São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 2008

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JUCA KFOURI

Veneno remédio, o jogo

Não é um tratado sociológico, nem psicológico, nem antropológico sobre o futebol. É tudo isso e mais

FREUD HOBSBAWM, Gilberto Freire, Sergio Buarque de Holanda e Chico, o filho; Lévi-Strauss, Machado de Assis e Pasolini; Caetano Veloso, Pelé e, é claro, Tostão.
Tem de tudo um pouco, tem um pouco de tudo, tem tudo de tudo no livro que a Companhia das Letras prevê lançar no dia 23 de maio, "Veneno Remédio, O Futebol e o Brasil", 448 páginas, R$ 41, do professor de teoria literária na USP, músico, compositor, ensaísta e santista de cabeça iluminada José Miguel Wisnik. Trata-se de um livro que, para usar a expressão do próprio autor, fala muito mais do futebol do que de futebol - porque preocupado em destrinchar o jogo, não o seu entorno (o que mata de inveja este colunista, obrigado a falar muito menos do jogo do que gostaria...).
Inveja daquelas saudáveis, diga-se, se é verdade que existem. Porque "Veneno Remédio" inscreve-se na saga das obras que têm o jornalista Renato Pompeu como precursor no país, com seu "A Saída do Primeiro Tempo" (editora Alfa-Omega, já esgotado), e que encontrou seqüência na brilhante obra do historiador medievalista, também da USP, Hilário Franco Júnior, "A Dança dos Deuses", também da Companhia das Letras.
Com a originalidade só possível entre aqueles que pesquisam muito antes de ser originais, Wisnik revela que o "o Sol jamais se põe no império brasileiro do futebol", frase do francês Pascal Boniface, doutor em geopolítica internacional.
Se para Pompeu "a bola representa o mundo e o jogador brinca com o mundo como sempre foi a intenção da humanidade", e para Franco "a bola é redonda e o terreno quadrado como o Céu e a Terra", para Wisnik, "enquanto namoradas e esposas muitas vezes rivalizam com as atenções do homem para com o futebol, a mãe coloca-se numa posição significativamente cúmplice, pois sabe, íntima e intuitivamente, que a ligação dos filhos com a bola -primária, ancestral, nostálgica da esfericidade perdida - é, de algum modo, uma ligação com ela".
O que retoma a teoria de Pompeu, segundo a qual, também, "a bola participa da Inconstância Fundamental da Mulher, determinada por sua maior ligação à natureza inconstante, através da Gravidez e da Menstruação, transformações da mulher necessárias à preservação da Espécie".
Sim, pode parecer loucura. Mas como são geniais esses malucos pensadores como Pompeu, Franco e Wisnik, capazes de dar significado e sentido a fenômenos tão próximos de todos nós que acabam por não nos ocupar além de eles mesmos, como se simplesmente estivessem postos e ponto.
Mas, não, em busca da obviedade mais gritante, para revelar a intimidade mais oculta do objeto que tanto amamos, uma metáfora surpreende para fazer tudo ficar muito mais claro e estruturado, porque assim são as coisas do inconsciente. E este é o pontapé inicial do livro de Wisnik, porque é como se "viver futebol dispensa pensá-lo, é essa dispensa que se procura nele".
Leia Wisnik e comprove que não. Porque não foi à toa que ele, ao viver com o pai as emoções do Santos de Pelé na Vila Belmiro, passou a achar que tudo na vida tem sentido.


blogdojuca@uol.com.br

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