São Paulo, sexta-feira, 15 de abril de 2005

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Argentino preso em campo diz que é tratado como delinqüente

Sozinho na cela, atleta fica sem cama, come marmita de preso comum e, após negar em depoimento ofensa racial a Grafite, espera liberdade hoje

KLEBER TOMAZ
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Estou sendo tratado como um delinqüente", reclamou o zagueiro argentino Leandro Desábato, 26, do Quilmes, preso numa cela provisória do 34º Distrito Policial, na Vila Sônia, em São Paulo.
Desábato está detido desde a 0h54 de ontem, após ter sido indiciado, no gramado do Morumbi, sob acusação de injúria qualificada (ofensa à dignidade de alguém com elementos de raça, cor e religião) por chamar Grafite, rival em partida pela Libertadores, de "negro de merda, filho da puta, negrinho", segundo depoimento do atacante do São Paulo à polícia.
No fim do primeiro tempo, Grafite foi xingado por Desábato, revidou com um tapa na cara do argentino e foi expulso. O argentino seguiu em campo e, após o árbitro terminar a partida, recebeu ordem de prisão do delegado Osvaldo Gonçalves, da Polícia Civil.
Gonçalves soube do ocorrido e consultou Grafite nos vestiários. O atacante declarou se sentir "discriminado" e concordou em registrar um boletim de ocorrência.
Desábato foi enquadrado no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal brasileiro, que prevê pena de reclusão de um a três anos e multa. À polícia, o zagueiro, contrariando imagens da TV, negou ter feito insultos racistas. Afirmou, porém, ter sugerido a Grafite que pegasse "a banana e enfiasse na bunda", em resposta ao fato de Grafite ter supostamente comentado que, se fizesse um gol, iria comemorar com um gesto de banana. O são-paulino negou que tivesse planejado essa ação.
Como "delinqüente", Desábato teve tratamento de preso comum: ficou sem cama ou colchão -nem tentou dormir- e recebeu a marmita usualmente oferecida a quem vai para a cadeia: arroz, feijão e picadinho de carne e batata. Também tomou suco.
Apesar de ter reclamado, na presença do presidente da Confederação Sul-Americana (Conmebol), Nicolás Leoz, e do da Federação Paulista de Futebol, Marco Polo Del Nero, de sua situação -informação confirmada por fonte policial-, Desábato teve alguns benefícios, como direito a chimarrão e até massagem.
Frutas (maçãs, goiabas, uvas e bananas) foram levadas pelo técnico do Quilmes, Gustavo Alfaro. Ele disse que, pelo fato de ser atleta, Desábato devia consumi-las para suprir as energias gastas.
Um outro membro do time esteve com o zagueiro. Preparou o chimarrão e fez massagens nele, que reclamava de dor no pé esquerdo. Houve aplicação de gelo.
O jogador, em todo o tempo, esteve calmo, segundo a polícia.
Nicolás Leoz disse que Desábato já foi suspenso preventivamente por um jogo até julgamento da Comissão Disciplinar da Conmebol. "Vamos preparar campanha em repúdio ao racismo na América do Sul", afirmou o paraguaio, que pegou cópia do boletim de ocorrência para enviar à Fifa. Fora da delegacia, pessoas protestavam contra o ato do argentino.
No jogo do São Paulo contra o Quilmes na Argentina, em 16 de março, Grafite já havia dito ter sido alvo de ofensas raciais. O Quilmes enviou fax ao São Paulo pedindo desculpas pelo ocorrido.
Em relação ao que aconteceu no Morumbi, o inquérito policial terá de ser concluído em dez dias pelo delegado Guaracy Moreira Filho, do 34º DP. Segundo José Carlos Ferreira Alves, advogado do São Paulo, Grafite tem seis meses para apresentar queixa-crime à Justiça contra Desábato, por se tratar de crime de ação privada. Ou o caso pode ser arquivado.
Se for condenado pela Justiça, o argentino será expulso do país após cumprimento da pena, segundo determina o Estatuto dos Estrangeiros. "Todo estrangeiro que é preso no Brasil tem seu auto de prisão levado para a Polícia Federal, em Brasília, que só aguarda o juiz dar a pena para abrir o inquérito de expulsão", explicou o delegado federal José Lemos, chefe do núcleo operacional da delegacia de imigração em São Paulo.
Por questões de segurança e estrutura, Desábato foi transferido às 17h55 para uma cela individual do 13º DP, na Casa Verde. Minutos depois, o juiz Marcos Alexandre Zili, do Departamento de Inquéritos Policiais, concedeu alvará de soltura para o argentino, após habeas corpus impetrado pelos advogados de defesa cedidos pelo Consulado da Argentina.
Para ser solto, Desábato terá de pagar fiança de R$ 10 mil. Isso deve acontecer hoje. Sendo libertado, ele precisa de autorização judicial, que ainda não foi concedida, para poder deixar o Brasil.


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