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JUCA KFOURI
Veneno remédio, o jogo
Não é um tratado sociológico, nem psicológico, nem antropológico sobre o futebol. É tudo isso e mais
FREUD HOBSBAWM, Gilberto
Freire, Sergio Buarque de Holanda e Chico, o filho; Lévi-Strauss, Machado de Assis e Pasolini; Caetano Veloso, Pelé e, é claro,
Tostão.
Tem de tudo um pouco, tem um
pouco de tudo, tem tudo de tudo no
livro que a Companhia das Letras
prevê lançar no dia 23 de maio, "Veneno Remédio, O Futebol e o Brasil", 448 páginas, R$ 41, do professor
de teoria literária na USP, músico,
compositor, ensaísta e santista de
cabeça iluminada José Miguel Wisnik. Trata-se de um livro que, para
usar a expressão do próprio autor,
fala muito mais do futebol do que de
futebol - porque preocupado em
destrinchar o jogo, não o seu entorno (o que mata de inveja este colunista, obrigado a falar muito menos
do jogo do que gostaria...).
Inveja daquelas saudáveis, diga-se, se é verdade que existem.
Porque "Veneno Remédio" inscreve-se na saga das obras que têm o
jornalista Renato Pompeu como
precursor no país, com seu "A Saída
do Primeiro Tempo" (editora Alfa-Omega, já esgotado), e que encontrou seqüência na brilhante obra do
historiador medievalista, também
da USP, Hilário Franco Júnior, "A
Dança dos Deuses", também da
Companhia das Letras.
Com a originalidade só possível
entre aqueles que pesquisam muito
antes de ser originais, Wisnik revela
que o "o Sol jamais se põe no império brasileiro do futebol", frase do
francês Pascal Boniface, doutor em
geopolítica internacional.
Se para Pompeu "a bola representa o mundo e o jogador brinca com o
mundo como sempre foi a intenção
da humanidade", e para Franco "a
bola é redonda e o terreno quadrado
como o Céu e a Terra", para Wisnik,
"enquanto namoradas e esposas
muitas vezes rivalizam com as atenções do homem para com o futebol,
a mãe coloca-se numa posição significativamente cúmplice, pois sabe,
íntima e intuitivamente, que a ligação dos filhos com a bola -primária,
ancestral, nostálgica da esfericidade
perdida - é, de algum modo, uma ligação com ela".
O que retoma a teoria de Pompeu,
segundo a qual, também, "a bola
participa da Inconstância Fundamental da Mulher, determinada por
sua maior ligação à natureza inconstante, através da Gravidez e da
Menstruação, transformações da
mulher necessárias à preservação
da Espécie".
Sim, pode parecer loucura.
Mas como são geniais esses malucos pensadores como Pompeu,
Franco e Wisnik, capazes de dar significado e sentido a fenômenos tão
próximos de todos nós que acabam
por não nos ocupar além de eles
mesmos, como se simplesmente estivessem postos e ponto.
Mas, não, em busca da obviedade
mais gritante, para revelar a intimidade mais oculta do objeto que tanto
amamos, uma metáfora surpreende
para fazer tudo ficar muito mais claro e estruturado, porque assim são
as coisas do inconsciente. E este é o
pontapé inicial do livro de Wisnik,
porque é como se "viver futebol dispensa pensá-lo, é essa dispensa que
se procura nele".
Leia Wisnik e comprove que não.
Porque não foi à toa que ele, ao viver com o pai as emoções do Santos
de Pelé na Vila Belmiro, passou a
achar que tudo na vida tem sentido.
blogdojuca@uol.com.br
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