São Paulo, sábado, 15 de agosto de 2009

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JOSÉ GERALDO COUTO Na arena, com as feras


Morumbi e Mineirão foram palco nos últimos dias de manifestações de intolerância e sadismo da multidão


NO RECENTE documentário a seu respeito, "Um Homem de Moral", o compositor Paulo Vanzolini diz o seguinte: "Das pessoas individualmente eu não gosto, mas do povo, coletivamente, eu gosto muito".
Em face dos últimos acontecimentos, sinto quase o contrário. A massa, em dadas circunstâncias, pode ser burra, violenta, cruel.
Ao longo da semana, o Morumbi e o Mineirão mostraram o quanto um estádio de futebol se assemelha às antigas arenas romanas, nas quais a plebe vibrava ao ver cristãos estraçalhados por feras ou esmagados por gladiadores.
A vítima mais recente da sanha linchadora da multidão foi o garoto Renan Oliveira, 19, do Atlético-MG.
Chamado a substituir, contra o Palmeiras, o artilheiro ausente Diego Tardelli, Renan estava dando conta razoavelmente da tarefa até que, aos 14min do segundo tempo, a zaga palmeirense cometeu um pênalti.
O veterano Júnior seria o cobrador natural, mas o jovem tirou a bola da sua mão e pediu para bater. Era seu grande momento. Se marcasse, colocando seu time em vantagem, seria a consagração, diante de mais de 50 mil torcedores do Galo.
Acontece que na frente daquele garoto imberbe havia o grande Marcos, contumaz pegador de pênaltis, que tinha tomado um frango na partida e ansiava por uma redenção.
Renan quis ser esperto, deu uma paradinha, mas Marcos teve sangue frio e esperou o chute. Saltou, espalmou a bola, acrescentou mais um feito a seu acervo de glórias.
Renan, inversamente, afundou no abismo. Vaiado pela torcida a cada vez que tocava na bola, soterrado por coros ofensivos, não conseguiu mais acertar nenhuma jogada. Seguiu em campo aos tropeços, como um morto-vivo, até que o técnico Celso Roth teve o gesto piedoso de substituí-lo. A massa conseguira aniquilar, ainda que momentaneamente, um talento em formação.
Domingo, no Morumbi, foi pior.
Ali, o jogador vaiado e hostilizado pelas ditas "organizadas" não tinha perdido pênalti, nem marcado gol contra, nem sequer dado um passe de presente ao adversário. Era, na verdade, um dos mais eficientes e empenhados do seu time. Por que então sua própria torcida o atacava?
Os refrões homofóbicos entoados na arquibancada não deixam dúvida: o "crime" de Richarlyson é sua suposta orientação sexual. Eis a explicação, com erro de concordância e tudo, com que o presidente de uma das tais organizadas justificou a perseguição ao atleta: "Não pegou bem para a torcida algumas coisas da vida pessoal do Richarlyson, que acabam atreladas a todos os são-paulinos".
Ou seja: o medo do líder de torcida é de ser visto, ele próprio, como homossexual. Não é preciso ser nenhum Freud para ver aí um caso claro de insegurança quanto à própria sexualidade. Sossegue, moço. Como diz a canção do Jorge Mautner: "Vivamos em paz/ porque tanto faz/ gostar de coelho ou de coelha".
Os dois casos de fúria coletiva mostram a atualidade de uma frase de Nietzsche que uma amiga querida me fez lembrar outro dia: "A insanidade individual é até certo ponto rara; porém em grupos, partidos, nações e épocas, a insanidade é regra geral". Nietzsche era louco, mas não era burro.

jgcouto@uol.com.br

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