São Paulo, terça-feira, 15 de março de 2005

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BASQUETE

O mecenas

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

Do trabalho para a cama, da cama para o trabalho. O viúvo de 65 anos, usineiro realizado, entregava-se à rotina que endurece o coração, esgota a alma. Até o dia em que aceitou o convite do amigo Macalé, dono de revendedora de carros, e ganhou um presente e renasceu.
Francisco Quagliato nunca tinha pisado numa quadra, nunca tinha relado em uma bola laranja, nunca tinha visto um jogo pela TV. Não distinguia as regras, não sabia o que ver, no que reparar.
Espantou-se, primeiro, com a festa. "O ginásio gritava "sou ourinhense com muito orgulho e muito amor". Um lindo ato cívico."
Assombrou-se, em seguida, com a velocidade do jogo. "O placar mudava rápido, muito depressa. Era emoção demais. O sujeito precisa ser bom de relógio, viu? Senão a pressão explode."
Comoveu-se, por fim, com o desfecho. O time da casa, atordoado pela derrota, zanzava na quadra, enquanto as arquibancadas se esvaziavam. "Aquelas meninas me pareceram tão sozinhas. Não podia abandoná-las."
Naquela tarde, há menos de cinco anos, o basquete foi apresentado a Seu Chico, ou Chico, ou Chicão, ou Tio, ou, às vezes, Pai.
Apaixonado, Quagliato aproximou-se dos dirigentes do clube de Ourinhos. Ofereceu-se para patrocinar o projeto. Em troca, queria só conviver com as jogadoras, assistir a todos os treinos e partidas, "ajudar a sustentar o sonho".
Graças ao mecenas caipira, a pequena cidade no oeste paulista detém hoje o título brasileiro feminino. Ele não bancou somente os salários. Muitas vezes interveio e segurou a onda de Janeth e outras atletas, nessas crisezinhas triviais do dia-a-dia que a distância de casa só faz aumentar. "Enquanto uns mordem, eu assopro."
Quagliato insiste em minimizar seu papel. "O time não é caro. As meninas infelizmente não têm mercado, os salários são baixos. O dinheiro não me faz falta."
Então por que não surgem outros investidores, quiçá da bem-sucedida agroindústria, com o mesmo desprendimento, o mesmo interesse de apoiar o esporte? "Cada um tem seu passatempo. Uns gostam de iate, uns gostam de carro, outros de mulher bonita. O basquete é a minha alegria."
Mas o próprio Quagliato se antecipa e desautoriza a conclusão de que nossa sorte, então, depende da excentricidade de milionários idosos. Cheio de dedos, seja porque o Paulista começa no final deste mês, seja porque está transtornado com o fim do Americana (o grande rival de Ourinhos), ele sugere um plano de ação:
1) Investir em cidades com poucas opções de lazer. "Não faz sentido competir com o futebol."
2) Montar um projeto de ponta a ponta, da base ao time principal. "Isso envolve a comunidade e dá seqüência a todo o trabalho."
3) Contratar um craque, que vire referência para o torcedor, mas que se identifique com o projeto. "A Janeth é a primeira a chegar e a última a sair dos treinos."
4) Um título de vez em quando. "Senão a turma desanima."
Nesses quatro anos, Chicão aprendeu mais do que muita gente que nasceu e que morre(u) com o basquete brasileiro.

Investimento 1
Não se surpreenda se o aplicado Paulo Bassul, cuspido do basquete feminino brasileiro, fechar seu giro no exterior com um convite para assumir o Hondarribia. É a própria Maria Helena Cardoso, atual treinadora do time sensação do Espanhol, quem articula sua sucessão.

Investimento 2
O competente Carlos Renato dos Santos assumiu a coordenação do curso da arbitragem paulista. A primeira turma começa em abril.

Investimento 3
Ainda que devesse ter explicado melhor seus motivos, Nenê mostrou que não é mais criança com a decisão de boicotar a seleção enquanto Gerasime Bozikis estiver no comando (sic) do basquete nacional.

E-mail melk@uol.com.br


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