São Paulo, Domingo, 15 de Agosto de 1999
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O próximo campeão?

FÁBIO SEIXAS
enviado especial a Budapeste

"Você fala sério?", respondeu Eddie Irvine, 33, à Folha, anteontem, após uma boa risada.
"Não me lembro disso. Mas é uma coisa normal. Sempre que aparece algum piloto novo, a imprensa tenta compará-lo a outros. É para vender mais revista", continuou o piloto.
Outubro de 93. Autódromo de Suzuka, Japão. Estreando na F-1, com uma vaga alugada na Jordan, o irlandês causa sensação.
Nos treinos, supera seu companheiro de equipe, Rubens Barrichello. Na corrida, tira Derek Warwick da pista e, mesmo sendo retardatário, ultrapassa o líder Ayrton Senna, o que mais tarde lhe rendeu um murro e a inimizade do tricampeão mundial.
Poucos dias depois, o novato é o grande destaque nas mais importantes revistas de automobilismo do planeta.
Para a italiana "Autosprint", seu estilo arrojado lhe valeu o apelido de "novo Mansell".
Para a "Autosport", da Inglaterra, surgia um "novo Schumacher" -algo que soa como premonição após a batida que eliminou o alemão da disputa do campeonato e que alçou Irvine ao posto de primeiro piloto ferrarista.
Hoje, quase seis anos depois, o irlandês se vê líder do Mundial de Pilotos, com 52 pontos, contra 44 do atual campeão, o finlandês Mika Hakkinen, segundo colocado.
Corrida após corrida, fica mais próximo do título, algo inimaginável até a batida de Schumacher, há um mês e quatro dias -até o início desta temporada, o irlandês não havia vencido nenhuma corrida na categoria.
A declaração de Irvine que abre esta reportagem, dada quando ele foi questionado sobre a reação das duas revistas a sua estréia na F-1, ilustra um pouco a personalidade do irlandês.
Chamado de "idiota" e de "estúpido" por Senna após a manobra em Suzuka, o irlandês manteve por algum tempo a marca de "bad boy" -só para constar, seu nome de batismo é Edmond.
Hoje, livre do estigma, com todas as atenções voltadas para si, Irvine faz o tipo "bacana".
Fala com todo mundo, responde a todas as perguntas que lhe são dirigidas.
E deixa claro que seu perfil está distante do que hoje se espera de um piloto da categoria.
Enquanto Michael Schumacher, Mika Hakkinen e David Coulthard, por exemplo, fazem o gênero "superatleta, profissional, chefe de família", Irvine faz lembrar os pilotos que a F-1 tinha tempos atrás.
Há duas semanas, por exemplo, disse que festejou sua vitória no GP da Áustria em um ""pub" (bar) londrino. Mas declarou que nunca mais comemorará algo na capital inglesa. "Os bares fecham cedo", disse o piloto, que não esconde sua preferência pela marca de cerveja irlandesa Guiness.
Na última quinta-feira, indagado sobre onde havia estado desde o GP da Alemanha, o irlandês, solteiro convicto, pai de uma filha, afirmou: "Em Saint Tropez (mais efervescente balneário da Riviera Francesa). Mas foi difícil relaxar. Eu passei o tempo todo na cama".

Bolsa de valores
Um de seus hobbies é investir em bolsas de valores. De seu apartamento de 230 m2, em Milão (norte da Itália), passa a madrugada acompanhando o sobe-e-desce dos mercados asiáticos e comandando suas aplicações.
No ano passado, o piloto contratou um analista para dirigir seus investimentos e acabou comprando ienes.
Veio a crise asiática, a moeda japonesa se desvalorizou. Irvine demitiu o funcionário e voltou a decidir o destino de seu dinheiro.
Enquanto era o segundo piloto ferrarista, esse seu comportamento passava incólume pelos dirigentes ferraristas.
Depois do acidente de Schumacher, porém, as declarações e as atitudes do irlandês ganharam força e passaram a irritar a alta cúpula da escuderia.
Uma crise de relacionamento com o diretor esportivo do time italiano, o francês Jean Todt, explodiu durante o final de semana do GP da Áustria, há três semanas, e só foi chegou a seu final nos últimos dias.
Na quinta-feira, Irvine disse que nunca foi amigo de Todt.
"Tenho alguns amigos, alguns deles na Ferrari. Até pela diferença de idade, o Todt não é alguém com quem saio para jantar."
A alfinetada valeu uma resposta do dirigente, que reforçou rumores de que Irvine já teria acertado com a Ford para o ano que vem -a montadora norte-americana assumirá o controle da Stewart.
Segundo o francês, o futuro do irlandês na equipe já está traçado, independente de ele ser ou não o campeão desta temporada.
Um campeão demitido? Caso isso aconteça no fim do ano, não será a primeira vez na F-1.
Só a Williams, equipe mais vencedora desta década, mandou embora, logo após conquistarem títulos, pilotos como Nelson Piquet (87), Nigel Mansell (92) -o último "fanfarrão" antes de Irvine-, Alain Prost (93) e Damon Hill (96).
Caso se transfira para a Ford, assumirá um desafio até certo ponto semelhante ao de Hill em 97.
O inglês, na ocasião, foi para a Arrows, uma equipe que prometia ascensão e vitórias imediatas. O resultado foi um fracasso retumbante.
Mas Irvine parece não se importar com essa perspectiva.
O irlandês será o próximo campeão da F-1? Há grandes chances, e uma vitória hoje, no GP da Hungria, 11ª das 16 etapas do Mundial deste ano, mudaria seu status de "líder do campeonato" para "grande favorito".
A resposta para a questão é dada pelo próprio irlandês, bem dentro da filosofia que ele usa para tudo.
"Não sei se eu vou ser campeão e, ao contrário do que todo mundo pensa, não estou muito preocupado com isso. Hoje, penso nesse GP. Depois, passarei a pensar no seguinte. Vou assim, corrida a corrida. E depois a gente vê o que acontece", responde, para em seguida dar um tapão nas costas dos repórteres e entrar sorrindo no caminhão da Ferrari.
NA TV - GP da Hungria de F-1, ao vivo, a partir das 9h, na Globo


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