anterior: Vôlei: STJD dá 48 h para federação explicar doping Próximo Texto: Futebol - Marcos Augusto Gonçalves: A alma do "Timón" Índice
|